Projeto de luta entre adolescentes que são enviados, ainda crianças, aos lugares mais cruéis do mundo – esse é o ideal de Mitsumasa Kido, avô de Saori Kido, uma jovem filantropa, responsável por uma organização de cunho ambíguo, que seria ligada a justiça mesmo com esse triste esquema de exploração de menores, mas que esconderia um segredo ainda mais escuso.
Seiya, o protagonista – e que dá nome ao seriado – chega finalmente da Grécia, munido de sua armadura de bronze, da constelação de Pégaso após duas lutas bastante sangrentas; aguardam-no no Japão, onde está ocorrendo a Guerra Galáctica, torneio que envolveria dez dos cem meninos enviados pelo avô de Saori ao redor do globo. O entrave poria à frente os cavaleiros de bronze. O herói, ao chegar a sua terra natal, não buscava lutar, mas sim encontrar Seyka, sua irmãzinha – tal prerrogativa seria esquecida, um pouco depois – que teria desaparecido há seis anos, quando ele partiu para a Grécia. O mistério percorreria todo o seriado na jornada proposta por Joseph Campbell.
Cada um dos aventureiros é mostrado de modo demasiado heroico e didático, em lutas de proporção dantesca em meio a um ringue semelhante aos usados em espetáculos de boxe, onde os personagens se digladiam e praticamente esmigalham as armaduras de seu adversário – especialmente na luta entre Pégaso e Geki de Urso. Após a luta, é apresentado o ariano Hyoga de Cisne, um cavaleiro que tem no gelo a fonte de seu poder, e que finalmente chegava da Sibéria. Sua postura era tão ambígua que passava a impressão de ser um vilão, uma vez que foi só o nono cavaleiro a chegar, motivado pela vitória de Seiya e pela vontade incontrolável de vencê-lo, o que se faz discutir o protagonismo da historieta.
Os outros cavaleiros apresentam características básicas, que diferenciam os protagonistas dos outros, mas cujos conceitos são completamente ignorados ao longo do seriado. Shiryu de Dragão tem o punho e o escudo mais forte dentre os cavaleiros de bronze, além de deixar à mostra o seu coração ao executar o Cólera do Dragão. Mas ambos os aspectos quase nunca mais são mencionados, assim como a supostamente intransponível defesa da Corrente de Andrômeda, que se mostra uma defesa praticamente perfeita, mas que se resume a praticamente nada após o término da Guerra Galática, assim como a moral e a autoestima de seu portador.
Logo o motivo de Shun ter se tornado apenas um capacho é o retorno dos mortos de seu irmão mais velho, o portentoso – e mais carismático, além do mais forte dentro os “saints” de bronze – cavaleiro de Fênix. Ikki desperta no caçula um instinto de menininho chorão, fazendo-o tornar-se um inútil, ainda no Coliseu do Japão, para então produzir um show off de maldade, maltratando seu irmão e humilhando antes seus amigos e diante da multidão, bem diferente da atitude dele quando infante, super protegendo seu fraterno, indo até a Ilha da Rainha da Morte, um lugar terrível.
De volta ao Japão, Ikki resolve interromper o torneio e rouba a armadura de ouro de Sagitário, levando com que os outros quatro protagonistas o cacem, se deparando com os temíveis cavaleiros negros, seres maléficos que imitam os reais servidores de Atena.
Ainda há espaço para alívios cômicos, com a visita de Saori ao cais, onde Seyia está alojado, produzindo um momento de vergonha alheia, em que os dois jovens se veem em um momento de forçada intimidade, que além de mostrar a vergonha típica da puberdade, também revela uma mudança de postura da moça, que, aos olhos do herói, deixou de ser uma simples garota mimada para transparecer uma real preocupação com ele e com seus amigos.
Ikki é um vilão formidável, se mune da intimidade que tem com os outros defensores da deusa da sabedoria para subjugá-los, humilhando cada um deles, usando seus capangas para enfraquecê-los para logo depois acabar com cada uma das poucas boas memórias que os infantes têm.
Ao final, ao combater seus antigos amigos, Ikki demonstra que Shun quase não evoluiu, apesar de ter passado por maus bocados na Ilha de Andrômeda. O rapazinho de cabelo verde e aparência gay impede Cisne de destruir Fênix, que, após ludibriar seus adversários com o Espírito Diabólico, prova não ter mais algo a ser ferido em sua alma, graças ao que viveu na época de seu duro treinamento.
A motivação de Fênix para buscar vingança é plausível e envolve a origem dele e dos outros cavaleiros de bronze, no entanto o estúdio Toei alterou a raiz do problema, possivelmente por achá-lo muito maduro para um produto infantil, fazendo de Ikki apenas um lacaio do Santuário, de seu falso mestre e, claro, de um dos caracteres unicamente criado para o anime, ignorando isso. O viés que o faz atravessar o globo atrás de seus inimigos é impelido por uma ordem tola, ao invés da ganância amalgamada com a revanche, o que faz o inimigo ser banalizado.
Todo o arquétipo da amizade reforça o espírito de Seiya, que tem nas armaduras de Ouro, de Dragão, Cisne e Andrômeda o que falta para derrotar seu oponente, claro, descobrindo tudo ao lutar. As agruras que Ikki sofreu no lugar que chamava de inferno foram suavizadas, assim como quase todos os momentos de complexidade maior. Suas provações somente são aplacadas pelas atitudes de Esmeralda, uma menina que o futuro cavaleiro imortal vive confundindo com seu irmão Shun, numa das primeira referências à homoafetividade do anime. Aparentemente, algo mudou a postura de Guilty, o treinador, uma vez que sua filha Esmeralda dizia que ele era um homem bom, até retornar do Santuário. No entanto, seu poder de persuasão é enorme, uma vez que, após toda a tortura, ele convence o bravo e destemido rapaz a somente deixar o ódio dominar o coração através de um trauma enorme, que envolvia seu único alento naqueles seis anos de aflição.
A partir dali, o personagem mudaria completamente. Um homem morreu e outro nasceu, e tal mudança perduraria em seu ethos a vida inteira, mesmo quando ele retorna à luta ao lado do seu irmão. A noção de moral e ética de Ikki é completamente diferente de Seiya e dos outros, semelhante ao de muitos cavaleiros de prata, movido um bocado pelo posicionamento exclusivista, mas ainda assim, honrado a seu modo.
Ikki ainda tem tempo de se arrepender de sua “traição”, assumindo o amor por seu irmão. No entanto, o fato de literalmente ignorar o segredo de Kido, tudo para fomentar uma não necessária rivalidade entre um dos personagens criados exclusivamente para o anime, um filler, um artifício comum aos animes, quando sua periodicidade alcança a do mangá. O sacrifício do Fênix é banalizado, e alguns dos piores momentos do anime são o resultado.
Este primeiro arco revela pouco dos aventureiros, mas ajuda a fortificar a relação de amizade entre eles, apesar de ignorar a questão dos heróis terem laços sanguíneos. A devoção dos saints ainda não é posta à prova, apesar de muitos tabus terem sido quebrados, cujas referências acompanham os contos de Sófocles e mitos bíblicos, reforçando a ideia ecumênica que Masami Kurumada sempre pensou para suas criações.