Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Um Filme Sérvio

    Crítica | Um Filme Sérvio

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    A primeira coisa que deve ser dita sobre Um Filme Sérvio – Terror Sem Limites (A Serbian Film, 2010) é que todos os comentários que vocês já leram a respeito das atrocidades do longa não são exagerados. Fui assisti-lo por ser apaixonado por cinema –  portanto gosto de ver filmes de todos os gêneros possíveis -, mas pela primeira vez em muito tempo fiquei surpreso.

    Se O Albergue, A Centopeia Humana ou até Anticristo foram suficientes para te deixar mal por uma semana, com certeza Um Filme Sérvio não é para você. Como já diriam os antigos anciãos: “A ignorância é uma bênção”. Nesse caso, é mesmo!

    O filme conta a história de Milos (Srđan Todorović, nem tente pronunciar o nome desse cara), um ator pornô aposentado que vive com mulher e filho de maneira aparentemente pacata. Milos está frustrado com sua situação, já que sente um pouco de saudades do seu antigo emprego, até que uma antiga colega lhe oferece uma oportunidade: a chance de fazer um trabalho único para um misterioso diretor de filmes pornôs. Sem saber o que poderia acontecer dali para frente, Milos aceita a proposta. Assim que as filmagens começam, o protagonista percebe que havia adentrado um universo de obscuridade de que não gostaria de estar participando, mas do qual já era tarde demais para sair.

    Já vi filmes perturbadores na minha vida, e com certeza este ganha com mérito uma cadeira ao lado de Irreversível, Saló – 120 dias de Sodoma, Guinea Pig – O Experimento do Demônio, Holocausto Canibal e Eraserhead. Cada um deles mostra os recônditos da escuridão da alma humana – cada um à sua maneira, seja psicologicamente, com violência gráfica ou de ambas as formas. Temos a oportunidade de, mais uma vez, entrar num universo no qual a única sensação é a do vazio e desgosto em pensar nas atrocidades que existem por aí.

    Pedofilia, necrofilia, violência elevada ao extremo, estupro e outras barbáries compõem o quadro. Uma atrás da outra, sem pausas. Até a metade do filme ficamos na dúvida sobre o que pode acontecer. A partir do momento em que somos surpreendidos pela primeira vez com um ato sexual violento, pensamos que não pode piorar; mas é só no final que podemos voltar a respirar normalmente. É um filme que segura a tensão para além dos créditos.

    Em uma entrevista, o diretor Srdjan Spasojevic disse que Um Filme Sérvio nada mais é do que uma crítica política e uma metáfora para a situação da Sérvia: o país está em colapso, as estruturas públicas estão indo por água abaixo e a violência está atingindo níveis absurdos. Estas questões são representadas pelos problemas dos personagens, pela representação da indústria pornográfica no gênero snuff (filmes pornôs que envolvem fetichismo e crimes) como uma estrutura governamental desproporcional, e de toda a violência como uma alegoria à situação em que vivem.

    A metáfora é um pouquinho exagerada, mas não deixa de ser uma crítica ao governo sérvio. Não sei se Spasojevic conseguiu o que queria, mas uma boa parte do mundo comentou o filme. O único problema é que essa crítica não é tão fácil de ser visualizada. A proposta do filme é atingir o extremo, e ele é bem sucedido nisso; as atuações, ambientações das filmagens e iluminação casam perfeitamente, criando uma forte angústia no espectador. A trilha sonora, composta essencialmente de batidas eletrônicas, é seca, fria e perturbadora. O filme inteiro é uma provocação aos nossos instintos.

    Como se não bastasse ser controverso, o longa criou ainda mais polêmica em diversos países onde seria exibido. No Brasil, o Ministério da Justiça classificou-o como não recomendado a menores de 18 anos, mas a avaliação demorou a ser alcançada. Um pedido da Procuradoria da República em Minas Gerais queria proibir a exibição (como aconteceu na Espanha e Reino Unido, por exemplo).

    É aqui que eu paro para fazer uma reflexão: tão repulsiva quanto as imagens do longa é a atitude de censura que vem tentando ser estabelecida para sua exibição no Brasil. Acredito veementemente que proibir nunca será a solução, principalmente porque estamos falando de um filme que certamente será baixado pela Internet pelos mais curiosos, sendo proibido ou não. Ser liberado e ter sua classificação etária reconhecida já é o suficiente para selecionar as pessoas que irão assisti-lo.

    Quando assisti Brüno, vi dezenas de pessoas se levantando no meio da sessão e indo embora. Deveria este ter a exibição proibida? É claro que não, já que isso é uma questão de escolha individual. O filme de Sacha Baron Cohen tinha classificação indicativa de 18 anos, e as pessoas estavam cientes do que poderiam ver quando fizessem a escolha de assisti-lo. Tenho certeza de que, apesar de repulsivo, muitas pessoas já tiveram a oportunidade de assistir a Um Filme Sérvio e o fizeram, em sua maioria, já sabendo o que poderiam esperar.

    Não acredito na censura – principalmente quando se trata de uma obra artística – pela simplória justificativa de que aquilo poderia afetar emocional e psicologicamente uma boa parte das pessoas que a ela teriam acesso. Isso vai contra a individualidade e a liberdade de cada pessoa.

    O filme consegue ser perturbador, doentio e chocante. A arte de fato pode ser levada ao extremo. Ela tem limites? Talvez não, e Um Filme Sérvio está aí para provar.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Fazendo uma analogia bem óbvia, assistir O Espetacular Homem-Aranha pode ser comparado facilmente à experiência de andar numa montanha russa. Não pelas grandes variações dentro da trama – uma vez que não há muitas, já que se trata de mais um filme de origem – mas muito mais pelos altos e baixos da qualidade do roteiro, com um equilíbrio assustador entre os dois lados. Primeiro, vamos aos melhores momentos.

    Logo de cara, é possível fazer uma afirmação: a escolha de Andrew Garfield para o papel de Peter Parker foi um acerto superlativo. Em sua interpretação, ele concede fragilidade e senso de humor em níveis bem mais profundos que Tobey Maguire, protagonista da trilogia anterior, que também já havia feito um bom trabalho. Os momentos nos quais são mostrados o peso da responsabilidade que acompanha os poderes recém-adquiridos são particulamente interessantes na interpretação de Garfield.

    Se por um lado as cenas de ação perderam o tom épico impressos pelo trabalho de direção de Sam Raimi nos três primeiros filmes – quem não se lembra do momento no qual Tobey Maguire para um trem usando o próprio corpo em Homem-Aranha 2? – , as mesmas agora são mais frenéticas e cortadas num ritmo mais acelerado.

    Isso não acontece por acaso. Como se sabe, esse novo filme mira num público bem mais jovem, menos interessado em planos longos e demorados e bem mais ávido por ação desenfreada.

    Sim, a ação está lá. Mas o diretor Mark Webb (500 Dias com Ela) não comete o erro de focar a história apenas nela, dando boa profundidade emocional a Peter Parker; seja por meio do enigma que envolve o desaparecimento de seus pais, seja na relação não necessariamente tranquila com seus tios Ben (Martin Sheen) e May (Sally Field), seja na dificuldade de aproximação com seu interesse romântico, Gwen Stacy (Emma Stone).

    Infelizmente o mesmo não acontece com a representação do doutor Curt Connors (Rhys Ifans), alter ego do vilão deste episódio, o Lagarto. As variações motivacionais dele parecem muito mais fruto de um personagem mal construído que de um trabalho mais rico de caracterização. O vai-e-vem de sua postura em relação a Peter Parker e às circunstâncias que o cercam fragilizam a sua presença.

    A situação se agrava quando o próprio Lagarto surge em cena. A aproximação visual aos movimentos do réptil que lhe concedeu os poderes é um ponto positivo da produção. Mas paramos por aí. O inimigo do Homem-Aranha aqui é retratado de forma civilizada, reflexiva e até mesmo excessivamente estratégica. Ele fala, raciocina e planeja, uma postura muito mais próxima a um Doutor Destino que à natureza original do personagem.

    O Lagarto é – ou deveria ser – uma máquina assassina e devastadora, exatamente como nos quadrinhos. Para os que não o conhecem, vale a pena procurar por Tormento, microssérie (apenas dois episódios) do Homem-Aranha escrita por Todd Mcfarlane lançada aqui no Brasil na primeira metade dos anos 1990 pela Editora Abril. Ali, o Lagarto aparece em toda a sua natureza bestial.

    Da maneira como foi retratado no filme, entretanto, o personagem provoca muito mais simpatia que horror.

    Há furos de roteiro graves. Um dos piores ocorre numa constrangedora e forçada cena que envolve guindastes, já próximo ao fim do filme. Nela, numa tentativa desesperada de mostrar a simpatia e agradecimento que alguns habitantes de Nova York começam a demonstrar pelo cabeça de teia, os roteiristas extrapolam todos os limites da suspensão de descrença em favor de um momento “edificante”.

    Avaliando friamente – como, aliás, toda crítica a uma obra deveria ser – fica evidente que Sam Raimi possui muito mais recursos como cineasta que Mark Webb. Este último faz um bom trabalho. Mas a mão para composição e enquadramento de Raimi está anos-luz à frente do novo diretor.

    E já que mencionamos os dois realizadores, chegamos a um ponto igualmente importante: é muito difícil – na verdade, quase impossível – assistir o novo filme sem compará-lo à série anterior. E isso ocorre por um motivo bastante óbvio: além de ter sido bem realizada (com exceção da dispensável terceira parte, de 2007), a primeira trilogia é muito recente e, sem dúvida, ainda está impressa nas mentes dos fãs. Até mesmo porque seus episódios são repetidos exaustivamente nos canais de TV por assinatura.

