Jogos de terror são, para muitos, o suprassumo do gênero. Quando você lê alguma coisa de terror você imagina os monstros e situações baseado na descrição do autor, mas porque você monta as figuras narradas utilizando sua imaginação, é muito difícil que elas o deixem verdadeiramente aterrorizado. Ao assistir um filme de terror, você pula na cadeira quando algo aparece do nada, mas passa a maioria do tempo dando ordens para o protagonista (que nunca escuta) então o máximo que um filme consegue é te deixar assustado e isso é muito diferente de ficar aterrorizado. Jogos de terror são os únicos que conseguem me deixar arrepiado e tem a capacidade de mimetizar o verdadeiro terror.
Geralmente esses jogos são desenvolvidos em primeira pessoa e precisam ter uma história muito boa. Se você não se envolve com o enredo do game, fica o tempo inteiro procurando o jumpscare e por isso ele não funciona de verdade com você. Se o jogo é em primeira pessoa, tem uma história bem contada em um ambiente imersivo e possui uma edição de som bem-feita, está feito o estrago. Sala escura, fone estéreo e um PC/console bom o suficiente pra mostrar o melhor gráfico possível, e você vai ficar arrepiado e suando frio durante todas as horas que passar brincando de “passar nervoso”. O jogo do post de hoje tem isso tudo e foi uma das coisas mais aterrorizantes que já me aconteceu.
O ano é 2084. Implantes biotecnológicos se tornaram uma realidade trivial décadas atrás e praticamente todas as pessoas tiveram alguma parte de seus corpos substituída por peças manufaturada em uma fábrica. Quando a maior parte da população se tornou aumentada, veio a praga cibernética. A “nanophage” foi a doença de uma geração recém melhorada que afetou milhares de pessoas que irromperam em um frenesi violento. Quando os episódios da doença ficaram cada vez mais espaçados o mundo entrou em uma guerra mundial que elevou uma única empresa à hegemonia cibernética: A Chiron International tornou-se o “grande irmão” que zela pela humanidade. Quando a polícia precisa interrogar algum suspeito aumentado, eles chamam oficiais como você. Você é um dos únicos oficiais poloneses em toda a Cracóvia com a capacidade de interagir com cérebros aumentados, literalmente invadindo as memórias do suspeito e extraindo o necessário para resolução do crime. Quando seu filho desaparece em um cortiço nas partes mais pobres da cidade, você precisa utilizar suas habilidades para descobrir o paradeiro de Adam que parece envolvido em algo muito grande. Somente um “observer” consegue, e ninguém além de você pode resolver essa situação.
Observer é um jogo de terror psicológico com temática cyberpunk desenvolvido pela Bloober Team SA (de Layers of Fear) e lançado no segundo semestre de 2017. No jogo, você controla o oficial Daniel Lazarski (impecavelmente dublado por Hudger Hauer) em sua busca pelo paradeiro do filho Adam Lazarski em um prédio de apartamentos na parte mais pobre da cidade polonesa de Cracóvia. Ao chegar no prédio, você descobre que o edifício entrou em lockdown e todos os habitantes do lugar encontram-se trancados em seus apartamentos. Durante o jogo, você descobre uma série de assassinatos recém cometidos e precisa investigar o paradeiro do assassino enquanto tenta encontrar seu filho.
De cara, o jogo mostra gráficos bastante competentes e que resistem bem aos anos de seu lançamento original, apesar do investimento modesto da Bloober Team. O game tem uma temática de enredo e gráfica bastante adulta, com cenas bem pesadas e não recomendada para crianças. As mecânicas do jogo são bastante simples e basicamente se resumem a movimentação no teclado e interação do seu personagem através dos dois botões do mouse. Não há um HUD com marcadores para vida, estamina ou qualquer outro recurso e isso mostra de forma bem simplificada a que o jogo se propõe: um adventure/walk simulator que se explica durante a jornada de Lazarski pelo prédio físico e por dentro das memórias daqueles que o oficial encontra pelo caminho.
