O terceiro longa-metragem de Jeff Nichols começa utilizando a infância como alegoria para o início da existência, mas sem poupar o público, pois a mocidade é retratada sem muitas fantasias ou idealizações. A crise, os amores e relacionamentos mal resolvidos resvalam nos pequenos protagonistas, Ellis (Tye Sheridan) e Neck (Jacob Loflan) – e os influenciam negativamente na puberdade de ambos. O inferno astral a que Ellis é submetido o deixa anestesiado e carente, e por isso ele não estranha a presença de um elemento desconhecido nas redondezas de sua pequena cidade.
A casa de Galen (Michael Shannon, mais uma vez em um filme de Nichols), tio de Neck, é a representação visual da decadência típica da cidadezinha: um lugar sujo, imoral, hostil, e pervertido. Até o sexo, que poderia ser algo belo, é tratado de forma degradante, sem o mínimo de romantismo ou tato. Os habitantes do lugarejo parecem parados no tempo, estacionados no pior momento de suas vidas.
O anti-herói, personificado por Matthew McConaugh, está foragido e utiliza a floresta como esconderijo, onde se encontra com a atenção máxima em tempo integral. O único auxilio e as únicas mãos amigas que encontra, até então, partem dos dois meninos. Mesmo sem conhecê-lo, Ellis se doa inteiramente para que o enlameado Mud fique o mais confortável possível – a procura do infante é por alguém do mundo adulto que não o fira sempre que houver uma tentativa de aproximação de sua parte. As tonalidades escolhidas por Nichols para retratar os locais comuns ao menino sintetizam suas sensações: enquanto que em sua casa, o local incômodo, predominam as cores marrom e cinza, as cenas na floresta onde ele está com o seu igual são vivas, prevalecendo o verde e o amarelado da blusa do novo amigo.
O modo como Mud pensa e desenvolve sua vida demonstra que ele não tem todas as propriedades de raciocínio típicas de um adulto. Apesar de não possuir a inocência dos meninos, seu discernimento é igualmente imaturo e inconsequente, e este é o motivo que o faz se identificar tanto com eles, pois ambos carecem de uma segura figura paterna – o presente do fugitivo poderá vir a ser o futuro do jovem rapaz.
O ancião Tom, interpretado por Sam Shepard, é uma das poucas vozes lúcidas perto do personagem-título. Suas palavras evidenciam o quão imprudentes e levianas são as motivações de seu antigo protegido, e ao receber a verdade, Ellis nega tudo, como sua contraparte mais velha faz. Mud não consegue mudar, somente se enreda no círculo vicioso em que está. Sua decepção com a rejeição coincidentemente ocorre em paralelo com a bronca do pai em Ellis, e ambos se mostram como excluídos dos sentimentos e relações que tanto apreciavam. A aproximação dos dois serve como uma simbiose.
Juniper (Reese Witherspoon), a antiga namorada do protagonista, é a representação da covardia humana e da falta de coragem para arcar com os desejos do coração, não só para o homem, mas também para Ellis. O menino se decepciona com tantas rejeições e culpa a si mesmo – no caso, a contraparte do que poderia vir a ser: Mud. Na fuga que tenta fazer de si mesmo, o anti-herói cai num covil de serpentes, onde é envenenado, numa simbologia clara à inexorabilidade do enfrentamento de seus próprios problemas. Fugir, no caso, é a pior das soluções. Ao ver o menino em apuros, o personagem principal larga o arquétipo anti-heroico e veste a capa do clássico salvador. Mal pensando em si, corre para acudir o amigo e se torna visível para aqueles que o procuram, mas, dessa vez, não se preocupa em ser finalmente pego.
Após todas as reviravoltas, Ellis vê a chance de mudar sua vida. O rapaz, que antes temia o divórcio dos pais, se vê nesta situação e parece não ter mais receio da nova condição. Assim como Mud, ele resolve deixar os medos e o passado de lado para finalmente evoluir e viver a própria vida, ainda que as agruras e os erros futuros estejam garantidos.
Amor Bandido é um filme sobre deslocamento, sobre a tentativa de encontrar um lugar no mundo. Mensagens presentes também em Shotgun Stories e O Abrigo do mesmo Jeff Nichols, mas que em momento algum são repetitivas, em razão da ótima forma de abordar as necessidades humanas com a qual o realizador exerce em seus roteiros autorais.