Antes de qualquer coisa, é fato indiscutível que existem muitos problemas nas produções audiovisuais feitas para a televisão. O principal deles claramente é o uso constante das mesmas fórmulas, subestimando a inteligência do espectador. O meu argumento é o seguinte: esse problema não pode ser associado exclusivamente ao formato ou as fórmulas em si, e sim a maneira como são utilizadas. Quando se coloca o assunto em análise, podemos ver que as fórmulas são produto da observação dos padrões de comportamento dentro de uma determinada classe de pessoas, ou seja, do que existe de comum na interação delas com o ambiente em que vivem.
Dessa forma as séries de TV contam histórias com as quais muitas pessoas podem se identificar, por incluirem personagens e situações análogas aos que ela vêem, vivenciam ou idealizam em suas próprias vidas. O poder delas está concentrado nesse ponto, como no caso das novelas, pois praticamente todas as pessoas sentem fascínio em ver pedaços de si mesmas dentro de contextos estrangeiros. Mas as novelas são um caso particular. O assunto TV Aberta brasileira está em um patamar diferente, um tanto mais profundo do que uma simples questão de qualidade. Nesse argumento, quero falar sobre o conteúdo da TV Paga.
O cenário é lastimável: Reality Shows se proliferaram e as séries de ficção estão em baixa. Os formatos mais batidos e aparentemente mais lucrativos, como os policiais, adolescente-conservadores e comédias de situação absolutamente ultrapassadas e repetitivas inundam toda a grade, produzindo um entretenimento vazio e condicionando o público a ter um senso crítico pobre. Não precisa ser assim, e nem sempre é assim. Em uma comédia de TV, as situações podem ser apresentadas de maneira inteligente e analisadas racionalmente, levando o espectador a reflexões construtivas sobre si mesmo e a sociedade em que vive. Tudo depende da construção dos personagens e da qualidade do roteiro. Um dos pontos mais importantes é o bom humor, e acima de tudo, saber fazer comédia com qualidade. O que a maioria das pessoas procura em programas da TV geralmente é o escape, algo que as faça relaxar e se libertar da tensão da rotina. Isso não quer dizer que elas procurem por entretenimento vazio, estúpido e sem significado. Eu pessoalmente só vejo qualidade no humor que desafia, quebra parâmetros e/ou distorce valores morais em prol da liberdade do pensamento. Temos muitos exemplos de grandes mentes no stand-up comedy, como George Carlin, Bill Hicks e o próprio Woody Allen, que conseguiu expressar mesmo na linguagem do Cinema o seu peculiar senso de humor cotidiano. É dentro dessa vertente que chego à recomendação que quero fazer ao meu caro leitor.
Community – A Salvação
Metalinguagem. Metahumor. Algo como “piadas sobre piadas”, ou o sarro tirado às próprias custas. Essa é a estratégia principal de Community, uma proposta honesta baseada no princípio de que nós não precisamos ser anestesiados, e sim incitados. Eu não vou fazer sinopse ou resenha sobre a série, porque considero bem melhor a forma como ela própria se apresenta ao espectador. Eu não preciso dizer que envolve um grupo de pessoas muito diferentes entre si que interagem em um contexto comum. Clássico. O seu principal diferencial está em um dos personagens: Abed Nadir. Abed é um excêntrico palestino-americano viciado em cultura pop que serve como uma conexão entre o público e os personagens. Em vez de “derrubar a quarta parede”, ele simplesmente abre uma “janela” para o espectador ao fazer constantes análises dos acontecimentos ao seu redor como se a sua “realidade” de fato fizesse parte de um seriado da TV, permitindo assim que possamos estar perfeitamente cientes das mensagens e ideias que serão transmitidas em cada episódio. Em referência a Platão, pode-se comparar o universo da série ao conceito do Mundo das Ideias: uma análise idealizada da realidade em contextos sociais e das características recorrentes de um mundo concreto.
A série também evita cair na mesmice experimentando continuamente com diversos formatos através de paródias em investidas ousadas e inusitadas. A rapidez, acidez e sofisticação do humor no roteiro permitem que o politicamente incorreto e o contra-cultural tenham o seu devido espaço, promovendo o desvirtuamento de conceitos conservadores, uma das mais valiosas ferramentas para se exercitar a consciência de mundo e fugir do condicionamento geral por parte da propaganda que reina em toda a grande mídia. Não se deixe enganar: é sim possível rir e refletir ao mesmo tempo. Community está aí para quem quiser experimentar, e mesmo aqueles que não costumam assistir seriados podem abrir essa exceção.
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Texto de autoria de Thiago Debiazi.
Melhor comédia da atualidade.
Foi muito bom vcs terem feito essa postagem depois de gravar um podcast onde alguns falaram mal da série. Isso deixa claro que o blog não tem uma posição única sobre determinado assuntos e sim várias ramificações. Diferente da grande massa.
Parabéns mais uma vez.
Não costumo comentar aqui no Vortex pois tenho o costume de ler o blog quando estou no ônibus, a caminho do trabalho e sempre esqueço de dar um pulinho aqui mais tarde para comentar. Mas dessa vez eu fiz questão de voltar e parabenizar pelo ótimo texto.
Não sei se foi a revolta por ter lido recentemente um texto no qual simplesmente ignoram toda a genialidade por trás dos episódios de Community, mas adorei essa Review!
Community pode não ter a melhor audiência, ser constantemente ignorada pelas grandes premiações e não receber a merecida atenção, mas é foda que é uma das melhores produções da tv norte americana. Ela não precisa de catchphrases, humor físico e personagens enlatados para se destacar. Seu forte está na metalinguagem, ou como você mesmo disse, no metahumor.
Tirando alguns deslizes aqui e ali (como por exemplo a destruição do Señor Chang), acredito que trata-se da produção mais sólida e estável das séries que estão no ar.
Por mais que adoraria passar anos conferindo a série, as vezes me pego rezando por um cancelamento. Dessa forma, ela teria uma história impecável, com uma qualidade memorável, igual sua irmã de casa Studio 60 (uma das melhores séries que já vi).
Mais uma vez, ótimo texto!
Parabéns pelo Review Thiago, muito bom.
Acho essa serie sensacional, diálogos inteligentes, parodias no ponto certo. Já tentei assistir varias comedias mas nunca me apeguei a elas, community foi uma uma grata surpresa.
Recentemente falaram sobre ela bem superficialmente no podcast e pelo fato de não terem visto a serie falaram mal, como se fosse mais uma comedia entediante e repleta de cliches, o que é um grande equivoco.
Enfim, parabéns pelo texto, digno da serie.
Ok, para um review essa postagem está muito filosófica e teórica. Não que eu desgoste, mas quando alguém lê a palavra review, provavelmente está esperando um texto que lá leva-lo a querer ver a série.
Infelizmente a postagem está indo contra o principal conceito do próprio Community, que é abordar assuntos “teoricamente importantes” de uma forma completamente distorcida e engraçada.
Sou fã da série e daqueles tipos freaks que decora episódios e faz analises críticas até sobre o fato do Jeff não ter trocado de celular entre as temporadas.
A grande questão é que Community é bom por ter alto valor intelectual e ainda soar como coisa de retardado.