Dom Frei Paulo Evaristo Arns, falecido em 2016 aos 95 anos, organizou essa obra de pesquisa extremamente elucidativa sobre a tortura na ditadura militar brasileira (1964-1985) e sua função corroborativa na manutenção do regime instaurado nesse período.
O Regime Militar Brasileiro, de acordo com a obra, iniciou sua caminhada ainda ao final da segunda guerra mundial, com a recente aproximação dos exércitos brasileiro e estadunidense. Essa aproximação rendeu além da mudança de estrutura galesa para a ianque no centro militar tupiniquim, uma mudança no pensamento de ordem e visão do inimigo externo, base do mundo bipolar que se instaurava, despontado mais intensamente durante a guerra da Coréia.
Essa estrutura militar foi entre outros fatores, politico e econômicos, a ponta de lança da situação que viria a se tornar os anos de chumbo. Somando esse fator à entrada de divisas e armas diretamente nas unidades federativas brasileiras, principalmente nos governos alinhados e vendo com bons olhos os amigos americanos do norte, bem como o inicio da propaganda comunista prepararam o canteiro para que dali 15 anos toda a democracia e liberdade fosse suprimida.
De acordo com os escritos essa parceria resultou na vinda de Daniel Mitrione, agente da CIA especializado em tortura. Esse especialista ensinou, utilizando mendigos, os agentes destinados a operar as agências de segurança interna como os futuros DOPS e DOI-CODI. Sendo um alerta em texto inicial do livro o fato de alguém torturar uma pessoa três ou quatro vezes passar a se “viciar” em tais atos, sendo o epílogo elucidativo no aspecto filosófico, apontando uma objetificação do torturado perante o carrasco. No desenrolar das páginas fica claro que o aspecto chocante dos relatos é na verdade secundário. O que a pesquisa prova é a ligação entre a tortura e a manutenção do regime.
Muitos dos que viveram e relatam hoje não reproduzem a visão de que essa época foi de trevas, muito pelo contrário, enaltecem os bons tempos do regime como de crescimento e melhora. Contudo, os números não mentem, como a superinflação e o arroxo salarial. Mas o que surpreende são discursos ouvidos hoje negacionistas quanto à tortura ou, pior, justificando-a como necessária, pois o Brasil estava afundado em grupos terroristas.
A obra compilada dessa pesquisa, a qual chega até nós apenas como vislumbre, pois está resumida no livro, expõe incontáveis casos de tortura aplicadas à pessoas que não tinham relação com a resistência, muito pelo contrário, muitas vezes eram apenas usadas para encobrir crimes praticados pelas forças de repressão e/ou como bodes expiatórios justificando perseguições à estudantes e religiosos. Esses certamente os que mais sofreram, pois os movimentos sindicais, políticos e do campesinato estavam praticamente anulado já antes da tomada do poder, durante alguns anos foram minados pelo crescente financiamento do Tio Sam nos estados brasileiros. A orquestra tocou em 1964 a marcha fúnebre, mas teve anos de ensaio para tudo sair perfeito no dia da apresentação.
Todos os políticos que defenderam reformas de base foram processados, muitos torturados apenas ao bel prazer, o medo instaurado mantinha uma superfície de ordem, mas ordem pelo medo. O regime não aceita criticas, trata tudo e todos como potenciais “subversivos”, para usar o termo da época.
Brasil nunca mais não trata apenas do passado, trata do que os homens são capazes de realizar, a inquisição instaurada no Brasil naquele momento não fez distinção à idade, sexo ou raça, atacou a todos com, inclusive para a época, ilegalidade. Atos contra a própria constituição vigente, incluindo a máxima jurídica in dubio pro reo, foram invertidas totalmente na cabeça de quem detinha o poder político, econômico e, sem sombra de dúvidas, militar.
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Texto de autoria de Róbison Santos.