Cotas costumam ser um assunto polêmico. Depois que o Ministério da Cultura anunciou a criação de editais para negros, vieram as criticas pelas redes sociais.
Geralmente quem é contrário as cotas pertence ao grupo que sempre foi privilegiado, e o discurso mais usado é o da meritocracia. No entanto, esses se esquecem que a mesma meritocracia esbarra quando encontra o preconceito indireto, a intolerância racial velada ou simplesmente a cultura que privilegia a exclusão.
Outro argumento falho é apelar à falta da liberdade de expressão quando tentam sem sucesso inverter a ordem de conquistas deste tipo, pegando o exemplo acima do Minc, de querer ter o direito inalienável a um edital só para brancos. O problema é que as pessoas se esquecem que as relações entre brancos e negros não são iguais, e não adianta fingir que são, elas são desiguais desde sempre. Até hoje os negros ainda pagam a dívida de séculos de escravidão e opressão que sofreram dos brancos, através de preconceito e desvantagens de todo o tipo.
Hoje em dia temos poucos negros e negras inseridos no audiovisual nacional. Dos diretores, os mais notáveis são o mineiro Joel Zito Araújo e o paulista Jeferson De. Na parte técnica como fotógrafos, diretores de arte, sonoplatas e editores, são poucos também, mas não estou conseguindo lembrar de nenhum, você está? Caso positivo, informe que eu atualizo o post.
É na atuação que aparecem mais, mas ainda assim muito pouco. Desde a retomada até 2005, segundo esta dissertação (gráfico 1, página 14) estreamos em média 27 filmes por ano, sendo que em 2010, de acordo com o informe anual da Ancine (tabela 12), chegamos ao lançamento de 75 longas. E agora em 2012, na revista de setembro do portal Filme B (que divulgamos aqui), pode-se conhecer os 100 longas que estão em produção atualmente no Brasil.
Desta quantidade toda de filmes recentes, em quantos deles negros, mulatos e indígenas são protagonistas? Em quantos filmes são roteiristas, diretores ou técnicos importantes como fotógrafos ou editores? Agora, relacionando com todos os outros onde brancos são os protagonistas, diretores, roteiristas e editores, qual a proporção que teríamos entre os não brancos e os brancos? 10:01? 20:01? 50:01? Ou chegaríamos aos absurdos 100:01? Deixo aqui em aberto aos mais interessados correrem atrás.
Dos blockbusters que me vêm a cabeça são “Cidade de Deus” (2002), “Tropa de Elite” (2007), “Tropa de Elite 2” (2010) e “5 x Favela, Agora Por Nós Mesmos” (2010) (Se conhecer mais algum, avise para atualizar a postagem). Isso sem falar, é claro, nos filmes dos diretores citados até o momento.
No entanto, o caso mais exemplar da necessidade das cotas está na série de tv fechada do canal GNT “Sessão de Terapia”, adaptação do original israelense “BeTipul”, dirigido aqui por Selton Mello e com Maria Fernanda Cândido no elenco. Nela, o psicanalista Theo atende em seu consultório pacientes diversos. O curioso é que o elenco principal da série, composta por 8 atores, são todos brancos, como pode ser visto abaixo, não há um negro, oriental ou indígena, nada.
Por mais que o argumento contrário as cotas neste caso seja de que o público alvo do GNT seja composto em sua maioria por mulheres entre 25 e 49 anos de classe média e alta, já se provou que boa parte dos negros estão inseridos na classe média. A não ser que o público alvo do canal seja formado por mulheres BRANCAS de classe média e alta, o que acredito que não seja.
“Sessão de Terapia” se passa na cidade de São Paulo, a maior do país, e, por conta disso, a que mais possui problemas, pois é formada por uma quantidade de pessoas de diversas origens étnicas, com crenças variadas e de orientações sexuais tão distintas que, por mais que seja bem dirigida pelo Selton Mello, bem escrita e conte com atores competentes, torna uma difícil identificação do público com a série para quem não é branco.
Ou seja, como um negro, mulato, indígena ou oriental vai enxergar os seus próprios problemas e relacioná-los com os dilemas dos personagens se eles não se vêem nos mesmos? De que forma o público poderá atingir a reflexão com as situações geradas? Por mais que seja de classe média, um negro, mulato vai conseguir compreender a dor dos personagens?
