Há não muito tempo atrás os canais HBO apresentavam em suas séries tramas elaboradas, acompanhada de um elenco diferenciado, incluindo uma boa equipe de produção, roteiro e direção. Essa fama se solidificou com Família Soprano, A Sete Palmos, Roma entre outras, e com o tempo, produções que no começo eram elogiadas, foram perdendo fôlego, como Game of Thrones, Westworld e True Blood.
Uma das novas apostas da emissora é a produtora e showrunner Misha Green, que tem pouca experiência na televisão e que resolveu adaptar o livro Território Lovecraft, de Matt Ruff, trazendo à luz Lovecraft Country, uma história que reúne elementos realistas e referências a literatura pulp, quadrinhos e terror. Evidentemente, a maior parte das referências dentro dessa temporada são aos contos psicodélicos de H.P. Lovecraft, inclusive colocando o racismo galopante do autor como elemento narrativo, subvertendo a obra do próprio. No episódio piloto se tem uma sequência sensacional onde o jovem veterano de guerra Atticus ‘Tic’ Freeman tem uma visão/sonho, que reúne elementos de livros clássicos de H.G.Wells, Julio Verne com lendas do esporte como o jogador de Baseball Jackie Robinson.
Tic fala que histórias são como as pessoas, não precisam ser perfeitas para se gostar delas. Claro que a intenção é colocar em perspectivas as narrativas dos autores, e claro, fazer um comentário sobre a efervescência política da época, mas de certa forma isso acaba sendo um comentário a respeito das fragilidades do roteiro, que faz muitas concessões e apela demais para a suspensão de descrença, e não por conta dos eventos fantásticos da série, afinal esses são esperados, mas sim porque algumas regras são facilmente quebradas e dobradas, enquanto outras se mantém firmes.
Apesar dessa problemática, a maioria dos dez episódios tem mais aspectos positivos que negativos. Os efeitos especiais são bem legais, e a abordagem de cada episódio brinca com um gênero diferente dentro do escopo de ficção cientifica, terror e aventura. Além disso, o elenco está afiadíssimo, não só com Jonathan Majors, mas também com Jurnee Smollett que vive a coprotagonista Letitia, com Abbey Lee, que apresenta muito mais camadas que seus personagens anteriores de Mad Max: Estrada da Fúria e outros filmes, além dos veteranos Michael Kenneth Williams, Jamie Neumann, Courtney B. Vance e Aunjanue Ellis que tem grandes momentos em tela.
Uma das forças das séries antigas do canal, morava no vasto grupo de coadjuvantes, que produziam histórias paralelas que variavam o nível de interesse do espectador. Lovecraft Country resgata essa sensação. Ruby, a irmã de Letitia vivida por Wunmi Mosaku tem um ótimo arco que conversa com a atualidade. Em alguns pontos, as conclusões são mostradas com base no didatismo explícito, mas isso claramente não incomoda. Exceção ao destino final da personagem, todo seu arco é muito bem explorado e exemplificado, além de ser bem amarrado à trama principal.
Lovecraft se baseou em Salém para fazer seus contos, mas o horror do seriado de Green se baseia em questões de segregação, da violência dos intolerantes, e ainda tempera tudo isso com o choque de gerações entre os personagens. Toda a narrativa da série prima pela pressa, para o bem e para o mal, é como se o mundo estivesse prestes a acabar, mesmo que a história seja muito contida em si e em seus cenários e personagens.
A falta de confirmação de uma possível segunda temporada é – ao menos por enquanto – um alento, uma vez que até aqui a história do livro se esgotou, e materiais semelhantes como Handmaid’s Tale e Game of Thrones pioraram e muito após temporadas que não adaptam mais seu livro de origem. A chance de se esticar demais uma premissa interessante, porém esgotada, faz torcer para que os produtores optem pela satisfação do que a série já apresentou até aqui, e como a audiência não foi tão estrondosa, seria natural não renovar.
Apesar das muitas conveniências e incongruências, sobretudo quando se aborda a magia, Lovecraft Country consegue trazer à luz temas bastante potentes e caros, reunindo à sua formula uma trilha sonora repleta de Hip-Hop como foi recentemente com a também série da HBO Watchmen, de Damon Lindelof, além de ser um aceno aos fãs de literatura especulativa e ao abordar de forma tão criativa e direta as temáticas que desenvolve.