O seriado do FX que explora o ideal do personagem David Haller, mutante conhecido como Legião, começa com o clássico do The Who, Happy Jack, que serve como uma boa introdução para o passado de Haller, mostrando-o já adulto, interpretado por Dan Stevens, lidando com as questões mentais que atormentam o personagem desde cedo. O primeiro episódio de Legion não se preocupa em explicar muito, nem sobre a natureza dos poderes mutantes de Haller, nem sobre seu passado.
O nome legião é uma referência bíblica a uma pessoa possessa que foi liberta por Cristo. Os demônios que habitavam o corpo do possuído usavam esse nome para aludir a multiplicidade de identidades demoníacas ali presente. David é um sujeito com múltiplas personalidades e nos quadrinhos, estas surgem quando uma nova mutação ocorre em sua psique. Ele é um mutante nível Ômega, categoria essa que abarca somente os portadores de Gene X mais poderosos, como Fênix, Apocalipse, Feiticeira Escarlate e alguns poucos outros.
O modo escolhido por Noah Hawley (Fargo) e demais produtores para demonstrar o conflito do protagonista ao ter de lidar com uma mente poderosíssima e ainda assim doente é através de cenas no interior de um hospital psiquiátrico, onde o sujeito dá vazão a algumas de suas múltiplas versões de personalidade e pensamento, variando entre momentos onde o mesmo é interrogado e onde ele convive com as versões de sua mente, cada uma com corpo e características únicas.
Essas representação do Ego se confundem com pessoas reais, variando tanto com o seu medo, materializado em Lenny Busker (Aubrey Plaza), que faz referência a um vilão de Charles Xavier (seu pai nos quadrinhos), até o seu par, Syd Barrett (Rachel Keller), uma linda moça que o faz se apaixonar a primeira vista e que se confunde com uma das tantas versões esquizofrênicas de sua mente. Aos poucos, Syd demonstra que também tem peculiaridades semelhantes as de Dave, fato que a faz um par quase perfeito ao protagonista.
As manifestações começam caricatas e vão ganhando importância e seriedade em meio aos oito episódios, sendo a principal delas a já citada Lenny, que começa como um estágio primário da mente e evolui para uma face negativa. Há referências claras ao cinema do britânico Ken Russell, em especial nos mergulhos psicodélicos a mente do personagem título, que demonstra insegurança e instabilidade mental frente ao seu adversário em momento que variam das homenagens ao cinema mudo até claras homenagens as musicas de abertura dos filmes de James Bond.
O temido vilão tem um caráter tão dúbio quanto o ideal da série, variando entre o belo e o grotesco, sendo esse último uma versão bastante assustadora e ameaçadora, parecida com os monstros dos filmes de horror populares nos anos noventa. A trama envolvendo a família e origem de Dave ajudam a acrescer na empatia do público junto ao herói e conseguem finalizar bem o drama proposto por Hawley, alimentando tanto o espectador mais ávido por uma história misteriosa e profunda, mas sem deixar os fãs de quadrinhos que buscam uma aventura mais escapista com algum alento.
Legion termina com destinos diferenciados para seus coadjuvantes e um gancho misterioso envolvendo David e suas origens parentais, levantando a possibilidade até de se explorar isso em futuros lançamentos. A junção de texto mirabolante e direção de arte bem encaixada ajudam a tornar o programa de conteúdo profundo, relevante e bem urdido no sentido de falar das agruras sentimentais e distúrbios mentais, sem tratar seus personagens como seres coitados.
Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.