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  • FLIP 2013: Barthes e Nabokov tem razão

    FLIP 2013: Barthes e Nabokov tem razão

    flip - o prazer do texto

    Lila Azam Zanganeh foi uma das escritoras que mais se destacou na FLIP. Principalmente, pelo exagero midiático em torno de sua beleza, elegendo-a a musa do evento (que exploro neste outro texto), quando, ao lado do escritor Francisco Bosco, compôs uma das melhores mesas do evento, na sexta, intitulada O Prazer do Texto.

    A mesa com mediação de Cassiano Elek Machado, destacava a força da literatura como objeto transformador, valendo-se de dois autores que, não por acaso, são objetos de estudos dos convidados: Roland Barthes e Vladimir Nabokov.

    Bosco abriu a conferência apresentando o conceito de Barthes sobre a leitura em seu excelente livro O Prazer do Texto. Fez um rápido diagrama imaginário com as mãos para configurar em síntese a teoria do francês sobre diferentes tipo de literatura divididos entre textos de prazer e texto de gozo. Para Barthes, a definição bifurca as narrativas entre aquelas que produzem prazer no leitor e as que produzem incômodo de alguma maneira, desautomatizando a leitura e fazendo-a mais densa.

    A apresentação da tese abre espaço para que Lila Azam Zanganeh apresente outra maneira de se compreender a literatura, vista pelos olhos do russo Vladimir Nabokov que acreditava na necessidade de produzir um encantamento no leitor. Uma espécie de êxtase que promoveria no leitor o misto de desconforto com certa paixão.

    Inevitavelmente menciona a obra mais conhecida de Nabokov, o romance Lolita. E demonstra sua compreensão pela obra do russo ao definir, em poucas frases, a grande importância do romance. Diz Lila que o enredo trata-se de uma história do amor  ocidental em uma época em que os poucos tabus presentes são a pedofilia e o incesto. Dessa maneira, o autor criaria uma história universal e transgressora.

    A história de Lila e Nakobov transita além do encantamento. O russo trocou sua língua mãe pelo inglês e a utiliza para escrever parte de sua obra literária sendo Lolita um desses romances em língua inglesa. Lila tem descendência iraniana, nasceu na França e parece reconhecer-se no autor por também ser patriada por duas línguas.

    Aprofundando-se em sua obra, escreveu O Encantador – Nabokov e a felicidade, realizando uma análise biográfica e narrativa sobre o autor e produzindo ecos e jogos do espelho entre a ficção e a realidade, como seu objeto de estudo faria em sua literatura. Compôs uma falsa entrevista com Nabokov tão profundamente ligada a narrativa do autor que Dmitri Nabokov, filho e herdeiro de seu espólio, espantou-se ao lê-la, tão fiel era a fala e o pensamento do pai.

    Evidenciando o prazer do texto, pressuposto por Barthes, estudado por Bosco, refletido em Nabokov com certa obsessão por Lila, a reverência à literatura atingiu seu máximo. Dialogando duas vertentes que se encontraram com perfeição. Em grande parte porque os excelentes convidados tinham domínio pleno dos assuntos abordados.

    Logo após a conferência, na Tenda dos Autógrafos promovida pelo evento, conversei brevemente com Bosco. Como graduado em letras que me tornarei, tentei, sem criar um discurso elogioso, afirmar que ele, aos trinta e seis anos, é um daqueles estudiosos que nos servem como exemplo pelo carisma e domínio do assunto. E, como quem quer saber sobre o futuro, perguntei se o caminho das Letras tem frutos.

    Lila, falando um português de invejar muitos nativos, atenciosa e simpática mas desconfortável com o calor de Paraty, fazia pose para as fotografias com os leitores e autografava seu livro. Diante da afeição que também nutro por Nabokov, não hesitei e lhe perguntei se ela tinha consciência que, daqui há uns trinta anos, outro apaixonado pelo autor, leitor de seu livro, escreveria uma nova tese traçando os paralelos entre a vida de ambos e o jogo de espelhos que ela refletiu a partir das máscaras de Nabokov.

    A franco-iraniana me olha nos olhos, sorri e responde: mas eu ainda sou tão pequena, como quem ainda deseja acreditar que está no caminho certo. E  penso não, Lila, sem dúvida não. E lhe digo, como quem já confunde autor com criatura, mas eu lhe prevejo um futuro brilhante. E assim nos despedimos.

    lila  O Prazer do Texto

    francisco bosco - flip

  • FLIP 2013: Mulher não faz literatura

    FLIP 2013: Mulher não faz literatura

    Lila Azam Zanganeh

    De pais iranianos, nascida em Paris, formada na École Normale Supérieure aos vinte anos, professora de Harvard aos vinte e quatro. Fala cinco línguas, uma delas, a brasileira. Mas nada foi suficiente. Lila Azam Zanganeh tornou-se a musa da FLIP pela beleza franco-iraniana.

    Fossem Lydia Davis e Maria Bethania mais novas, talvez houvesse concorrência. Quem sabe enquete na televisão para escolher a mulher que mais se adequasse a um padrão de beleza que lhe conferiria este importante título.

    Enquanto, ao meu lado, um grupo de garotas comenta sobre Francisco Bosco, parceiro de Lila no debate: bonitinho, dizem. Mas nenhuma nota de imprensa até agora conferiu ao ensaísta o título de mais belo homem do evento.

    E na literatura, exposta quase à margem da página, vive a mulher. Em séculos passados, escritoras utilizavam-se de pseudônimos masculinos para publicarem seus livros. Inconcebível uma mulher capaz de produzir narrativas. Dizem até mesmo que Vladimir Nabokov não simpatizava com suas tradutoras.

    Recordo-me de Cecília Meireles em seu poema Motivo, afirmando: sou poeta, contra a regra normativa de gênero que transforma poeta, no feminino, em poetiza. Esse sufixo que parece menor, rebaixado, precário diante do poeta, grande realizador.

    Perdoem-me o linguajar, mas Cecília tinha culhões. Em um pequeno verso, composto por duas palavras, equipara-se a todos os poetas, rindo deste disparate arbitrário que parece inferiorizar as poetas, indignas de estarem no mesmo panteão que eles.

    Mas a poesia de Cecília, nem a carreira bem-sucedida de Lila e sua precisão ao escrever sobre Vladimir Nabokov tem importância. Vale o sorriso amplo que revela dentes bem cuidados. Olhos observadores e o rosto simétrico destacado pela maquiagem bem realizada. Fatores suficientes para produzir belas fotografias.

    E torna-se fatal: musa. Sem tirar, nem por: musa. Deixam-se de lado a carreira, os estudos acadêmicos, a leitura atenta à obra de Nabokov, a composição dos ensaios críticos. Porque Lila Azam Zanganeh é uma mulher bonita.

    Nas páginas de seu livro O Encantador: Nabokov e a Felicidade vejo a escritora escorrer pelos cantos. Banida do reconhecimento. Exilada do panteão contemporâneo da crítica literária. Esperando desesperadamente perder a beleza para que se concentrem no cerne da questão: seu exímio trabalho premiado ao biografar Vladimir Nabokov. Enquanto isso, ela acena, sorri com os aplausos, sendo o bibelô de nossa imprensa.

    E a beleza de Francisco Bosco? Não importa. Ele é um escritor e temos de nos concentrar naquilo que ele produz.

    Enquanto isso, musa.