Carl Sagan e seu programa de TV dos anos 80, Cosmos, foram responsáveis por criar uma geração inteira de entusiastas da ciência, além de pesquisadores de carreira, em razão do didatismo do cientista e escritor e de sua paixão pelo conhecimento humano e pela capacidade de evoluirmos enquanto espécie. Por isso, sua morte em 1996 deixou uma lacuna nos corações e mentes dos também apaixonados por ciência e pela humanidade.
Sua esposa e também cientista e ativista Ann Druyan tentou durante anos colocar de volta no ar uma nova versão de Cosmos, mas ciência e TV não combinam muito bem, de acordo com as emissoras. Tudo isso mudou quando Seth McFarlane – criador de séries de sucesso como Uma Família da Pesada, fã de Sagan e participante do núcleo de uma ala liberal e progressista na TV americana (junto de Bill Maher) -, se ocupou da tarefa de apresentar a ideia do programa a FOX, tradicional rede de TV conservadora nos EUA, o que foi um choque para muitos que a emissora aceitasse a produção do programa. Para apresentá-lo, foi escolhido Neil deGrasse Tyson, astrofísico americano de grande popularidade no meio acadêmico e na internet – também por ter virado um “meme”- , e que possuía uma história de admiração por Sagan. Além, é claro, de também ter uma excelente didática e linguagem moderna, juntamente com a paixão que tanto marcou o programa original. Nasce, assim, Cosmos: Odisseia no Espaço.
Partindo da premissa do programa clássico, Tyson conduz o espectador primeiramente por uma explicação da noção de tempo que trabalhamos, utilizando o conhecido “calendário cósmico”, onde o dia 1º de janeiro seria o início do universo, e 31 de dezembro, a nossa época. Tudo isso é feito com o único objetivo de nos tornar um pouco mais humildes frente à imensidão do espaço e do tempo em que estamos inseridos. Também são introduzidos o método científico e o conceito de como os primeiros cientistas racionalizaram uma forma de se entender o funcionamento da natureza através da observação e da experimentação, e depois se chegando a uma conclusão. Além disso, somos apresentados a uma animação que conta a trajetória de Galileu, em um formato que difere da série original, a qual usou atores. A animação é interessante porque além de permitir dar asas às metáforas que Neil narra, é visualmente mais atraente.
O ponto alto do piloto, no entanto, é seu final, onde, visivelmente emocionado, Neil descreve a experiência de ter conhecido Carl Sagan e termina dizendo que, até então, sabia o que queria ser da vida, mas depois de ter conhecido seu mentor, descobriu o tipo de pessoa que gostaria de se tornar.
A partir do segundo episódio, a série não se preocupa muito em manter uma cronicidade dos eventos, variando os temas conforme a necessidade da narrativa. Passamos pela domesticação dos animais, a evolução dos olhos, as grandes extinções, a descoberta do funcionamento da gravidade, da luz, da relatividade, das estruturas do átomo e da eletricidade e tantas outras que foram responsáveis por mudar radicalmente a vida da humanidade.
Porém, o maior mérito de Cosmos: Odisseia no Espaço é seu tom político e de enfrentamento, o que o original não tinha tanto. Ao citar a luta do cientista Clair Patterson em associar o uso de chumbo na gasolina a doenças que começam a aparecer nos EUA – em oposição aos interesses das indústrias do petróleo e automobilística -, nota-se a comparação com a luta atual de se provar que a emissão de carbono é responsável pela aceleração do aquecimento global do planeta. Ambos os eventos estão fartamente documentados e são consenso na ciência, mas alguns grupos ainda insistem em afirmar que isso ainda não está provado.
Essa postura honesta – de assumir que a ciência não é neutra, pode ser manipulada por interesses econômicos, e que muitas vezes é refém das limitações dos homens de sua época – é essencial para nos mantermos alertas frente ao poder econômico das corporações que está longe dos interesses da humanidade, como é o caso do aquecimento global.
Também é importante a abordagem que o programa dá a várias cientistas mulheres que contribuíram para o avanço da ciência, em especial da astronomia, e que foram deixadas em segundo plano na história. Por exemplo, Cecilia Payne, e seu importante trabalho sobre a luz das estrelas refletida na Terra, nos ajudou a descobrir que esses corpos celestes são feitos de hidrogênio e hélio.
Apesar de às vezes a citação de tantos dados e tantos “bilhões e bilhões” em escalas muito diferentes de tamanhos e distâncias – além da variação de temas por episódios – poder confundir o espectador, o maior mérito de Cosmos: Odisseia no Espaço é não fazer concessão alguma ao poder do lobby religioso nos EUA. Em momento algum é citado o criacionismo ou qualquer outra pseudociência que tenta, no grito, ganhar espaço no debate público e acadêmico. A postura do programa está correta porque essas ideias já têm seu espaço garantido em outros lugares. Um programa de ciência deve se dedicar somente a falar sobre ciência. O programa em momento algum prega que ela é perfeita, e nem pretende ser, mas é a nossa melhor ferramenta intelectual para ajudar a humanidade a se livrar de seus problemas – que muitas vezes ela mesma cria para si própria – e tentar melhorar a vida de todos.
Por isso, Cosmos: Odisseia no Espaço é tão importante nos dias de hoje. Para fazer com que as novas gerações saibam do nosso poder enquanto transformadores de nossa realidade, e que consigamos fazer algo de positivo com ele.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.