Quem novamente for contra as cotas, deve vir com o argumento de que se a obra for universal, qualquer um se identifica. É verdade, mas não se aplica ao caso brasileiro, onde a nossa maior característica é sermos plurais e contar com pessoas de cores, credos e orientações sexuais tão distintas quanto. Vocês se lembram que recentemente tentaram esbranquiçar o mulato Machado de Assis em uma propaganda da Caixa Econômica Federal, né?
Portanto, não se justifica a escolha de um elenco inteiro que não representa nem um terço da pluralidade do povo brasileiro. É questão de identidade, ou no caso, a falta de. Nos EUA, o movimento negro conseguiu avanços no cinema e na teledramaturgia do país durante os anos 60 e 70 com as cotas para atores negros, conseguindo na década seguinte gerar séries que tratavam de seus dilemas, como Cosby Show (1984-1992) e Fresh Prince of Bel-Air (1990-1996), no mar das séries que só tratavam das famílias brancas (não é preciso inumerar, né?).
Como noticiado em muitos podcasts, os nerds se lembram, é claro, do episódio onde Martin Luther King convenceu Nichelle Nichols a não abandonar sua personagem Uhura na série clássica de Star Trek, por que ela representava os negros do país.
E assim como os EUA, o Brasil é um país complexo, e apesar das dificuldades estamos cada vez mais conseguindo avanços significativos no combate as várias discriminações para que consigamos atingir uma sociedade mais livre e mais justa através da inclusão. E essa inclusão passa pela necessidade de se ter negros, mulatos e indígenas como roteiristas, diretores e técnicos em cargos importantes na indústria, como também encarnando protagonistas etnicamente diferentes nas grandes séries dos canais fechados.
Ainda mais agora desde que a PLC 116 foi aprovada em setembro de 2011, obrigando os canais a cabo a exibir conteúdo produzido no Brasil, aumentando a expectativa do setor. O que acontece com isso? Que iremos ver a economia do audiovisual brasileiro girando, isso significa produtoras independentes como a Conspiração Filmes no Rio de Janeiro, a O2 em São Paulo, entre outras, contratando mais gente para produzir conteúdo revelante e de qualidade que serão exibidos nos grandes canais fechados, como HBO, Sony, Warner, Fox, AXN, canais Globosat e por aí vai. Mais informações sobre esta lei aqui.
A abordagem do problema até aqui foi superficial. Não é possível dimensionar em um texto pequeno toda a problemática representada pela escolha equivocada da produção de elenco da série do GNT. O que é possível fazer é: a) inventariar as questões possíveis a ser levantadas (a escolha de 8 atores brancos para o elenco principal da série de destaque de um dos principais canais a cabo foi pontual); b) tentar desvendar os motivos (o que o GNT deseja comunicar para o seu público?); entre outras questões diversas.
Por último, se é que alguém ainda não entendeu que as relações entre brancos e não brancos vão demorar para se equiparar, e que até lá, negros, mulatos e indígenas irão precisar de medidas a longo prazo como uma educação pública melhor, como também medidas diretas como cotas, este desenho abaixo exemplifica bem a questão:
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Texto de autoria de Pablo Grilo.
É complicado colocar sua posição contrária a esse tipo de quota, sem parecer racista. Mas vou me arriscar, até porque minha posição não é totalmente contra, apenas algumas ressalvas.
Por mais que eu entenda, e observe que há sim uma diferença de tratamento entre negros e brancos. É só observar a diferença estatística entre a população carcerária e a população “normal”, e observar o abismo se dividido por raças.
Ainda assim, eu enxergo que o problema está na base da pirâmide. A inclusão social não deveria partir do topo. Mas sim, com oportunidades plenas a todos. Desde o início da vida. É até pernicioso comparar a possibilidade de sucesso de uma pessoa nascida em berço de classe média, branca. Comparado com um negro, pobre da favela.
Entendo até, que a inclusão “a força” de uma quota miscigenada, em shows de televisão, possam ajudar a quebrar o preconceito. Mas sinceramente, o convívio diário com pessoas de todas as cores e credos em todas as esferas da sociedade, faria isso com muito mais eficácia do que qualquer seriado.
Outro problema que eu vejo, é a situação dos “quotistas” nas universidades públicas, muitas vezes alvo de preconceito e segregação por parte dos alunos e dos próprios professores. Verdade também, que sem essas quotas, era bem possível que nem chegassem a universidade publica de qualidade. E que talvez esses alunos, ajudem a construir uma noção futura de igualdade maior.