    Em última análise, O Espetacular Homem-Aranha funciona bem para o que se propõe: um reboot da série do aracnídeo no cinema. No entanto, ao fim do filme, fica a sensação de que o que poderia ter sido ótimo foi apenas bom.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Até Que a Luz Nos Leve

    Crítica | Até Que a Luz Nos Leve

    Até Que a Luz Nos Leve

    Incêndio de igrejas. Violência. Satanismo. Essas são apenas algumas das figuras negativas que são associadas a um gênero peculiar de música: o Black Metal. Trata-se de uma vertente do rock extremo que começou a mostrar suas caras a partir dos anos 80 e desde então gerou várias polêmicas ao longo dos anos. Até Que a Luz Nos Leve (Until The Light Takes Us– 2008) nos é trazido pelos diretores Aaron Aites e Audrey Ewell para, em tom de documentário, apresentar um pouco da realidade da cena deste gênero a partir da visão de músicos que fizeram parte da gênese do mesmo.

    Ao longo do filme, duas são as principais figuras que nos acompanham para apresentar as motivações, a história, as razões do que viria a ser a ideologia propagada pelo black metal norueguês: Gylve “Fenriz” Nagell (Darkthrone) e Varg “Count Grishnackh” Vikernes (Burzum).

    O cenário gélido da Noruega, país em que os precursores desse movimento foram criados, ilustra bem a forma de expressão fria e crua do estilo. Marcantes e envolventes são os momentos em que Fenriz caminha pela floresta silenciosamente, expressando subjetivamente a sua forma de fazer arte. Varg, por outro lado, é entrevistado na cadeia em que está preso. As versões dos fatos que fizeram surgir o movimento vão sendo apresentadas de maneira sincera e esclarecedora, justificando lucidamente os propósitos do estilo que foi criado.

    O black metal surge como forma de protesto. Uma força obscura que busca a autonomia cultural, a liberdade de expressão e de pensamento. Seus adeptos buscam reivindicar laços históricos e culturais negando o conformismo ideológico trazido pela globalização.

    Para atingir essa reivindicação, muitos deles praticaram assassinatos e queimaram igrejas. Varg foi o exemplo mais claro e famoso dos que foram acusados por tais crimes. Seu caso repercutiu na mídia quando, em 1993, assassinou Euronymous, seu colega e integrante da banda Mayhem. Ele alegou autodefesa, mas foi também condenado pelo incêndio de igrejas. A partir desse ponto, a imagem do black metal começou a ser rechaçada pela mídia.

    “Estava em todos os jornais e é aí que nós teríamos algo com o que nos preocupar”, diz Fenriz. “Cena Satânica” foi a divulgação descontrolada por parta da mídia, mesmo não tendo nenhuma relação com tal ideologia. O modo como o movimento foi dispersado fez com que tomasse um rumo completamente diferente do que seus “fundadores” queriam. A filosofia do círculo foi deixada de lado e novos e desvirtuados valores, foram criados. Uma nova figura fantasiosa havia surgido e assim se alastrou. Uma “marca” foi criada.

    Fica em extrema evidência que, no interior da mente desses músicos, o black metal não se trata apenas de um estilo musical, mas de uma filosofia. Não se trata de ganhar apenas dinheiro com álbuns e produtos, nem de fama ou reconhecimento. Trata-se de liberdade.

    Das palavras do próprio Varg: “Eu prefiro morrer lutando pelo que acredito a viver por qualquer outra causa.”

    Até Que a Luz Nos Leve é um documentário poderoso e muito interessante para todas as pessoas que são fãs dos diferentes gêneros do rock, e até mesmo para os curiosos que procuram entender fenômenos artísticos e culturais. Obscuro e intenso são duas palavras que ilustram bem a profundidade da arte proposta pelo black metal.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | A Vida dos Peixes

    Crítica | A Vida dos Peixes

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    “Está tarde. Preciso ir embora” é o que o personagem Andrés (Santiago Cabrera) diz assim que o filme se inicia. Nosso protagonista mora em Berlim a 10 anos e escreve para uma revista de turismo. Voltou ao Chile para resolver algumas pendências antes de se instalar definitivamente naquele país e resolve passar na festa de aniversário de um dos seus amigos de infância. Desde o momento que ele diz ir embora somos levados a nos aprofundarmos no cerne do passado do personagem e todos os sentimentos inerentes a ele.

    Caminhando pela casa vagarosamente, cada passo que Andrés dá com o intuito de ir embora daquele local é uma pontada de dor em seu coração, pois o reencontro leva à tona os sentimentos de nostalgia e saudade das boas lembranças do passado, os quais também estão relacionados com uma certa sensação de despedida, já que o passado apenas permanece nas lembranças.

    Nos momentos em que Andrés encontra sua antiga paixão Beatriz (Blanca Lewin) é quando os olhares e diálogos se tornam cada vez mais profundos. O personagem se depara questionando sua vida solitária e sem muitos laços que leva, sabendo que ainda ama Beatriz e pensa como teria sido se eles tivessem seguido uma vida juntos. O personagem trabalha tendo que pensar como um turista e acaba se tornando um na sua própria vida, pois acaba não sabendo lidar com seu passado que está diante dele. Tal qual peixes dentro de um aquário, todos acabam presos dentro de aquários que são formados pelas vidas que cada um construiu.

    Longe de ser um filme monótono, A Vida dos Peixes se trata de entrar em sintonia com sentimentos, que são muitíssimo bem transmitidos pelos atores do filme, cujos olhares são profundos e intimistas. Mérito também à forma como o filme foi conduzido pelo diretor Matías Bize e pelo seu roteiro, composto por diálogos sinceros e melancólicos juntamente compostos pelos quadros contemplativos que ressaltam apenas os rostos das pessoas e suas expressões. A trilha sonora combina perfeitamente com a atmosfera e não a deixa sobrecarregada demais.

    A Vida dos Peixes é apaixonante. Sua atmosfera é melancólica, cheia de silêncios, olhares e suspiros que dizem mais do que qualquer coisa que eu poderia dizer.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Fausto

    Crítica | Fausto

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    Aleksandr Sokurov é um cineasta difícil, seus filmes são poéticos, visuais, extremamente simbólicos e pouco, ou nada, narrativos. O diretor russo ficou conhecido em 2002 quando  A Arca Russa ganhou a Palma de Ouro em Cannes. O filme é um plano sequência de 97 minutos que passeia pelas diversas salas do museu Hermitage habitadas por personagens históricos e obras de arte, ao mesmo tempo palácio czarista e atração contemporânea.

    Fausto, seu filme mais recente e ganhador do Leão de Ouro em Veneza no ano passado, se apoia mais na narrativa tradicional. Trata-se de uma livre adaptação do clássico de Goethe, porém Sokurov coloca seu foco menos nas consequências do pacto com o diabo e mais no processo de sedução de Fausto.

    O filme é de uma beleza notável: as cores e a construção dos planos lembram quadros renascentistas ou barrocos, Margarida se parece com a Vênus de Boticelli e tudo tem uma atmosfera etérea, como se no fundo os acontecimentos não passassem de sonho ou delírio do protagonista.

    Ao mesmo tempo Fausto é um filme de contrastes. Sokurov constrói minunciosamente esse mundo entre a Idade Média e a Modernidade, opões ruas sujas e estreitas e florestas arejadas, os intestinos que vazam de um morto em uma autópsia à beleza angelical de Margarida, o jovem e atraente Fausto ao deformado diabo. É um mundo que conhece ciência e astronomia e avança na medicina, mas no qual ainda se acredita em demônios.

    Ao optar por fazer um filme sobre a sedução de Fausto, Sokurov moderniza o mito: esse filme não é sobre a ambição e descontrole do homem moderno (como o livro parece ser), mas sobre um homem com excesso de informação que busca por um sentido. Os diálogos são longos e carregados de referências filosóficas e indagações existenciais e ao final, Fausto não encontra qualquer resposta, mesmo quando deixa de buscar nos livros e  a procura no corpo de Margarida.

    O personagem não vende a alma quando assina o contrato, mas ao levantar a saia da moça e olhar, clandestinamente, por baixo dela. E é sobre isso o filme de Sokurov: a oposição entre intelecto e desejo, razão e crença, tudo aquilo que desejamos e pelo que nos deixamos corromper.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | 1984 – George Orwell

    Resenha | 1984 – George Orwell

    19841984 é um clássico, não só das distopias, mas da literatura mundial. O livro escrito por George Orwell em 1949 tornou-se quase sinônimo de sociedade totalitária, vigilância absoluta e controle do pensamento. O termo Big Brother foi repetido a exaustão, descontextualizado e hoje em dia é tão onipresente quanto o original pensado por Orwell. E talvez valha a pena dizer antes de continuar que é meu livro preferido.

    Em 1984 o mundo é dividido em três grandes blocos: Eurásia, Lestásia e Oceania que alternam eternamente entre guerras e alianças. Winston Smith, o protagonista, vive em Londres, parte da Oceania, bloco governado pelo Partido cujo chefe é o quase divino (e onisciente) “Big Brother”, e trabalha no Ministério da Verdade, setor do governo responsável por recontar a verdade milhares de vezes por dia.

    O Ministério da Verdade tem um nome exato: ele não mente, mas reconstrói a realidade cada vez que o contexto político se altera. A Oceania estava em guerra com a Eurásia e era aliada da Lestásia, mas agora as coisas se inverteram, logo os jornais são reescritos e a guerra sempre foi com a Lestásia. Assim, o Partido nunca se engana ou erra e os cidadãos não possuem memória. Como estabelecer senso crítico sem uma noção de passado? Os habitantes de Oceania não tem História.

    Smith tem memória, ele se lembra de reescrever cada jornal, mudar cada notícia. Ele também resiste a “novilíngua”, forma reduzida do inglês que procura excluir conceitos, ou seja, formas de raciocinar. O personagem anda por zonas esquecidas, visita lojas de antiguidades, mantém um diário, todas essas atividades suspeitas porque reforçam sua individualidade: Winston Smith tem história, memória, preferências, sentimentos e gosto. Winston Smith é, afinal, um indivíduo. E indivíduos são mal vistos em qualquer sociedade distópica.

