Sem qualquer introdução ou explicação prévia, Relatos do Front, de Renato Martins começa mostrando pessoas comuns aguardando um tiroteio acabar. A parte lamentável desse registro é que ele poderia se passar na maioria esmagadora dos arredores das favelas do Rio de Janeiro, ou seja, o caráter da denúncia que é proposta no filme é universal.
O longa conta com entrevista de intelectuais, como o escritor Jesse Souza, a antropóloga Jacqueline Muniz, e André Batista, que colaborou com o roteiro de Tropa de Elite, e todos eles colaboram muito para o conteúdo final. Há uma fala, de Beto Chaves, atual inspetor da polícia bastante forte. Ele afirma que a carteira da polícia, para o agente da lei, é quase como um atestado de óbito ambulante, qualquer bandido que a veja simplesmente o assassina. Ele faz uma comparação de que o o treinamento para que se proteja as vidas da população não podem ser tranquilos, uma vez que eles tem que lidar com uma guerra urbana diária. Ele também diz que não é um capitão do mato moderno, mesmo que as favelas pareçam uma atualização dos quilombos. Para Chaves, o problema não é só da polícia, a violência com que agem os agentes da Lei é um reflexo da sociedade, já que todos os agentes provém desse mesmo meio social, e não de um lugar isolado.
A sucessão de poder no governo do estado do Rio de Janeiro foi sempre recrudescendo, se tornando mais violenta. Leonel Brizola tratava como questão de humanidade o combate a criminalidade, mas seus sucessores tinham e tem discursos agressivos contra o poder paralelo, e isso é mostrado numa montagem muito inteligente que reúne essas falas e denuncia a forma tacanha de pensar a segurança pública, oprimindo o pobre ao invés de ir atrás do que origina o tráfico.
Apesar da abordagem televisiva do longa, Relatos do Front é certeiro em tentar causar tanto comoção como reflexão sobre como o Rio de Janeiro chegou ao estado de guerra urbana, apontando dedos certeiros aos governantes que causaram o agravamento não só da guerra às drogas, mas também aos que assistiram de camarote o crescimento das milícias. Não se subestima a capacidade nem de pensar e nem de agir dos policiais, tampouco se demoniza ninguém. Essa opção de pontuar todas as complexidades desse cenário é muito bem exercido, abrindo ao público sua própria conclusão.
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