Lançado pela Globo Livros em agosto do ano passado, no selo Globo Alt, O Filho Dourado, de Pierce Brown, é a segunda parte da trilogia Red Rising, lançado pela editora após o primeiro volume, Fúria Vermelha, em 2014.
Se no primeiro romance, Darrow estava se preparando para uma batalha futura, aprendendo sobre estratégia na Academia em Agea e enfrentando o medo de ser descoberto, em O Filho Dourado a personagem já está totalmente aculturada entre os Ouros, com um alto cargo de Pretor na família Augustus e colecionando sucessos na Escola de Guerra, enquanto ostenta a cicatriz de um Inigualável Maculado.
Tudo é muito grandioso, as simulações de batalha espacial, os ambientes em que ele habita e sua rixa com a família de Cassius au Belona. Darrow não está mais se preparando para ser um guerreiro; ele é um guerreiro. Porém, há mais que sangue e vísceras em seu caminho. Ares e Dancer, os líderes da revolta que almeja destruir todo o modo de vida dessa sociedade dividida em cores, se calaram desde que Darrow saiu da academia, sem saber mais que diretrizes seguir após ter sobrevivido até então. Como se não bastasse a solidão de sua vida cheia de segredos, uma nova facção dos Filhos de Ares está realizando atentados terroristas e o faz questionar sua missão.
Seus mais caros amigos estão em cantos longínquos do sistema, e seus inimigos perto demais. Virgínia (Mustang) não entende por que alguém que questionou a ordem social dentro da academia se aliou justamente a seu pai, o Governador de Marte, Nero au Augustus. O governador Nero é um símbolo de tudo o que Darrow questionou em seus tempos de academia. Agora que ganhou a sua marca de Inigualável Maculado, tornar-se Pretor de Augustus não parece o correto a fazer, mas para minar a sociedade por dentro Darrow necessita conquistar um lugar de destaque.
Assim como no livro anterior, a narrativa tem grandes cenas de ação e momentos mais reflexivos, e é nestes momentos que o autor alcança sua excelência. Cada um dos personagens com mais destaque tem um discurso de impacto sobre a sociedade, todos coerentes com suas trajetórias e capazes de gerar reflexão no leitor sobre a realidade. Após participar de um desfile da vitória, Darrow nos presenteia com a seguinte reflexão: Tradição é a coroa do tirano. Olho todos os Ouros com seus distintivos e sinetes e estandartes, tudo isso sendo usado para legitimar um reinado corrupto e para alienar o povo. Para fazê-los sentir que assistem a um cortejo além da compreensão deles.
O autor nos apresenta mais divisões e sub-divisões das castas representadas por cores, fazendo com que a sociedade retratada naquele universo se torne cada vez mais complexa. No livro anterior ficamos familiarizados com a estratégia de dominação utilizada para subjugar os vermelhos: competição interna e a promessa de que o seu sacrifício os fazia pioneiros na transformação de um planeta. Em O Filho Dourado conhecemos mais a fundo algumas castas e a estratégica de dominação utilizada com elas, entre as mais expressivas os azuis e os Obsidianos.
Os Azuis são criados no que o protagonista chama de uma “seita que louva a racionalidade”. São cientistas com áreas de estudo tão específicas que se perdem em cálculos de probabilidades e estatísticas, e não parecem capazes de enxergar a sociedade e a maneira como são subjugados aos Ouros. Sem dúvida, uma crítica à formação que prioriza as Ciências Exatas em detrimento de qualquer reflexão social.
Os Obsidianos são os soldados altamente especializados. Para controlar sua enorme força subjugada, os Ouros os isolaram nos pólos oferecendo-lhes uma vida de privações e uma religião que os proibia de pegar em armas contra eles, considerados deidades. Em contraste com os cientistas Azuis, que foram alienados com a estrita crença nas ciências e com uma vida confortável, os Obsidianos foram alienados em misticismo e miséria.
Pierce Brown nos confunde um pouco ao descrever suas cenas de ação, porém as reflexões que o livro propõe são acertadas, e seus personagens são tão carismáticos que qualquer demérito do autor fica eclipsado pelo sucesso de nos envolver irremediavelmente na história que entrega.
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Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.