No longínquo ano de 1999, quando comecei minha graduação em História, me deparei com um conceito que usaria durante muito tempo: indústria cultural. Nele, entre outras coisas, é discutida a obra de arte em uma época de fácil reprodução técnica e de modelo de produção em larga escala. Em outras palavras, a crítica é que se perdia o sentido da arte em prol de um sentido de mercado, mais padronizado e artificial. O Soldador Subaquático, de Jeff Lemire, ainda que se trate de uma produção visando o mercado, tem pouco ou quase nada de um padrão imposto ou encaixotada dentro de modelos mercadológicos claros, como podemos ver em gibis de heróis. Trata-se aqui de uma história calcada em relações sociais cotidianas e a forma como as pessoas lidam com as pressões e sentimentos que pertencem a todos.
A história deveria ser apresentada para todos aqueles que ainda insistem em dizer que gibi é coisa apenas para criança, com um enredo de proposta aparentemente simples, mas com uma profundidade temática absurda e capaz de explorar muitos e variados sentimentos muito comuns para quase todos nós. O enredo é bem claro: Jack, um soldador subaquático, prestes a ter um filho tem que enfrentar a insegurança e temores de se tornar pai ao mesmo tempo que revive e tem de resolver os problemas deixados da sua própria relação com o seu pai. A partir daí, o autor dá uma verdadeira aula de como abordar esses temas de forma bastante criativa e fugindo das maneiras convencionais de elaborar uma história em quadrinhos.
Toda a história gira em torno da forma como Jack, o protagonista se relaciona com a figura do pai, que representa uma memória de ausência e de um certo vazio, com a de seu vindouro filho, que faz com que ele se coloque no papel de pai e nas responsabilidades que isso implica.
Em uma narrativa que faz uso de flashbacks e até mesmo da criação de uma breve distopia em forma de delírio, Lemire nos conta a relação do protagonista com o pai e como adoração por parte do filho e a ausência em momentos cruciais pelo pai geraram uma estranha noção de amor mas com algo que faltava, uma incompletude. E, esse sentimento, que estava adormecido, surge no momento em Jack se tornará pai e ele terá que resolver o seu passado para compreender melhor o presente. Presente e passado se intercalam em vários momentos da trama, demonstrando a importância destas noções para qualquer tipo de relação.
A arte de Lemire, ainda que não agrade a todos, combina perfeitamente com as ideias e propostas apresentadas durante a trama, fazendo com que se tenha uma união muito interessante e viva, seja no tempo presente, como também durante o passado do personagem.
Outro importante fator a ser destacado é que Lemire produziu esse trabalho justamente quando estava para ser pai, ou seja, se trata um pouco das próprias angústias e anseios do autor, que nos são apresentados de forma bem transparentes. Enfim, ler O Soldador Subaquático é adentrar um pouco na mente do autor é conhecer um pouco mais sobre a pessoa e não apenas da obra.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.
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