“No mundo de Etérnia, bem distante daqui / Na luta pela paz um guardião vai surgir…” Quem foi criança nos anos 80 cantava essa música do grupo infantil Trem da Alegria quase que como hino nacional ou religioso. Afinal, todos os dias, no saudoso Xou da Xuxa, víamos o Príncipe Adam levantar sua espada e invocar os “poderes de Grayskull“, para se transformar no poderoso campeão da justiça conhecido como He-Man e chutar a bunda de uns caras malvados!
A série da Filmation tinha uma premissa muito simples: um grupo de heróis que defendia o Castelo de Grayskull das investidas de um grupo de vilões liderado pelo temível Esqueleto, um feiticeiro cruel com cara de caveira que queria derrotar He-Man e sua turminha por motivos de… Bem, na verdade a gente nunca se importava muito com os motivos. O que sempre importava era que Adam vencia no final e nos passava valorosas lições sobre a vida.
O desenho era, na verdade, uma grande propaganda da linha de brinquedos surgida antes e tinha até mesmo uma premissa diferente. Aos poucos, a linha de brinquedos foi se inteirando com a animação e outras mídias foram se adaptando a ela. Além de alguns esquecíveis jogos de videogame e do sofrível filme live-action de 1987, com Dolph Lundgren no papel principal, He-Man estrelou sua própria série de quadrinhos na Marvel, publicada no país em formatinho pela Editora Abril. Essa série, para atender à grande demanda, acabou recheada de produção nacional.
A série animada ganhou uma nova versão em 2002, que embora contasse basicamente a mesma história, atualizou para o novo século não só os traços e a animação, mas também a temática. Ali conhecemos um pouco a origem do Esqueleto, do Castelo de Grayskull e de outros elementos do cenário que, quase 20 anos antes, fizeram a cabeça da garotada. Mas a série não teve o retorno financeiro esperado e foi cancelada logo na primeira temporada.
Junto com a nova versão, surgiu também uma história em quadrinhos baseada nela. A nova casa dos campeões de Etérnia, após passar pela Marvel e pela DC, agora seria a Image Comics. A HQ se manteve fiel ao design de personagens do novo desenho animado, mas não teve longa duração e parou por aí mesmo. Agora, uma década depois, He-Man e os Mestres do Universo voltam para a DC Comics. E a nova (velha) casa não faz feio!
Nessa nova série em quadrinhos, temos uma história que se passa alguns anos depois da que estamos acostumados. Não fica muito claro se é uma continuação da série clássica ou de sua contraparte do começo deste século, mas isso não importa muito. O que importa é que todos os personagens oitentistas, que os mais saudosos conheciam e cresceram amando, estão lá, em versões que, embora bastante modernas, conseguem ser fiéis à essência de cada um deles.
A história começa bastante confusa e deixa o leitor meio que sem entender o que está se passando, mas isso tudo é proposital. Adam não tem nenhuma lembrança de seu tempo como príncipe de Etérnia e vive como um simples lenhador, numa cabana no meio da floresta. A princípio, o leitor pode até achar que se trata de uma “história de origem”, o que contraria totalmente tudo o que sabemos sobre o personagem, mas aos poucos o roteiro vai dando pistas do que realmente está acontecendo. Adam teve, na verdade, a mente apagada, e junto com o leitor vai desvendando o que aconteceu em seu passado recente.
Essa apreensão envolve o leitor de tal maneira que é praticamente impossível parar de ler. Isso porque, embora o personagem principal nada saiba sobre seu passado, os vilões que vão aparecendo gradualmente sabem! Eles parecem saber quem é Adam, e aos poucos vemos as novas versões de Aquático, Mandíbula, Homem-Fera e Maligna, além de seus aliados Teela e Mentor. Adam e Teela partem juntos em uma jornada que os leva a descobrir a verdade e relembrar seu passado progressivamente. E aí fica a parte perturbadora: de alguma forma, Esqueleto dominou Etérnia e manipulou a mente dos heróis. Após vários perigos, Adam finalmente encontra sua espada e diz as palavras mágicas “Pelos poderes de Grayskull: EU TENHO A FORÇA!” e se transforma em He-Man para finalmente lutar contra o Esqueleto – aqui cabe ressaltar: é simplesmente impossível ler as palavras entre aspas da frase anterior sem ouvir, em sua mente, a voz inesquecível de Garcia Júnior, dublador do He-Man da série dos anos 80! Aliás, não só a voz do personagem como a do Esqueleto também nos vem à mente a cada balão de diálogo do vilão.
Se há algo que poderia frustar o leitor é a transformação tardia de Adam em He-Man. Em uma história de sete partes, a espada só é levantada no final da penúltima, o que nos deixa com vontade de ver um pouco mais. Principalmente quando a espada aparece cheia de sangue, o que significa que algumas gargantas foram cortadas e que essa série não é tão ingênua quanto o desenho. Embora pouco nos tenha sido revelado, dá pra imaginar algumas coisas e esperar pelo desenvolvimento da história, principalmente devido a algumas dicas que os personagens nos revelam ao longo da trama (o destino do Gorpo, por exemplo, parece ser um ponto-chave, embora tenha sido citado apenas em um ou dois quadrinhos).
A arte reveza entre momentos espetaculares e outros apenas O.K., mas não chega a ser ruim. Talvez a pouca roupa de Teela tenha sido um exagero, até porque não acredito que fan service seja algo necessário numa série como essa. E a tradução da Panini respeitou os fãs antigos da série ao manter os nomes dos personagens do jeito que nos acostumamos a ela – na série de 2002, a dublagem manteve todos os nomes no original, o que causou estranheza, pois falar Skeletor ou Man-At-Arms não nos soava muito natural. Apenas um pontinho negativo: por mais de uma vez, a palavra “mais” foi utilizada no lugar de “mas”. Parece bobagem para quem está acostumado a ler tantas atrocidades na internet, mas tais erros em uma publicação como essa causam certo incômodo e necessitam de atenção.
He-Man e os Mestres do Universo tem potencial para ser uma ótima série se a Panini continuar sua publicação no Brasil. Se continuar dessa forma, talvez o crossover com a Liga da Justiça não pareça algo tão absurdo assim, e podemos ter a certeza de diversão garantida por um bom tempo! E talvez, como na continuação da música do primeiro parágrafo, “unidos venceremos a semente do Mal” (La-la-la-la-la-la-la-la-la-la: HE-MAN!).