    Smith é um rebelde, flerta com a resistência e chega a procurar o mítico livro clandestino escrito por Emmanuel Goldstein, mas sua condenação final vem por ter se apaixonado. 1984 e Admirável Mundo Novo são livros opostos em muitos pontos, um deles é na forma como suas sociedades encaram o sexo, mas em ambos os casos (seja por promiscuidade ou repressão) ele é desvinculado do amor, que é visto como uma coisa perigosa. Estabelecer uma relação é ser considerado único, especial e insubstituível pelo outro, é ser o oposto do “homem-massa”, além disso o amor é instável, desestabiliza e talvez seja por isso que se apaixonar seja tão subversivo nas duas distopias.

    O que fica claro no livro de Orwell é que seu temor é que um dia as ditaduras alcancem a esfera privada. Teletelas dentro das casas, condenação por “crimideias”, liga anti-sexo, tudo isso não serve apenas para manter os cidadãos “na linha”, mas para certificar que eles pensam e sentem como deveriam. Smith acredita que pode manter as aparências enquanto se mantém “íntegro” interiormente, o Partido vai mostrar a ele que não, ele não pode.

    Para mim esse é o aspecto mais marcante de 1984: Orwell criou um mundo em que individualidades são destruídas e qualquer possibilidade de escape é negada. Diferente de Admirável Mundo Novo, não existe aqui um pedaço selvagem para onde fugir, não existe sequer Resistência, é tudo controle.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | E aí… Comeu?

    Crítica | E aí… Comeu?

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    Fernando (Bruno Mazzeo) é um arquiteto que está passando por problemas emocionais, consequência do fracasso do seu casamento. Honório (Marcos Palmeira) é um chefe de família que suspeita estar sendo traído por sua esposa Leila (Dira Paes). Fonsinho (Emilio Orciollo Neto), por sua vez, é um bon vivant que tenta emplacar a carreira como escritor, mas nunca conseguiu terminar um livro sequer e, ainda por cima, nunca conseguiu desvendar os segredos do amor. Os três são amigos de infância e estão sempre juntos no Bar Harmonia para falar da vida, dos empregos e, principalmente, das mulheres.

    “E aí…comeu?” é uma adaptação da peça homônima escrita por Marcelo Rubens Paiva, que nos apresenta de uma maneira bem humorada uma visão bastante intimista do universo masculino ao se focar na maior parte do tempo nos diálogos dos três amigos que se reúnem em um bar. O ambiente descontraído faz com que as conversas sejam sempre escrachadas, mesmo quando estão falando dos assuntos sérios uns dos outros, como uma forma de cada um deles relaxar e descontrair dos seus problemas do cotidiano.

    O filme é bem sucedido quando os personagens estão tendo um “papo de boteco” e os homens podem sentir-se bastante à vontade com a forma como os personagens interagem entre si. Porém, toda essa coerência apenas se resume nas cenas que se passam dentro do bar, pois o roteiro se demonstra fraco quando cada um volta para sua realidade e, a partir dali, o humor resta um pouco forçado.

    O destaque da atuação fica por conta de Marcos Palmeira, que rouba a cena durante todo o filme, reflexo da excelência da atuação do mesmo. Por outro lado, o humorista Bruno Mazzeo decepciona em mais uma tentativa de atuar nas grandes telas. A decepção reside no fato de que sua atuação é de certa forma limitada, o que não é diferente nesta produção. No lado feminino, Dira Paes faz uma excelente participação, mesmo tendo poucos momentos durante o filme.

    É visível que o filme dirigido por Felipe Joffily com certeza deve fazer mais sentido e ser mais engraçado no formato de teatro, o que se percebe em alguns recursos de narrativa utilizados no filme. Um exemplo disso são duas cenas em que Marcos Palmeira aparece no plano principal, conversando com o espectador em tom humorístico sobre a cena que está acontecendo atrás dele. Com certeza um excelente recurso de narrativa, principalmente pela proposta da história, mas que por ter sido utilizado apenas em dois momentos curtos e distintos do filme, acabou dando a impressão de que ficou jogado e mal utilizado. Na peça, tal recurso com certeza seria mais coerente e melhor colocado, pois o ator estaria tendo um contato direto com a plateia a sua frente.

    “E aí…comeu?” tem uma narrativa de cotidiano que poderia ter dado certo, mas peca em detalhes técnicos e opções de roteiro que o fizeram apenas parecer mais um filme brasileiro de qualidade mediana, como a maioria das comédias nacionais que podemos ver por aí. Uma comédia que reflete um cinema nacional comercial que não se arrisca em roteiros mais elaborados e que se perde em frases de efeitos e meia dúzia de cenas realmente engraçadas. É apenas mais do mesmo.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Review | Falling Skies – 1ª Temporada

    Review | Falling Skies – 1ª Temporada

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    Os últimos anos não foram fáceis para seriados de (ou com elementos de) sci-fi. Em maior ou menor escala, quase todas fracassaram: FlashForward, V, Alcatraz, Terra Nova, entre outras. O fantasma de ser “o novo Lost”, muitas vezes imposto pela mídia ou público, certamente prejudicou, mas no fim das contas elas não se firmaram por suas próprias deficiências. Sem muito alarde, mas mostrando consistência, Falling Skies parece ter escapado dessa maldição. A série do canal TNT está atualmente em sua segunda temporada, e conta com Steven Spielberg como produtor executivo e nomes como Noah Wyle e Will Patton encabeçando o elenco.

    A trama mostra um cenário pós-apocalíptico, a Terra sofreu uma invasão alienígena que dizimou 90% da população humana em poucos dias. A guerra, se é que chegou a existir, já acabou e fomos derrotados. Os sobreviventes se organizam em milícias que se dedicam a uma guerrilha sem muitas esperanças. Nesse contexto, acompanhamos principalmente Tom Mason, um ex-professor universitário de História forçado a se tornar um soldado pra proteger seus três filhos. Um deles, porém, foi capturado pelos invasores, que controlam mentalmente crianças e adolescentes através de um aparelho implantado na coluna de cada um. O motivo disso, inicialmente, é um mistério.

    Mistérios, aliás, existem na história, mas não são o foco principal. Talvez esse seja o mérito de Falling Skies ao se diferenciar das demais produções recentes do gênero. A série não se baseia em prometer revelações absurdas que vão mudar a vida do telespectador. Fica claro desde o início que a proposta é acompanhar os dramas daqueles personagens, seu constante dilema entre fugir e se esconder ou partir pro ataque contra os aliens (motivados mais por um desejo de vingança meio vazio, do que por qualquer outra coisa), além dos inevitáveis conflitos internos do grupo. Virou piada o termo “história sobre pessoas”, mas o caso é esse mesmo. O que não quer dizer, porém, que não existam revelações sobre os invasores. Elas são apresentadas de forma gradativa e nós as descobrimos ao mesmo tempo que os sobreviventes, uma fórmula acertada.

    Outro aspecto interessante da série, uma dose de ação maior do que o esperado em produções televisivas. Todo episódio tem seus momentos de combate, mesmo que muitas vezes as lutas não sejam mostradas explicitamente. O roteiro competente ao construir a tensão das cenas é o que compensa, afinal limitações de orçamento sempre vão existir. Ainda mais dentro da proposta de mostrar DOIS tipos de aliens: os nojentões “saltadores”, que parecem um misto de inseto/aranha/crustáceo do tamanho de um ser humano; e os “mechas”, robozões com alto poder de fogo. Esses últimos são onde os efeitos especiais naturalmente ficam devendo um pouco. Mas criar implicância excessiva e condenar o seriado por isso, é sem dúvida burrice.

    Ainda sobre a ação da série, há um teor altamente no militar no grupo, chamado de Second Massachussets ou simplesmente 2nd Mass (referência a uma milícia de Boston na Guerra Revolucionária Americana). O líder é o inicialmente irascível Capitão Weaver, que volta e meia quer ir pra porrada sem ligar muito para os “civis” da comitiva, cabendo a Mason, seu segundo em comando, ser a voz da razão. Em resumo, todos os movimentos que o grupo faz, seja enviar batedores em exploração, buscar suprimentos, procurar vias de fuga pra novos abrigos ou planejar ações ofensivas, são sempre tratados como algo que um verdadeiro exército faria numa zona de guerra. Pra quem gosta de histórias desse estilo, um prato cheio.

    Falling Skies é uma boa opção pra fugir da eterna mesmice das produções televisivas, onde quase tudo gira em torno de séries policiais, médicas ou sitcoms. Com apenas 10 episódios por temporada, dá tempo de se atualizar e ficar na torcida por uma renovação, o que segundo os últimos boatos, é bem possível.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Deadman Wonderland

    Resenha | Deadman Wonderland

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    10 anos após um grande, mas realmente grande, terremoto no Japão (e essa história foi criada antes do terremoto lá) o país está se reconstruído, e uma das medidas para isso é a construção de uma prisão: Deadman Wonderland.

    Deadman Wonderland não é um mangá simples, criado por Jinsei Kataoka e Kazuma Kondou, que também escreveram o mangá de Eureka Seven. Ele conta a história de Ganta Igarashi, um jovem que vê todos seus amigos serem mortos por um homem vestido de vermelho que está voando pela janela, é culpado pelo assassinato e vai parar na prisão de Deadman Wonderland.

    Deadman Wonderland não é uma prisão simples, ela foi feita para parecer um parque de diversão macabro onde os presos seriam a atração principal, todo dia teriam atrações, como corridas, lutas e outros, para satisfazer a vontade de sangue dos expectadores, que acham que tudo não passa de um show. Como o nome já diz, a prisão só tem presos sentenciados à morte, e para assegurar o bom estado lá dentro há algumas regras:

    – No máximo a cada 3 dias um preso deve comer algo que eles chamam de “Doce”, um pequeno antídoto pra um veneno que é injetado via coleiras mecânicas, se não tomarem eles morrem.

    – Ganhar a corrida, ou mesmo sobreviver, lhe dá créditos, que são quase um dinheiro dentro da prisão, com isso você pode comprar quase tudo, indicam que você também pode comprar sua liberdade por um preço muito alto.

    A vida nessa prisão já não seria tão fácil assim, junte isso a descobrir que você tem um poder esquisito, você controla seu próprio sangue, no caso do Ganta ele atira balas de sangue. Com isso ele vira uma aberração e é maltratado. Mas ai é que o mangá começa, pois vamos para o setor secreto da prisão, aonde acontece o Carnival Corpse (eu não curto a tradução “Carnaval de Corpos”), a batalha dos reais Deadman, pessoas infectadas com o Ramo do Pecado (essa eu concordo, para Branch of Sin) que é a habilidade de controlar o sangue, só que em cada uma isso acontece de forma diferente.