E é justamente durante a invasão das memórias dos outros personagens que o jogo mostra as suas garras e a qualidade de seu level design. Quando invade a mente de um personagem utilizando o implante cerebral do alvo, você se depara com uma série de puzzles refinados para avançar a narrativa e o jogo o leva através desses cenários sem pop-ups de missões e sem nenhum tipo de tutorial. É durante esses hacks de memória que estão as melhores passagens da narrativa. A história dos personagens é contada quando Lazarski tenta remontar e compreender os fatos utilizando fragmentos de memória completamente desconexos em uma verdadeira “viagem de ácido” por dentro de cenários psicodélicos e estroboscópios. O jogo dá um aviso no início, mas é necessário frisar: se você sofre de episódios convulsivos, fique longe de Observer.
O mais legal no trabalho dos programadores da Bloober Team é a forma como a narrativa do jogo caminha sem pegar na sua mão nem uma vez. Todos os elementos para entender a trama estão na interação com o cenário, mas não há um resumo ou arquivos para confirmar se você captou a mensagem.
O ator Hudger Hauer (de, não por acaso, Blade Runner) faz um trabalho magnífico na dublagem do personagem principal e, num geral, todas as outras vozes empregadas no game são irretocáveis em suas interações com Lazarski. A edição de som do jogo é monumentalmente bem-feita e não encontrei nenhum bug durante minhas horas (5 horas, pra ser exato) com Observer. Como comentei, a narrativa é bem linear, mas durante o jogo são apresentadas duas ou três sidequests não obrigatórias que são fáceis de abandonar. O jogador fica tão envolvido na história e tão ansioso por encontrar Adam que só percebe que as missões ficaram para trás quando o jogo terminou. Ao fim da primeira jornada pela história do game, não fica a impressão de que as missões paralelas são imprescindíveis para o perfeito entendimento da aventura principal.
Como já comentei, o jogo se assemelha bastante a um filme interativo. Não há combate, armas ou qualquer outra interação que não envolva andar por dentro do prédio e conhecer a história. Andar pelos corredores e pelos ambientes psicodélicos das memórias é basicamente tudo o que você faz e, infelizmente, isso é implementado de uma maneira pouco enriquecedora. Talvez para aumentar a tensão, ou pelo adiantado de sua idade, o personagem controlado pelo jogador se movimenta de forma muito lenta e, mesmo quando está correndo, percorrer grandes distâncias é algo um pouco monótono. Se você não presta atenção e se perde dentro dos corredores do cortiço, achar o lugar que você quer pode ser um pouco enfadonho entre um ponto importante e outro. Isso diminui drasticamente a capacidade de replay do game e conta um ponto extremamente negativo neste review.
Com alguns jumpscares bem posicionados, a ambientação mantém o jogador com o coração na boca durante praticamente o jogo inteiro, e isso é outro ponto muito importante. Dados os ambientes soturnos do prédio e seu contraste com as luzes e psicodélicas já citadas nas cenas de invasão das memórias, sessões muito prolongadas podem cansar, principalmente a visão do jogador, mas a possibilidade de chegar ao fim da narrativa com duas ou três sessões na frente do PC, colocam Observer como um jogo de tamanho adequado para o que se propõe e, nesse ponto, não ser muito comprido e arrastado conta como um ponto extremamente positivo também.
Com gráficos viscerais, ambientação e edição de som bem construídos e roteiro bem dentro do que se espera de um terror cyberpunk, Observer é uma excelente alternativa para quem gosta de uma narrativa linear de terror que vai te deixar de pelos eriçados como nenhum filme ou livro no mesmo tema será capaz de fazê-lo. Um bom jogo para deixar na lista de desejos esperando por uma promoção na sua loja virtual preferida. Uma experiência aterrorizante no mesmo nível de Layers of Fear, para quem precisa de mais do que um O Exorcista para fazer o sangue gelar.