Porém, muitas vezes isso me parece uma tentativa de sanar uma desigualdade, onde o problema já deixou muitos milhares, se não milhões, serem excluídos pelo funil “higiênico”. Me parece tapar o sol com a peneira. Que também admito, é melhor do que não fazer nada. Mas acaba do meu ponto de vista, apenas promulgando e dando desculpas para soluções de verdade, que ajudem a sociedade como um todo.
E no fim das contas, eu não sou contra, acho apenas que políticas de inclusão deveriam ser amplas, e não apenas focadas em pontos específicos. Sei também que há de se começar em algum lugar, e é um assunto complexo, que muitas vezes a sociedade transfere a responsabilidade apenas para o Estado, quando é um assunto que é de aspecto pleno para todos.
As cotas são parte da solução, só que é a curto prazo, a longo prazo é a educação pública de qualidade e a quebra de barreiras. E uma das formas de quebrar essas barreiras e se permitir uma inclusão maior é sim através de personagens que apareçam para o público como diferentes do padrão, seja na etnia, religião ou orientação sexual. O exemplo do GNT trata bem disso, não tem meritocracia que fure o preconceito velado, precisa de cotas.
Concordo e discordo.
Concordo com o fato do preconceito acabar afetando obras audiovisuais e isso indicar o não uso de negros em séries e afins. Agora generalizar isso é complicado, em filmes e novelas (series como essa citada não são a principal produção do Brasil) sempre há um bom numero de negros no núcleo principal, geralmente os mesmos, difícil entrada de novatos, mas tem. Eles não são os principais, mas estão lá no apoio, que é o que geralmente acontece lá fora também
Agora discordo no que se trata do sistema de cotas. Falar que negros não tem chances de entrar em faculdades por serem negros é complicado. POSSO vir a concordar se você falar que o sistema de cotas vai mudar e que agora pra entrar em cota você precisa comprovar que estudou TODA sua vida em colégios públicos e nem cursinho fez para entrar na faculdade. Pois ja vi MUITOS casos de negros que fizeram os melhores colégios, frequentaram os melhores cursos e ainda entraram pela lei de cota… Porque estes precisavam disso? Assim como brancos que não tinham condições de cursos, estudaram em escola publica e fizeram pré vestibular comunitário mas não conseguiram passar nem entrar em sistema de cotas… Porque? Eram brancos… Porque os negros que claramente tiveram melhores condições ainda assim foram beneficiados com as cotas?
É um sistema falho e não corrige o erro, apenas cria outro e a ilusão de que está tudo certo.
Mas em nenhum momento eu cito as cotas em faculdade, Kirano, me referi o tempo todo as cotas no audiovisual, o que inclui a inclusão das minorias tanto no setor técnico, quanto no artístico.
Já sobre as cotas na educação, é como eu disse acima pro Rafael, cotas são parte da solução, e são a curto prazo. Claro que a longo prazo é uma educação melhor, mas as cotas servem pra duas coisas: além de ter esse efeito a curto prazo, tem o efeito de combater o preconceito, que, convenhamos, não precisamos negar que ele existe. E outra coisa, vocês estão partindo do pressuposto que a relação entre brancos e negros são iguais, e sabem que não são.
Esqueci de comentar o seguinte: liste todas as séries, minisséries e novelas brasileiras e me diga depois em quantos negros são protagonistas não esteriotipados, como os da Globo por exemplo, que só são protagonistas em novelas de época quando são retratados como escravos.
Não, chega, estamos em tempos novos, os negros chegaram a classe média e também precisam ser retratados como tal.
‘-‘ Pegou pesado, não sou bom de memoria e tenho estado ausente de cinema/tv. Em novelas acho até que algumas vezes surgem um ou dois que são fora disso, mas não lembro.
Não, os dois casos eu “conheci”. O primeiro foi um professor meu que falou, ele dá aula no pré vestibular comunitário e contou sobre o rapaz branco que estudou estudou e estudou, tirou uma boa nota, mas não passou, enquanto no mesmo vestibular o conhecido negro que citei, estudou em colégio particular e fez cursinho pré vestibular particular tirou a mesma nota e conseguiu passar pela cota. O sistema de cota ta errado ao colocar só raça, quer colocar raça, coloque mas TEM QUE HAVER EXCEÇÕES, o caso desse rapaz negro que passou não poderia entrar em cota, ele estava SIM nas mesmas condições de disputa que um branco e por isso deveria ser retirado da cota, dando chance a outra pessoa que não estivesse.
Sempre haverá injustiça, mas não se pode se pautar também apenas pelas exceções, né?