    Em termos de poderes uma coisa que eu gosto é que, embora não seja uma Sci-Fy, eles tentam explicar o que acontece e os efeitos dos poderes. O Ganta ao atirar muito fica anêmico por falta de sangue, uma faz uma luva de sangue que fica dura por causa do Carbono… E por ai vai, algumas explicações são um tanto quanto fantasiosas, mas dentro da lógica DELES faz sentido.

    Os traços não incomodam nem são bagunçados, mas eu também não acho genial, existe mangás com traços melhores por ai (Blade of the Immortal que o diga) mas não atrapalha, não vi pessoas dizendo por ai que não leriam por não gostarem do traço, como já vi falando de One-Piece e Berserk. Mas deve se ressaltar, há imagens violentas, não são gore pesado, cheio de tripas como em Berserk, mas ainda assim tem umas cenas mais pesadas.

    A trama acompanha Ganta aprendendo a usar o poder e tendo uma série de crises, embora seja o personagem principal eu não consigo realmente gostar dele, é muito cheio de mimimi e com muitas crises à toa, é como se fosse uma pessoa que gosta de sofrer por nada. Tudo bem, é um adolescente, mas ainda assim há certas horas que chega a ser irritante o drama que ele faz por nada. Mas após as crises, você vê o que há realmente por trás de Deadman Wonderland, o que tecnicamente originou o ramo do pecado, quem é o Wretched Egg (eu não sei se é Ovo Miserável que foi chamado na tradução) e outros grandes mistérios daquele mundo ali, incluindo o terremoto. Pois todos os que são infectados com o ramo do pecado tem uma historia significativa com o terremoto.

    E quanto a personagens, embora o principal deixe a desejar temos uma gama de personagens muito melhores e divertidos, a começar por Shiro, que é uma garota louca que tecnicamente não se machuca e é simplesmente feliz. Senji que é o Cool Guy do mangá e cumpre MUITO bem esse papel, e até uma Drag chamada Masaru. Os personagens secundários valem mais a pena e são melhores do que o personagem principal, mas a escada que eles fazem para o Ganta acaba funcionando muito bem.

    No final, Deadman Wonderland é um mangá de traço mediano, com uma excelente história que acaba surpreendendo, bons personagens secundários e uma excelente trama com mistérios e reviravoltas que não deixam a desejar. E um mangá sem coragem de tentar apostar na epicidade e conseguir algum lucro disso. Pra quem curte uma história um pouco mais sombria, vale à pena.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • Crítica | Prometheus

    Crítica | Prometheus

    Prometheus

    Tudo começou quando Ridley Scott e James Cameron, no início dos anos 2000, resolveram fazer uma quinta produção da franquia Alien. A ideia até então seria um prequel para a famosa franquia que teve seu primeiro filme lançado em 1979 (Alien – O Oitavo Passageiro). Quando do desenvolvimento de Alien Vs. Predador, em 2003, o projeto havia sido colocado na geladeira e apenas retomado em 2009, quando o diretor resolveu dar continuidade a ele. Finalmente em 2012 temos contato com Prometheus, um filme que foi bastante esperado pelos fãs do gênero ficção científica.

    Em 2089, os arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem um mapa estelar através de vestígios de antigas civilizações desconexas umas das outras. Eles acreditam que o mapa estelar os levaria para o planeta em que residem os chamados “Engenheiros”, seres responsáveis pela criação da raça humana. Com o apoio de Peter Weyland (Guy Pearce), o CEO da Weyland Corporation, a expedição científica é patrocinada e enviada em direção à lua LV-223.

    A fome insaciável do ser humano por conhecimento e os questionamentos sobre nossa existência é o ponto de partida que o filme nos traz. Prometeu, na mitologia grega, foi um Titã que defendeu a humanidade, roubando o fogo dos deuses e entregando-os aos mortais. Em sanção a esse feito, Zeus o acorrentou a uma pedra, onde teria seu fígado comido por uma águia todos os dias por toda a eternidade. Temos aqui a figura do ser humano colocando as mãos em um conhecimento divino, que não deveria ter chegado nem perto (segundo a vontade dos referidos deuses). No filme, temos a presença de uma expedição que quer se encontrar com seus criadores para que eles nos respondam sobre as questões mais elementares da nossa existência.

    O filme de Ridley Scott é claramente inspirada nas obras Eram os Deuses Astronautas (Erich von Däniken) e Nas Montanhas da Loucura (H.P. Lovecraft). Enquanto no primeiro, o autor teoriza sobre a possibilidade de que seres do espaço visitavam a Terra na época das antigas civilizações e eram considerados deuses por estas, no segundo temos uma a influência do terror que provém do desconhecido.  Ambas as influências misturadas formam uma ideia que gera muitas possibilidades, porém no roteiro de Prometheus, infelizmente, acabam se perdendo a partir de pouco antes da metade do filme. Tentou-se criar um clima de tensão o qual foi sendo desconstruído por uma série de situações não convincentes e que, algumas vezes, beiravam o cômico.

    Criador e criatura. A necessidade de se perguntar do por quê de sua existência e tentar enfrentar o “pai”, que o abandonou. Em um momento do filme é facilmente visível o rosto de um Engenheiro que evidencia seu desconforto, sem precisar expressar em palavras, ao perceber que humanos haviam chegado até ali e isso não era certo. O mesmo Engenheiro menospreza o andróide, percebendo que sua criação também queria ser criadora de uma forma de vida. Tal como Zeus, os Engenheiros também queriam penalizar os humanos por suas transgressões.

    Existencialismo, espiritualismo e criacionismo são apenas alguns dos muitos temas que são levantados pelo filme ao longo de toda sua extensão. Porém, essas discussões que poderiam ter sido exploradas de uma maneira mais profunda, dando um peso excepcional para a narrativa, acabam apenas sendo arranhadas sob a ponta de um iceberg. Por outro lado, tal fato também é responsável pela abertura de dezenas de discussões entre os espectadores. John Spaihts e Damon Lindelof, roteiristas do filme, nos entregam apenas um ponto de partida para um universo sombrio onde algo de errado aconteceu e nossos criadores mudaram de ideia quanto a seus “filhos”.

    O ponto em que Prometheus mais peca acaba sendo no desenvolvimento dos seus personagens. Ao contrário do que foi feito em “Alien – O Oitavo Passageiro” – e é o único ponto em que é justo comparar com a franquia, pois ambos os filmes são completamente desconexos um do outro e possuem propostas completamente diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo universo – em que os personagens da tripulação da Nostromo eram carismáticos e conseguiam fazer com que o espectador simpatizasse com eles, em Prometheus tal relação resta mal sucedida. Toda a tripulação da nave, com a exceção do capitão Janek (Idris Elba, que infelizmente possui poucos momentos na trama) e o androide David, (interpretado por Michael Fassbender) não conseguem criar empatia com o espectador. Infelizmente o excelente elenco, contando com a forte presença de Charlize Theron por exemplo, é sub-aproveitado por um roteiro raso e com personagens mal explorados.

    David é de longe o maior destaque do filme, evidenciando cada vez mais a excelência na atuação de Fassbender, que tem feito uma excelente carreira nos cinemas. Nesse filme, nos proporciona uma atuação a níveis robóticos. Seu destaque se dá também ao inserir em diversos momentos do filme a discussão sobre a consciência robótica. Assim como temos os seres humanos contrapondo às figuras dos “Engenheiros”, temos os androides contrapondo aos seres humanos, pois foram criados por estes. Em cenas diversas, o espectador se questiona até que ponto o robô estava obedecendo às ordens de seus chefes e até que ponto ele conseguia manipular as pessoas a sua volta com o intuito de atingir suas próprias vontades.

    A qualidade gráfica de “Prometheus” é excepcional. A filmagem inteiramente em 3D mesclada com os efeitos especiais bem desenvolvidos deram como resultado imagens que impressionam, resultado este atingido anteriormente em filmes como Avatar (de James Cameron) e A Invenção de Hugo Cabret (de Martin Scorsese). Com certeza um dos grandes pontos altos por apresentar as capacidades impressionantes da tecnologia 3D, ao contrário dos péssimos exemplos que encontramos nos cinemas, os quais infelizmente ainda são maioria do catálogo.

    Enfim, por mais que tenha tido uma série de problemas de narrativa que acabaram incomodando muitas pessoas uma certeza que temos é que o filme conseguiu criar questionamentos e teorizações frente a uma comunidade de fãs de ficção científica e, principalmente, para os fãs da franquia Alien. Várias e várias especulações são feitas diariamente em fóruns e artigos sobre as relações com o universo de Alien e, inclusive, sobre toda a simbologia que o filme carrega. No fim das contas, Ridley Scott conseguiu o sucesso e isso é um mérito para o filme.

    “Prometheus” deve ser assistido sem a pretensão de ser uma revolução nos filmes de ficção cietífica. Para as pessoas que gostam de “nitpicking” (ou ficar “procurando pêlo em ovo”, em outras palavras),  é perfeito.  Com certeza vão se divertir muito olhando as mil referências aos antigos concept arts de H.R. Giger, ao propósito de criação do clássico Alien que conhecemos, de quem são os misteriosos Space Jockeys, citações bíblicas (O nome da Lua do filme é LV-223, depois deem uma olhada em Levítico 22:3 para entenderem do que estou falando) e, inclusive, referências a Jesus Cristo que possivelmente foi um “Engenheiro”. Enfim, Prometheus é o suficiente para valer a pena o ingresso do cinema e uma diversão despretensiosa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    – Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Blade Runner

    Crítica | Blade Runner

    No dia 25 de junho Blade Runner fez 30 anos: relativo fracasso de público na época do lançamento, o filme também dividiu os críticos, mas acabou se tornando cult e então clássico e colocou Ridley Scott na lista dos grandes diretores contemporâneos.

