The Get Down é uma série de duplo protagonismo, mas a segunda parte desta é dedicada claramente a ascensão de Mylene Cruz (Herizen F. Guardiola) ao patamar de possível diva, muito mais do que o curso da jornada de Ezekiel ‘Books’ Figuero (Justice Smith) e seus Get Down Brothers. Como foi com a primeira parte da temporada, novamente o ato começa morno, O tomo dois tem altos e baixos e ligeiramente inferior a sua parte um, graças principalmente ao acréscimo de uma animação mal executada, que por sua vez, representa as partes mais lúdicas do seriado.
No entanto, ouso extensivo das partes desenhadas não torna o programa em algo desprezível, especialmente pela construção em volta de Zeke e pelos confrontos que tem com Shaolin Fantastic (Shameik Moore), no ponto de vista ideológico. Essa dualidade faz um comentário muito inteligente com outros produtos de temática semelhante, em especial Faça a Coisa Certa, de Spike Lee e Os Donos da Rua de John Singleton, mostrando que a luta da juventude negra era por se desassociar da vida de gangster, da rotina do tráfico de drogas e da marginalidade comum.
Para os membros da geração anterior, a música executada pelos meninos se confundia com o dia a dia dos criminosos e com o uso indiscriminado de drogas. Em meio aos anos setenta, onde a guerra contra os entorpecentes era financiada por governos extremamente conservadores. Apesar de não verbalizar, a versão de Books nos anos noventa – interpretada por Daveed Diggs – claramente julga diferente a questão que na sua juventude o fez entrar em rota de colisão com Shaolin, não que isso justificasse a comercialização de drogas, mas aos poucos o personagem enxerga a realidade que o envolveu durante a infância e adolescência e o quão desesperador era para um homem negro já adulto, mas tradicionalmente desamparado, sobreviver tendo ao seu lado o caminho do tráfico.
O ponto de virada na trajetória de Mylene ocorre em Gamble Everything, quarto episódio, onde a garota finalmente decide ir na direção contrária ao seu pai Ramon Cruz (Giancarlo Esposito), finalmente ignorando suas normas conservadoras e reacionárias, que por sua vez, acabam sendo o catalisador da pausa que quase ocorre na sua ascensão musical. Ruby Coin é descrita como um antro de sexualidade e de uso livro de drogas e entorpecentes, ainda que seja bem diferente dos becos onde os Get Down Brothers normalmente se apresentam, já que a diversidade sexual lá é completamente diferente dos outros universos estabelecidos na série. Essa é só mais uma demonstração de que a cena gay já estava a frente do seu tempo mesmo em meio aos anos setenta, e essa função na série é ótima por ajudar a quebrar paradigmas, especialmente porque toda a sequência da dança de Mylene e Regina (Shirley Rodriguez) poderia se passar perfeitamente em 2016 ou 17, que são os anos da produção desta temporada.
A boate Ruby Coin é o maior dos ritos de passagem para a protagonista, primeiro por ela ter que superar a perda de Yolanda (Stefanée Martin) como sua parceira de dança e performance, depois por se ver competindo com Misty Holloway (Renée Elise Goldsberry), a diva da geração anterior que mistura elementos de várias cantoras ícones da época – sendo inclusive a imagem e semelhança física de Diana Ross – além evidentemente de ser encarada por seu repressor pai. Um a um os desafios são vencidos e ela se prova madura e adulta o suficiente para se entregar como possível musa da cena musical e cinematográfica.
Talvez o maior defeito de Get Down seja o apelo as péssimas animações que lembram os piores momentos do Adult Swin. A ideia de cortar orçamento soa boba e infantil na maior parte das vezes, quebrando a aura mágica dos episódios sempre que ocorrem sequências com os bonecos (des)animados. Os produtores certamente optaram por isto para encurtar custos, sendo isso uma mostra do quão difícil é realizar a série, temendo-se até que esta tenha o mesmo fim precoce de Marco Polo. De certa forma, cresce um desejo por parte do público de que não haja continuações sobre esta, mesmo que o destino dos personagens não esteja totalmente findado.
Outra subtrama bem explorada a de Shaolin Fantastic, que finalmente se entrega ao arquétipo de herói falido, tendo uma queda em seu plano de viver da música e não mais do tráfico para abrir mão de tudo através da vaidade que lhe acomete. A possível retirada dele do disco que estaria para ser gravado o faz ser rude com Fat Annie (Lillias White), sofrendo assim represália dela, seus capangas e de seu filho Cadillac (Yahya Abdul-Mateen II). No confronto ali estabelecido há também um embate ideológico e que se torna caro por se assemelhar a mais um ato de ópera, fato que também está presente na atitude egocêntrica de Ramon Cruz, que em seus últimos atos, faz questão de gravar uma mensagem para a posteridade,
O caráter de fantasia e magia se fortifica no ultimo episodio, Only from Exile Can We Come Home, especialmente na bifurcação entre a epifania pós luto de Mylene e a perseguição a Shaolin e seus comparas. No núcleo de Ezekiel, há um embate fantástico dos MCS, Djs e B-boys com os capangas do homem da Disco visto em Cadillac. Em alguns momentos, os discursos soam um pouco infantis, valorizando o aspecto idealizado das letras de Rap, mas tudo isso é passável, uma vez que o objetivo é mostrar o lado idealizado da filosofia que se tornaria o hip-hop. Por sua vez, Mylene busca seu lugar ao sol de maneira sóbria e bem adulta. Mesmo os momentos de despedida são econômicos em melodrama, mérito esse enorme do diretor Ed Bianchi que consegue equilibrar mesmo os momentos morosos (os animados especialmente), exaltando ainda mais as inspirações e aspirações dos personagens, fazendo dessa temporada agora findada um belo exemplar de ópera rap, contabilizando bem tragédias, sacrifícios e ideais, levando em conta também a identidade de classe e cor de seus heróis, bandidos e coadjuvantes.
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