Peter Pan já faz parte do imaginário popular. O personagem de J. M. Barrie, criado para sua peça de teatro – que posteriormente se tornou um romance – há mais de 100 anos atrás teve inúmeras adaptações, seja para o cinema, teatro ou quadrinhos, contudo, talvez a mais notória delas seja a versão criada pela Disney, em 1953. Em 2003, o francês Régis Loisel decidiu dar sua contribuição para o clássico “infantil”.
Talvez para muitos seja difícil abordar questões originais ao revisitar um clássico como Peter Pan, e esse é o grande mérito deste álbum. Loisel compreende o cerne dos questionamentos da história que tem em mãos e não só consegue recontá-la de forma original, como também questiona e critica aspectos sociais abordados superficialmente em outras versões. Cabe ressaltar que a versão de Loisel é dedicada ao público adulto.
Loisel insere Peter numa Londres miserável, rodeado de orfãos, bêbados, estupradores e prostitutas. Peter tenta compensar seu mundo cinza e desesperançoso em algo fantasioso, como um conto de fadas. Suas frequentes humilhações o afastam dia-a-dia do mundo real, até que conhece uma fada, a quem Peter decide chamar de Sininho. A fadinha decide levá-lo à Terra do Nunca, uma ilha fantástica onde os habitantes desse lugar precisam de sua ajuda.
Loisel adapta e recria Peter Pan de forma cínica, mas extremamente real. Peter está longe de ser um personagem cativante ou um modelo que deveria ser seguido, pelo contrário, suas atitudes são altamente questionáveis, mas compreensíveis, se analisarmos a sociedade de que ele saiu. Peter definitivamente não quer crescer, mas não porque acha o mundo das crianças o lugar ideal. Peter apenas conhece a sujeira do mundo adulto e o quão baixo eles podem descer.
O autor entrega uma versão muito distante do conto de fadas da Disney. A Londres de Loisel é imunda, seu inverno é cruel, cinza e angustiante. Os moradores de Londres são figuras repulsivas para qualquer um de nós, quiçá para uma criança. A Terra do Nunca do autor está longe de ser um lugar seguro, porém é um excelente contraponto a Londres de Peter. O traço e o trabalho de cores do autor é incrivelmente expressivo e de encher os olhos a cada página, te colocando próximo daquele mundo e daqueles personagens. A narrativa gráfica é ágil, utilizando cada enquadramento em prol da história. Impressionante o nível de detalhes na arte de Loisel. Um deleite visual.
Peter Pan, de Loisel, está entre as melhores publicações do ano, e mostra de forma chocante quão cruel e prejudicial o mundo adulto pode se tornar para uma criança.