    Blade Runner é uma das ficções científicas mais populares mesmo entre aqueles que não  gostam do gênero e junto com 2001: Uma Odisséia no Espaço provavelmente a mais estudada, analisada e louvada pelos críticos e teóricos do cinema. Talvez porque aqui Scott fale menos de espaço e futuro e mais do que nos faz humanos.

    Em 2019 a Tyrell Corporations alcançou tal tecnologia na construção de andróides (ou replicantes) que se tornou necessária a aplicação de testes sutis para diferenciar entre eles e os humanos. Além disso: uma nova linha em desenvolvimento passaria a possuir memória, ou seja, um senso de família, passado e identidade. A pergunta que paira no ar então é: por que continuamos a trata-los como coisa?

    A trama segue Deckard ( Harrison Ford) um caçador de andróides contratado para desativar (ou “aposentar”) 4 replicantes que fugiram das colônias espaciais onde habitam e vieram para a Terra, onde são proibidos devido aos riscos da rebelião. Ao ser informado da missão Deckard se pergunta “mas por que eles voltariam a terra?”

    Eles vieram em busca de respostas. Mais que isso, conscientes de que sua vida útil é propositadamente muito curta (apenas 4 anos) vieram descobrir como extendê-la. Replicantes temem a morte, não querem abandonar a existência e sentem que seu tempo no mundo é muito curto. Exatamente como humanos. Mas enquanto nossa morte é inevitável e nosso tempo de vida aleatório, o deles é arbitrário: os andróides sabem quem os criou e sabem que vivem apenas 4 anos por opção desses criadores, eles poderiam ser eternos, ou ao menos viver por centenas de anos, mas não são, e sendo assim vêm a Terra também por vingança.

    Ridley Scott parece ter uma posição a respeito da humanidade dos andróides, ele acredita em sua subjetividade e os atores enchem seus personagens de nuances, sensibilidade e expressões que são tudo, menos mecânicas. Em uma memorável sequência Roy ( Rutger Hauer ) pergunta a Deckard se ele sabe o que é viver com medo e afirma seu temor de que tudo que viu, sentiu e experienciou se perderia no mundo, como lágrimas na chuva. Não se pode ser muito mais humano que isso.

    A personagem de Rachel ( Sean Young ) vem reforçar essa ideia, ela é vulnerável, quase frágil e seu desejo e amor por Deckard são bastante genuínos. Seu figurino cheio de peles dá a impressão de textura, calor e acessibilidade e a fotografia, quase sempre escura e artificial, banha a atriz em luz dourada, em Blade Runner só vemos o sol com Rachel em cena. Certo, suas memórias são falsas, mas é necessariamente falsa a identidade que ela construiu em cima dessas memórias? Rachel tem as memórias da sobrinha do Dr. Tyrell, mas elas são a mesma pessoa?

    A direção de arte e fotografia, aliás, colaboram de maneira excelente com o roteiro e as questões levantadas, dando ao filme uma unidade estética rara. Nunca é dia nessa Los Angeles fictícia, a luz é sempre cinzenta ou colorida de neon, é um mundo artificial mesmo para os humanos “de verdade”. Também existem poucas formas arredondadas, orgânicas, os ambientes são vazios, ascéticos, desprovidos de tudo que aproxima, identifica, de tudo que torna pessoal.

    O diálogo entre Roy e Tyrell (Joe Turkel)  é cheio de ambiguidade e retrata bem a delicada relação entre criador e criatura: o misto de agradecimento e fascínio com ódio por ter sido feito mortal. Scott retoma essas questões 30 anos mais tarde em Prometheus e se pergunta de novo qual o limite da criatura e a recusa de qualquer um em abandonar a vida.

    Assim, Blade Runner é um ótimo filme de ação, mas sua essência e talvez sua permanência, estejam nessas perguntas e no incômodo que até hoje sentimos frente a possibilidade de recriar tão perfeitamente a humanidade a ponto de nos perguntarmos o que é mesmo que faz um humano?

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Review | Gintama

    Review | Gintama

    gintama

    Gintama é um anime/mangá escrito por Hideaki Sorachi e publicado na Weekly Shonen Jump. Se tornou popular no Japão, não pelo enredo (que não segue um padrão), mas sim pelo humor e pelas sátiras da cultura japonesa. A primeira revista saiu em dezembro de 2003 e é publicado até os dias de hoje. O anime tem direção de Yoichi Fujita e segue a linha do mangá, sempre com boas pitadas de humor, um bom exemplo disso ão são as paródias de Rurouni Kenshin, Bleach, Dragon Ball, One Piece, Naruto, Yu Yu Hakusho, que já realizaram ao longo da série.

    Japão foi invadido por Aliens, os Amanto, seres que, apesar de toda a tecnologia que trouxeram, desprezam os humanos, os tratam como lixo. Com a chegada dos Amanto, todos os samurais foram obrigados a desistir de suas espadas.  O mangá começa 20 anos depois dos Amanto terem chegado a Terra, poucos anos depois do fim da Guerra Anti-Amanto, segue a História do Ex-Samurai, Sakata Gintoki, que juntamente com Shimura Shinpachi e Yato Kagura trabalha na Yorozuya Gin-chan, uma agência que faz tudo por dinheiro.

    O mangá foi muito bem aceito no Japão, desde o inicio. Na maioria das vezes, ficando no Top 5 das séries best-sellers. E durante muito tempo também foi líder de vendas para o exterior.

    Apesar de todo esse enredo, Gintama é uma série para rir, que conta com várias referências à cultura pop japonesa desde outras animes a telenovelas, passando por filmes e acontecimentos vários da sociedade japonesa dos dias de hoje. O personagem principal, por exemplo, muitas vezes sonha em aprender a usar Bankai (Um poder supremo que é liberado da espada, no anime Bleach). No episódio 50 do anime, que é um especial, a Yorozuya tenta várias maneiras de conseguir audiência e para isso, realizam uma paródia de DBZ, Bleach, One Piece e Naruto simultaneamente. Enfim, deixando o enredo de lado, o mangá  e o anime vão proporcionar muita diversão aos seus leitores e espectadores.

    Texto de autoria de Jean Dangelo.

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  • Resenha | O Símbolo Perdido – Dan Brown

    Resenha | O Símbolo Perdido – Dan Brown

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    Muita gente o esnoba, mas o norte-americano Dan Brown, sem dúvida, é um dos principais escritores da atualidade. Desde o fenômeno O Código Da Vinci, que vendeu mais de 80 milhões de exemplares no mundo todo, todos os livros do autor tiveram uma grande tiragem. Sem falar nas duas (até o momento) adaptações cinematográficas da obra de Brown, o próprio Código e o infinitamente superior e subestimado Anjos e Demônios. Os filmes também fizeram sucesso, apesar de levarem os fãs dos livros a pensar seriamente em suicídio…

    O Símbolo Perdido, lançado no Brasil pela Editora Sextante. Traz novamente o professor de simbologia de Harvard, Robert “Tom Hanks” Langdon, se mete em altas confusões (desculpa aí, não resisti). Convocado por um velho amigo para dar uma palestra no Capitólio dos EUA, em Washington, logo descobre que o convite era uma farsa. Seu amigo, um importante maçom chamado Peter Solomon, está em perigo, e Langdon deve correr contra o tempo para decifrar inúmeros enigmas e encontrar um suposto tesouro escondido pela Maçonaria, que seria capaz de conceder poderes sobre-humanos a quem o possuir.

    Talvez a maior crítica a Dan Brown seja o fato de que seus livros têm a mesma fórmula, com uma estrutura narrativa praticamente idêntica. Isso é bem claro em O Símbolo Perdido, está tudo lá: Langdon chamado as pressas, um crime bizarro, uma famosa organização, um vilão exótico, um interesse romântico, uma figura de autoridade que atrapalha o herói, um simpático e suspeito ajudante… eu sempre defendi tal esquema pronto, pelo simples fato que ele FUNCIONA. Dessa vez, porém, ficou um gosto meio amargo. Talvez a fórmula tenha finalmente se esgotado, ou simplesmente esta aventura não foi tão empolgante quanto as outras.

    Entre os pontos que me desanimaram, o maior sem dúvida é o final. Extremamente anticlimático. Uma pena, pois o autor optou por jogar panos quentes num evento épico, pra manter o status quo de seu universo (vale lembrar que a história se passa após Anjos e Demônios e O Código Da Vinci). Outro aspecto negativo foram os excessivos diálogos filosofando sobre o nada. Brown cita a noética, disciplina que estuda elementos subjetivos (alma e consciência humanas, por exemplo) sob um olhar científico. O tema é interessante, pena que o autor insinua sua capacidade de mudar o mundo, mas não acontece nada concreto, fica apenas na especulação. E nos longos debates extremamente cansativos entre os personagens. Diferente do conflito Ciência VS Religião apresentado de forma sensacional em Anjos e Demônios.

    Os pontos positivos são os de sempre. Ritmo alucinante, quando a história engrena fica difícil largar. Os enigmas, sempre muito interessantes, e particularmente inspirados dessa vez. E a melhor coisa do livro, disparado: o vilão. Mal’akh, um gigante mega bombado com o corpo todo tatuado. Maluco de pai e mãe, mas absurdamente inteligente. Pena que no final comete uma burrice imperdoável e comprometedora, mas aí a culpa é toda do autor. Mais um detalhe, não necessariamente positivo ou negativo, é que Brown não quis fazer polêmica nenhuma dessa vez. A Maçonaria é tratada de forma totalmente imparcial.

    Sabe quando você não consegue definir se gostou ou não de algo? Então. Esperava mais de O Símbolo Perdido, mas não posso dizer que foi ruim. Fica uma dica cautelosa: leia se você for fã do escritor e já tiver lido seus livros anteriores. Caso contrário, procure antes as outras obras, começando por Anjos e Demônios.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Review | Smash

    Review | Smash

    smash

    Para você que gosta de musicais como High School Musical e HairSpray, este seriado não te pertence.

    A história começa quando a compositores escritores Julia Houston (Debra Messing) e Tom Levitt (Christian Borle) decidem criar um novo musical, baseado na vida de uma das maiores estrelas de Hollywood, Marilyn Monroe.

