Lila Azam Zanganeh foi uma das escritoras que mais se destacou na FLIP. Principalmente, pelo exagero midiático em torno de sua beleza, elegendo-a a musa do evento (que exploro neste outro texto), quando, ao lado do escritor Francisco Bosco, compôs uma das melhores mesas do evento, na sexta, intitulada O Prazer do Texto.
A mesa com mediação de Cassiano Elek Machado, destacava a força da literatura como objeto transformador, valendo-se de dois autores que, não por acaso, são objetos de estudos dos convidados: Roland Barthes e Vladimir Nabokov.
Bosco abriu a conferência apresentando o conceito de Barthes sobre a leitura em seu excelente livro O Prazer do Texto. Fez um rápido diagrama imaginário com as mãos para configurar em síntese a teoria do francês sobre diferentes tipo de literatura divididos entre textos de prazer e texto de gozo. Para Barthes, a definição bifurca as narrativas entre aquelas que produzem prazer no leitor e as que produzem incômodo de alguma maneira, desautomatizando a leitura e fazendo-a mais densa.
A apresentação da tese abre espaço para que Lila Azam Zanganeh apresente outra maneira de se compreender a literatura, vista pelos olhos do russo Vladimir Nabokov que acreditava na necessidade de produzir um encantamento no leitor. Uma espécie de êxtase que promoveria no leitor o misto de desconforto com certa paixão.
Inevitavelmente menciona a obra mais conhecida de Nabokov, o romance Lolita. E demonstra sua compreensão pela obra do russo ao definir, em poucas frases, a grande importância do romance. Diz Lila que o enredo trata-se de uma história do amor ocidental em uma época em que os poucos tabus presentes são a pedofilia e o incesto. Dessa maneira, o autor criaria uma história universal e transgressora.
A história de Lila e Nakobov transita além do encantamento. O russo trocou sua língua mãe pelo inglês e a utiliza para escrever parte de sua obra literária sendo Lolita um desses romances em língua inglesa. Lila tem descendência iraniana, nasceu na França e parece reconhecer-se no autor por também ser patriada por duas línguas.
Aprofundando-se em sua obra, escreveu O Encantador – Nabokov e a felicidade, realizando uma análise biográfica e narrativa sobre o autor e produzindo ecos e jogos do espelho entre a ficção e a realidade, como seu objeto de estudo faria em sua literatura. Compôs uma falsa entrevista com Nabokov tão profundamente ligada a narrativa do autor que Dmitri Nabokov, filho e herdeiro de seu espólio, espantou-se ao lê-la, tão fiel era a fala e o pensamento do pai.
Evidenciando o prazer do texto, pressuposto por Barthes, estudado por Bosco, refletido em Nabokov com certa obsessão por Lila, a reverência à literatura atingiu seu máximo. Dialogando duas vertentes que se encontraram com perfeição. Em grande parte porque os excelentes convidados tinham domínio pleno dos assuntos abordados.
Logo após a conferência, na Tenda dos Autógrafos promovida pelo evento, conversei brevemente com Bosco. Como graduado em letras que me tornarei, tentei, sem criar um discurso elogioso, afirmar que ele, aos trinta e seis anos, é um daqueles estudiosos que nos servem como exemplo pelo carisma e domínio do assunto. E, como quem quer saber sobre o futuro, perguntei se o caminho das Letras tem frutos.
Lila, falando um português de invejar muitos nativos, atenciosa e simpática mas desconfortável com o calor de Paraty, fazia pose para as fotografias com os leitores e autografava seu livro. Diante da afeição que também nutro por Nabokov, não hesitei e lhe perguntei se ela tinha consciência que, daqui há uns trinta anos, outro apaixonado pelo autor, leitor de seu livro, escreveria uma nova tese traçando os paralelos entre a vida de ambos e o jogo de espelhos que ela refletiu a partir das máscaras de Nabokov.
A franco-iraniana me olha nos olhos, sorri e responde: mas eu ainda sou tão pequena, como quem ainda deseja acreditar que está no caminho certo. E penso não, Lila, sem dúvida não. E lhe digo, como quem já confunde autor com criatura, mas eu lhe prevejo um futuro brilhante. E assim nos despedimos.