O primeiro destaque que chama a atenção em O Demonologista foi o design do livro. A editora Darkside Books teve um cuidado absurdo em sua apresentação: a capa que simula uma encadernação artesanal que sofreu a exposição ao tempo, as folhas de rosto e páginas de ilustração, tudo aquilo me encheu os olhos no primeiro contato e foi se tornando melhor a partir do momento em que percebi que havia um diálogo estreito com a história a ser contada. Na trama de Andrew Pyper, O protagonista David Ullman denomina a si mesmo como o homem dos livros velhos. Especialista em mitologia cristã, ele leciona literatura na Universidade de Colúmbia e passa horas debruçado sobre O Paraíso Perdido de John Milton.
Logo de início fica evidente que o momento em que se passa a história não é um recorte qualquer de sua vida, mas simplesmente a pior crise que já enfrentou. Dono de uma natureza inegavelmente prática, David tem que enfrentar a ruína de seu casamento, as dificuldades em relação à filha adolescente e a morte iminente de sua melhor amiga. A personagem não se sente confortável na própria pele. Um cético que se entrega a encontrar a lógica em narrativas de fé, um homem prático defendendo ideários românticos, alguém amargurado e deprimido que não quer aceitar a derrota em seus relacionamentos mais significativos.
O terror intensamente presente no livro é representado enfocando um homem que perde tudo o que lhe é caro, inclusive sua mente, do que na figuras de demônios capazes das maiores proezas. Nem por um segundo acreditei que o protagonista estivesse mesmo em contato com estas forças ocultas, e me perguntei várias vezes se essa leitura da obra se devesse apenas por eu ser extremamente cética. De qualquer forma, a sutileza de Pyper parece privilegiar essa interpretação mais realista da história de Ulmman, o demonologista do título.
Mas não se engane: dizer que o autor é sutil não significa que você não vá temer e ter calafrios. Embora não tenha desenvolvido medo repentino dos caminhos escuros, os recônditos de minha mente nunca me pareceram tão assustadores. Com a elegância de um musicista, o autor faz de cada capítulo mais sombrio e perturbador, explorando os medos mais elementares: ser traído, ficar sozinho, não conseguir se conectar com quem lhe é caro, perder as mais duras convicções. Os terrores diante da inevitabilidade da morte, da ameaça constante da loucura, da força inesperada de uma decepção, são dignos demônios que fazem dessa narrativa tão impactante. Outro diferencial da narrativa são os momentos de grande emoção. Foi uma surpresa me conectar tanto com os personagens de uma narrativa de terror a ponto de chorar com eles constantemente.
Apesar de O Demonologista ser o primeiro livro publicado no Brasil, Pyper já lançou seis livros, entre eles o aclamado Lost Girls (1999), vencedor do Arthur Ellis Award e The Killing Circle (2008), eleito o melhor romance policial do ano pelo New York Times. Três romances de Pyper tiveram seus direitos vendidos para adaptação no cinema, inclusive esta obra, que deve chegar ao cinema com a direção de Robert Zemeckis, responsável pela trilogia De Volta Para o Futuro, o que me faz ter esperança que logo veremos mais publicações do autor no Brasil.
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Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.