    Eileen Rand (Anjelica Huston) é uma produtora conceituada no ramo que está passando por um momento delicado em sua vida, a separação de seu marido, Jerry Rand (Michael Cristofer) outro grande produtor.

    Para dar prestígio ao musical, trazem o grande e mulherengo diretor de musicais Derek Wills (Jack Davenport) para dirigir o espetáculo. Karen Cartwright (Katharine McPhee) é uma aspirante a atriz que trabalha como garçonete que ama cantar, faz uma ótima audição para o musical e vira uma das favoritas ao papel principal do espetáculo.

    Ivy Lynn  (Megan Hilty) é uma experiente dançarina e cantora da Broadway, amiga de Tom e tem um caso com Derek, também é uma das favoritas ao papel de Marilyn. A trama principal da historia é focada na disputa entre Karen e Ivy ao papel principal do show, duas mulheres muito diferentes mas com muito talento em comum.

    Smash é um seriado adulto que mostra os bastidores, os dramas, conflitos e problemas familiares, e ainda arruma tempo para realizar ótimas interpretações de grandes canções. Criada por Theresa Rebeck e produzida por Steven Spielberg. As músicas da série são originais e escritas pela dupla Marc Shaiman e Scott Wittman.

    Texto de autoria de Henrique Romera.

     

  • [Ideias no Vórtice] “Abaixo a Dublagem” – Um contraponto a uma incoerência crítica

    [Ideias no Vórtice] “Abaixo a Dublagem” – Um contraponto a uma incoerência crítica

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    Recentemente pude conferir na grande mídia a expressão que encabeça esse título: “Abaixo à dublagem”. Olhei estranhamente para o título da referida matéria e fui conferir do que se tratava. Infelizmente não era a primeira vez que eu estava lendo aquelas ideias que, basicamente, tentam estigmatizar a dublagem como algo ruim. O ponto de partida é o fato de que nos últimos anos, no Brasil, pode se observar, ao chegarmos nas salas de cinema, que existem muito mais cópias dubladas do que legendadas à disposição do público. Alguns indivíduos que se consideram “intelectuais” começaram a se sentir ofendidos, pois preferiam assistir a filmes legendados do que filmes dublados no cinema. O que passou de uma justa crítica inicial se desenvolveu e ganhou voz como um movimento (aqui entenda como uma ideia em ascensão, não como um grupo organizado) que extrapola os limites da razoabilidade e que busca defender a extinção da dublagem em si, com uma série de argumentos que apontarei mais adiante. Pois bem, meu intuito com esse texto não é atacar ninguém diretamente, mas apenas levantar uma questão importante e que tem sido ignorada no meio de toda essa discussão, pois infelizmente é mais comum vermos pessoas da “grande mídia” defendendo esses argumentos, do que sendo contra eles.

    O recurso da dublagem é a substituição da voz original de personagens das mais diversas produções audiovisuais (aqui entram os filmes, seriados, desenhos animados, entre outros) por a de um dublador. Essa substituição pode ocorrer de duas maneiras: a mais comum ocorre quando se muda a voz original para que um dublador mude o idioma original – que é o caso dos filmes estrangeiros que chegam em nosso país, mas com áudio em português; e também temos a dublagem que é realizada no mesmo idioma com intuito de ser utilizada como meio de melhorar a voz original. As primeiras dublagens começaram a ser feitas na década de 30 e, posteriormente, passaram a ter uma atenção maior, pois permitia que através dela fossem cada vez mais desenvolvidos as interpretações vocais dos artistas. Através disso, o que se presenciou foi o surgimento de uma nova forma de arte.

    Primeiramente, incorre em erro aquele que desvaloriza a dublagem sob o argumento inicial de que ela é uma espécie de “parasita” de uma outra forma de arte pré-existente. A arte, dentro de todas suas expressões conhecidas, não existe apenas em sua forma única e exclusivamente pura, como muitos se enganam, mas também se expressam através da derivação de outros. Tratam-se de formas de reprodução e que, mesmo sendo reproduções, não perdem a qualidade artística à obra original, mas muitas vezes dão uma nova roupagem àquela (algumas vezes com novos valores inclusive).  Basta tomar como exemplo uma orquestra sinfônica que reproduz obras de Bach, Tchaikovsky, Beethoven, entre muitos outros artistas clássicos.  Eles estão reproduzindo arte. Apesar de não ser uma espécie de “criação” direta, trata-se de uma forma de expressar os elementos artísticos validamente. O raciocínio que ocorre com a dublagem é o mesmo a partir do momento em que seu objetivo não é o de “distorcer”, “deformar” ou “prejudicar” a obra de arte original – como alguns parecem acreditar, quase como em tom conspiratório -, mas unicamente o de reproduzir de uma forma única a mesma.

    A partir desse ponto entramos em outro argumento que merece ser criticado, o de que a dublagem é voltada para um público específico: o das “crianças, analfabetos funcionais e pessoas que tem preguiça de ler”. É extremamente repulsivo ouvir e ler argumentos desse tipo da boca de profissionais que se julgam intelectuais. A dublagem é uma forma de arte ampla e que busca atingir pessoas diferentes. Existe a maior preferência do povo brasileiro em ver um conteúdo dublado pela questão óbvia  da proximidade com a língua local. Não é apenas no Brasil que existe o recurso da dublagem, mas em centenas de países do mundo todo. E é completamente racional entender que uma maioria dos brasileiros prefira ver produções audiovisuais em que o áudio está em nossa língua nativa , em detrimento do idioma do local que se originou.

    Também é muito comum algumas pessoas subvalorizarem o trabalho dos dubladores. Ao contrário do que essas pessoas pensam, aquele profissional que entra em um estúdio de gravação para fazer uma dublagem não está apenas ali para ler um texto em uma folha de papel conforme as imagens de um filme ou desenho animado estão passando em sua frente. Existe todo um trabalho artístico e de preparação para a realização do mesmo. É muito mais difícil e complicado do que parece, vez que dubladores também são atores. Da mesma forma que os atores que aparecem nos filmes, estes também necessitam “encarnar” personagens, se envolver com seus papéis e realizar interpretações através de sua voz. Desse modo, é completamente razoável defender que dubladores merecem sim serem reconhecidos por seu trabalho. Eles não são “coadjuvantes” e nem “papagaios da manutenção do idioma nacional”, são principais autores de uma forma de expressão artística. Digo mais, no Brasil são pouquíssimos os que possuem seu trabalho reconhecido. Basta questionar para uma pessoa qualquer na rua quantos são os nomes dos dubladores que ela conhece. A minoria vai responder dois ou três nomes no máximo.

    Alguns ainda vão dizer que a maioria dos trabalhos dublados que assistem são de uma péssima qualidade e por isso não deveriam existir. Eu particularmente acho extremamente interessante esse comentário, pois por essa lógica, entendo que todos os outros profissionais do mercado (jornalistas, engenheiros, advogados, professores, arquitetos,…) estão cumprindo seu trabalho com 100% de eficiência. Da mesma forma que existem excelentes trabalhos de dublagem, existem também os ruins. De igual modo, como uma profissão qualquer, podemos encontrar excelentes jornalistas e péssimos jornalistas. Excelentes médicos e péssimos médicos. Enfim, toda e qualquer profissão, inclusive a dos dubladores, possui variações de qualidade. Desse modo, tal argumento não passa de uma hipocrisia.

    Assistir ou não um filme dublado deve partir de uma escolha pessoal e ninguém quer obrigar ninguém a vê-los, porém não adianta em nada querer ”cortar o mal pela raiz”, como alguns defensores do movimento dizem querer fazer.  A dublagem não é um mal e nunca foi. É uma forma de arte e entretenimento extremamente válida e louvável. Por outro lado, entramos em conflito a partir do momento que os ânimos se inflamam e gritam “abaixo a dublagem” como uma bandeira a ser vangloriada. Digo que essa bandeira deveria ser motivo de vergonha por aqueles que a levantam, pois serve, muitas vezes, como uma forma de política de intolerância. Podemos ver atitudes semelhantes quando uma pessoa incorre em racismo, veja bem, mas não me entendam mal. É óbvio que racistas estão em setores completamente diferentes às pessoas que defendem que a dublagem deva ser “extirpada”. O que ressalto a partir desse ponto é apenas uma coisa que eles tem em comum: o fato de que ambas as atitudes partem de uma ideia cujo núcleo é uma discriminação. Da mesma forma que um racista não tem interesse em respeitar, conhecer a fundo e ser tolerante com as raças contra quem pratica seu preconceito, um defensor do movimento de “aniquilar a dublagem” também parte de um ponto em que não respeita o fato de existirem pessoas que gostam de filmes dublados e também não procuram buscar a fundo o que significa aquilo. É extremamente fácil defender que a dublagem “desvirtua e destrói uma forma de arte” quando não se busca sequer entender o que realmente significa a expressão através da dublagem. Visualizamos uma forte presença, principalmente na mídia,  de “profissionais” – e aqui as aspas servem com o intuito de questionar a seriedade do trabalho das pessoas que fazem isso – que se limitam apenas aos achismos, discursos infundados e vazios – muitos já apresentados anteriormente – que no fim das contas refletem mais um tipo de discriminação.

    No fim das contas, o que podemos perceber é uma incoerência crítica. O que deve ser criticado -e eu concordo – é a ausência de opção que as distribuidoras tem nos dado. O errado é chegar ao cinema e não possuir a opção de poder assistir a um filme dublado ou legendado, mas também é errado partir do pressuposto de que esse fato é culpa da dublagem. Devemos nos atentar para a questão de que por opções de estratégias e modelos de negócio das distribuidoras nacionais – por aquilo que é mais rentável e lucrativo – é que chegamos ao cinema e não encontramos nosso direito de optar. Portanto, a crítica que deve ser feita são a tais modelos das distribuidoras, não o trabalho dos dubladores. Reitero que devemos sim defender a opção, inclusive com o intuito de exercermos nosso direito de liberdade de poder escolher se queremos ver filmes dublados ou legendados, porém toda defesa deve ser pensada racionalmente e com fundamentos razoáveis.

    Por fim, vários são os profissionais do ramo que estão diariamente trabalhando em estúdios de gravação com o intuito de buscar nos levar produtos de qualidade para nossas programações de TV e cinema. Guilherme Briggs (foto acima), Orlando Drummond, Garcia Junior, André Filho, Darcy Pedrosa, entre muitos outros, são apenas alguns dos exemplos de dubladores brasileiros que fazem um excelente trabalho, sempre com o intuito de proliferar essa forma de arte fantástica e que merece ser valorizada. Uma forma de arte que, antes de mais nada, deve ser respeitada como tal.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | O Gênio e a Deusa – Aldous Huxley

    Resenha | O Gênio e a Deusa – Aldous Huxley

    o-genio-e-a-deusa-aldous-huxleyVocês vão me chamar de chato insistente por falar de novo desse negócio de ler outras obras do autor além daquela pela qual ele é mais conhecido, mas eu vou me dar o benefício da dúvida e crer que vocês ainda não perderam a paciência com essa minha mania de leitura. Para isso vou dar mais um exemplo: O Gênio e a Deusa, de Aldous Huxley.

    O livro é curto e simples, pelo menos do ponto de vista do enredo. Um biógrafo interessado na vida do cientista atômico Henry Maartens procura John Rivers, seu aprendiz, para que esse revele detalhes particulares que o ajudem a compor a história da vida do notório cientista. John Rivers, numa frase que podia figurar naquelas listas de melhores inícios de história, começa seu relato dizendo:

    “O mal da ficção (…) é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. (…) A ficção tem unidade, a ficção tem estilo. A realidade não possui nem uma coisa nem outra. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas (…) O critério da realidade é a sua incongruência intrínseca.” (p. 1)

    Quando li essa primeira frase sabia que estava diante de um livro que iria gostar. Não sei se porque isso faz um sentido enorme para minha pesquisa ou porque gosto muito de literatura que fala sobre literatura, mas o fato é que considero O Gênio e a Deusa um livro muito bom.

    John, ao relatar sua história com Maartens, nos leva a conhecer o tempo em que se tornou aprendiz dele, passou a morar com ele e sua família, se tornando assim, conforme constatamos com o andar da trama, também um membro dessa. Ele dá passeios com Ruth, a filha admiradora de poesia e de Edgar Allan Poe; conversa e brinca com o garoto Timmy; faz favores à Katy, a bela e espirituosa esposa de Henry etc. Tudo isso além de seus compromissos no laboratório.

    Quando Huxley nos conta a história do ponto de vista do biógrafo de Henry, nos parece que esse será um livro também sobre o cientista, que versará sobre as experiências e descobertas desse (e de seu assistente) no campo da Física, Química e afins. Descobrimos, entretanto, que mais do que a ciência, a vida de Henry Maartens está repleta de romantismo, completamente enovelada na sua relação com sua esposa.

    Assim, O Gênio e a Deusa não está repleto de termos científicos, de padrões frios e pesquisas levadas a cabo com uma exatidão por demais racional; mas sim abunda na humanidade da ciência, no que ela tem de mais proximal em relação a nossa própria consciência. Você não irá encontrar um cientista obcecado pela ciência, quase sendo por ela engolida. Você encontrará, sim, a ciência explorada em suas dimensões humanas, se comportando como evidências do potencial do homem em conhecer a natureza que o rodeia e a si próprio.

    Por isso a referência dupla (e aparentemente contraditória) do título. Não é preciso abandonar a beleza ao fazer ciência, não é necessário excluir a poesia do texto científico. Da mesma forma que o gigantismo intelectual de Henry repousava sobre o frágil equilíbrio de sua relação com sua musa, Katy; também a ciência se mantém construtiva para o homem na medida em que não se torna uma obsessão.

    Com um lirismo sensual, que explora facetas românticas da relação entre Katy e Henry, Huxley novamente nos fala (em outros termos) sobre a ciência e a tecnologia, e o que elas tem significado para os homens e a sociedade. A ciência convertida numa tecnologia bizarra, em Admirável Mundo Novo, onde se faziam homens em linhas de produção, é trazida aqui para uma trajetória individual. Descobrimos que a racionalidade que a caracteriza só lhe é útil até o ponto a partir do qual imperam conhecimentos que podem lhe parecer estranhos, como os sentimentos e as sensações, por exemplo.

    O que a ciência representa para Henry, entretanto, não é o que significa para a massificação com que ela é praticada no mundo atual, ou como foi utilizada na construção da bomba atômica. A relação entra a vida e a ciência, que deveria ser orgânica, intrínseca, deixa de estar ao alcance dos homens se tornando uma arma, algo que lhes causa dor, sofrimento e, porque não dizer, alienação.

    Com uma sensibilidade notória, Huxley coloca diante do leitor duas dimensões essenciais do conhecimento humano: a ciência abstrata e a empiria imediata. Embora elas pareçam estar irremediavelmente separadas no “mundo” como o conhecemos, elas são componentes de um mesmo constructo, uma não existe sem a outra. O questionamento que perpassa o conflito afetivo de Henry é o mesmo presente no cerne da reflexão de Huxley: do que serve a ciência e a tecnologia se não nos torna mais felizes, ou a vida mais prazerosa e justa? Ou em nível individual: do que serve a complexidade hermética da ciência de Henry se não torna sua relação com a esposa, parte capital de sua existência, melhor?

    Essa é deveras uma pergunta que já foi feita várias vezes por várias pessoas em vários tempos, ainda que de formas diferentes. Apesar da recorrência, ela não fica ultrapassada, permanece viva, desafiando nossa própria capacidade de compreendê-la.

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Resenha | Mundo Fantasma

    Resenha | Mundo Fantasma

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    Mundo Fantasma, HQ de Daniel Clowes que ganhou uma tradução brasileira ano passado, não conta exatamente uma história, é mais um apanhado de narrativas curtas ambientadas no estranho mundo de Enid e Rebecca.

    As duas são melhores amigas recém-formadas no ensino médio, irônicas e inteligentes elas navegam entre seu mundinho particular e um desinteresse geral por todo o resto. Ao longo das histórias, as duas tentam se ajustar com a nova condição de “adultas” e como consequência acabam se separando: Rebecca arranja um emprego em uma cafeteria e um namorado e Enid, depois de não conseguir entrar na faculdade, pega um ônibus para qualquer lugar, sem saber bem o que quer fazer, mas com a eterna sensação de não se encaixar.

    Um dos elogios feitos frequentemente a Clowes é o como um homem de 30 anos consegue capturar com precisão o universo de duas meninas adolescentes e eu vi ali, em cada uma, mas principalmente na relação entre elas, muito da minha própria adolescência. Há uma concorrência sutil entre Enid e Becky (elas disputam principalmente a atenção de Josh, um amigo de quem ambas gostam sem admitir) que não nasce por competitividade e sim por insegurança. Além disso ele retrata muito bem o incômodo entre querer a atenção de garotos e ao mesmo tempo não querer ser a menina que se esforça para isso, ou acha-los idiotas e ainda assim querer que eles te achem interessante.

    Talvez, independente do sexo, essas sejam as ambiguidades de qualquer adolescente e é isso que Clowes traz tão sensivelmente nas suas histórias e no seu traço. “Mundo Fantasma” é sobre os incomodos e as mudanças necessárias para se achar seu lugar no mundo e também sobre como as vezes encontrar esse lugar demora bem mais do que se esperava.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Alien: O Oitavo Passageiro

    Crítica | Alien: O Oitavo Passageiro

    Alien

    “No espaço, ninguém pode ouvir você gritar.” Eis o slogan de um dos principais marcos da história do cinema. Lançado em 1979 e sob a direção de Ridley Scott, Alien – O Oitavo Passageiro criou um novo conceito para os filmes de terror com monstros, o qual se mescla, ao mesmo tempo, com elementos de ficção científica.

    Somos apresentados à nave cargueiro Nostromo e sua tripulação. No meio da viagem de volta para a Terra, os sete tripulantes a bordo da nave são acordados ao receberem um sinal advindo de um asteróide. Ao investigarem o local, um dos tripulantes é infectado por um alienígena, cujo embrião se aloja dentro de seu corpo. O pesadelo para os tripulantes começa quando o estranho monstro começa a caçar cada um dos tripulantes dentro da nave.

    O primeiro dos muitos méritos que o primeiro filme da franquia Alien possui é o fato de que dispunha, à época, de pouquíssimos recursos visuais e mesmo assim conseguiu produzir um resultado fantástico. A ausência de efeitos especiais surpreendentes como os que vemos hoje são recompensados totalmente com um roteiro completo e que desnorteia o espectador por toda a extensão do filme. Assim como em Tubarão (Steven Spielberg) que não vemos a ameaça na maior parte do tempo, em “Alien” acontece a mesma coisa. São pouquíssimos os momentos em que realmente enxergamos a monstruosidade em toda sua ferocidade, porém isso não muda a atmosfera de tensão criada pelo roteiro. Somos levados a um local isolado e à medida que os membros da tripulação vão morrendo vamos sendo empurrados cada vez mais a um sentimento de desolação extremo, o qual somente se potencializa com a trilha sonora de Jerry Goldsmith.

    Um filme que se passa no espaço com certeza proporciona uma excelente visualização da personalidade dos poucos personagens que apresenta. O elenco faz um excelente trabalho, destacando-se principalmente a atriz Sigourney Weaver como a heroína Ripley. No começo do longa metragem, mal conseguimos visualizar que ela é nossa protagonista, porém conforme o filme vai evoluindo, a personagem também se envolve cada vez mais à trama e a atriz consegue passar de maneira fluida e natural esse envolvimento.

    Não há  mais nada para falar da trilha sonora de Jerry Goldsmith e nem do design dos alienígenas feitas por H.R. Giger além de que são fantásticos e somente ajudaram o filme ainda mais a se tornar o clássico que é hoje.

    Com certeza um filme que vale a pena ser revisto por vários e vários anos. Nos apresenta o melhor do que o cinema tem a oferecer aos espectadores, proporcionando experiências únicas, graças a uma excelente produção. Não há como falar em filmes de monstros, de terror ou de ficção científica sem falar de Alien. Um verdadeiro clássico que merece a atenção de todos.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | Assassin’s Creed: A Queda

    Resenha | Assassin’s Creed: A Queda

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    Saiu há pouco tempo aqui nas bancas brasileiras Assassin’s Creed – A Queda eu naturalmente tenho um certo preconceito com qualquer quadrinho licenciado à algum jogo, mas AC – A Queda me surpreendeu, a trama foi muito bem construída em cima do universo do jogo.

    A premissa é bem interessante. O viciado que está sob tratamento, Daniel Cross têm desde pequeno visões perturbadoras com cavalos, flechas, facas e muita, muita morte. Até então diagnosticado com esquizofrenia, Daniel recusa usar as medicações no que culmina numa quase tentativa de assassinato num bar, nessa ocasião ele conhece uma misteriosa jovem chamada Hannah, e então ele é apresentado à Ordem dos Assassinos.

    As visões de Daniel são referentes ao seu antepassado, Nikolai Orelov, um grande assassino que viveu na época da Revolução Russa e ao entrar em combate direto com os templários descobre um artefato que pode mudar o rumo da história. Daniel encontra um proposito em sua vida após um turbilhão de visões: encontrar o Mentor da Ordem.

    Você de alguma forma precisa estar familiarizado com o universo dos jogos, não posso te garantir, mas provavelmente se você não souber nada, ficará perdido. Por isso que essa hq, tanto como os livros lançados, têm que ser vistos como spin-offs da série, uma forma de aumentar o entendimento daquele universo.

    Mas mesmo que você não esteja familiarizado com a história, a trama te envolve do início ao fim. Uma das principais causas disso é o recurso histórico tão usado nos jogos e histórias paralelas.

    O que os roteiristas dos jogos costumam fazer é, pegar um momento de grande mudança na história da humanidade e explicar de uma forma que aquilo tenha ocorrido por causa das questões referentes ao universo do jogo. Por exemplo: No primeiro jogo foram as Cruzadas, no segundo uma trama envolvendo os Bórgia e agora no terceiro (que lança em Outubro) a Independência dos E.U.A.

    Karl Kerschl e Cameron Stewart usaram essa mesma fórmula e dessa vez abordaram a Revolução Russa, momento histórico onde se passa o plot de Orelov. Outras referências históricas são explicadas nas páginas depois do fim da história, como o Projeto da Torre de Wardenclyffe, de Nikola Tesla, o evento de Tugunska, ocorrido em 1908 e a própria figura do Czar Alexandre III.

    Como disse, todos esse personagens históricos, locais e eventos têm uma ligação direta com o universo abordado, e alguns detalhes que aparecem na história nos são explicados nas páginas finais da revista.

    A história também conta com uma incrível reviravolta no final, enfim, Assassin’s Creed – A Queda vale a pena ser lido. O traço de Nadine Thomas é impecável, com direito a algumas concept arts nas páginas finais. E antes que esqueça, a revista ainda vêm com um código para liberar um DLC exclusiva de Assassin’s Creed Revelations para Xbox 360.

    Texto de autoria de Raphael Wisnesky.

  • Resenha | Astral Project: Sob a Luz da Lua

    Resenha | Astral Project: Sob a Luz da Lua

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    O mercado brasileiro de mangás encontra-se há muito estagnado. Seja pelo pouco interesse das editoras em sair de sua rentável zona de conforto ou pela mudez do consumidor, é inegável que a situação atual pouco diverge de dez, onze, doze anos atrás, nos primórdios desse mercado. É triste constatar que, passado tanto tempo, ainda não se estabeleceu dialogo entre publico e corpo editorial. O colecionador vê-se preso a um segmentado catalogo de títulos, podendo pouco ou nada fazer para expandi-lo.  Por essas e outras, é raro ver algo que fuja dos padrões do mercado chegar às bancas. Qualquer obra pouco conhecida ou de proposta atípica é uma aposta que, vez ou outra, as editoras dão-se ao luxo de fazer. Astral Project – Tsuki no Hikari, lançado pela editora Panini no primeiro semestre de 2011 com o título Astral Project: Sob a Luz da Lua, é uma dessas apostas sazonais.  E, para deleite dos leitores ávidos por bons títulos, a aposta mostrou-se acertadíssima.

    Um jovem que sobrevive em Tóquio prestando serviços para a Yakuza, atuando principalmente como motorista e segurança de prostitutas de luxo, repentinamente descobre que sua irmã foi encontrada morta no interior do Japão. De volta às origens, o protagonista, Masahiko, evitando contato com a família a qual odeia, apanha no quarto da falecida, como lembrança, um misterioso CD. Este disco, provavelmente o ultimo por ela apreciado, consiste numa coletânea de faixas de jazz.  Ao ouvi-lo pela primeira vez, Masahiko é tragado para fora de seu corpo, e, através desse estranho fenômeno de projeção astral, uma nova e perturbadora realidade surge diante de seus olhos.

    Suspeitando que sua irmã não tenha morrido, mas deixado o corpo por meio do obscuro CD e não retornado, o protagonista parte em busca da verdade. Adentrando mais e mais no meio underground da área urbana mais populosa do mundo, permeado por mentiras e enigmas, Masahiko descobre, ao longo dos quatro volumes em que narra sua jornada, que esse mistério está ligado a um projeto bélico de proporções inimagináveis, intitulado Astral Project. Porém, mais importantes que a conspiração global desenvolvida, é a introspecção por ela ocasionada, que leva o protagonista a redescobrir sua natureza.

    A preparação de terreno para a agradável surpresa que é ler esse título começa já na capa, onde nomes que compõem uma dupla completamente desconhecida encontram-se registrados.  O traço estilizado de Syuji Takeya, artista que tem no curriculum apenas essa obra, pode incomodar alguns; abusando do uso de sombras e feições obscuras, o ilustrador novato constrói habilmente o soturno cenário contemporâneo em que a trama se desenrola. No entanto, o instigante roteiro formulado por marginal, que prende o leitor da primeira a ultima página, é o grande trunfo de Astral Project. Tão surpreendente quanto as boas arte e história é descobrir que por trás do incomum pseudônimo do roteirista encontra-se Garon Tsuchiya, renomado autor de quadrinhos adultos responsável por Oldboy, que originou o cultuado filme homônimo do sul-coreano Park Chan-Wooke venceu o Eisner Award na categoria “Melhor Edição Americana de Material Internacional” no ano de 2007.

    O trabalho reflete a atração e inegável habilidade de Tsuchiya com histórias detetivescas, tal qual seu gosto musical – representado pelo genial e incógnito saxofonista Albert Ayler, o “espirito santo” do free jazz, figura de suma importância para o desenrolar dos fatos. Em uma trama intrincada, beirando o confuso em certos pontos, Astral Project: Sob a Luz da Lua é um suspense competente, que, embora deixe algumas dúvidas, revela-se, ao lado do arrebatador Homunculus, de Hideo Yamamoto, como uma das mais acuradas escolhas já feitas pela editora Panini em sua trajetória pelo mundo dos mangás.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Review | Game of Thrones – 2ª Temporada

    Review | Game of Thrones – 2ª Temporada

    O inverno ainda não chegou, mas não tem problema, pois mesmo assim a recém concluída segunda temporada de Game of Thrones manteve o alto nível da estréia no ano passado e consolidou a série como uma das melhores da atualidade (só não é A melhor porque existe Spartacus). Adaptando o segundo livro da saga, A Fúria dos Reis, mas mantendo o nome simplesmente por questões de marca, a HBO mais uma vez esbanjou qualidade e cuidado em todos os elementos da produção. Direção sempre impecável, figurinos e cenários, muitos deles reais, mais uma vez dignos de blockbusters cinematográficos, e atuações se não brilhantes, todas competentes.

    Até mesmo nos roteiros, aspecto mais discutível e complexo (principalmente pra quem leu os livros), a emissora soube trabalhar muito bem. Essa temporada trouxe muito mais mudanças do que a anterior, todas ainda justificáveis pelas limitações de orçamento e duração dos episódios. Em muitos momentos, não deu pra evitar uma sensação de estar vendo um resumão, ultra rápido e um tanto for dummies, do livro. Mas o mais importante é que se manteve uma grande fidelidade, com as alterações levando a trama pra onde ela precisa ir, sem uma preocupação babaca com “originalidade” desviando a história pra caminhos muito menos interessantes. Aprende, The Walking Dead!

    Em linhas gerais, a temporada foi menos impactante que a passada. Mas nem poderia ser diferente, pois o segundo livro é inferior ao primeiro. George R. R. Martin tem um problema sério com os livros pares, fato que se confirma de vez em O Festim dos Corvos. Mas isso é assunto pro futuro. Por enquanto, uma análise dos núcleos desse ano 2, com evidentes SPOILERS.

    Em Porto Real, o protagonista indiscutível (ao menos no livro) Tyrion esteve por cima da carne seca. Enviado pelo pai, o fodão-mor Lorde Tywin, para ser a Mão do Rei, o Duende teve que se virar pra organizar um pouco as coisas. Entre o Rei mais imbecil, despreparado e leite com pêra que os Sete Reinos já viram, e sua mãe ainda mais tola e inútil do que no livro, tarefa ingrata. Como tempo urge, pouco se viu das várias reuniões do conselho onde questões gerais do reino são debatidas. O foco foi mesmo em gerenciar a cidade e os preparativos pro ataque iminente de Stannis. Peter Dinklage mais uma vez deu show em todas as cenas que apareceu.

    Também na capital, a personagem mais insuportável, insossa e sansa: Sonsa. Ah, vocês entenderam. Problema sério aqui: se no livro a utilidade dela é basicamente termos a visão do que acontece neste núcleo, na série isso acaba sendo desnecessário. Então uma personagem já fraquíssima se enfraqueceu ainda mais. Não deu nem pra sacar por que ela insistiu na atitude besta de “eu amo Joffrey e está tudo bem”, isso no livro fica mais bem explicado. Sansa não é esperta e ativa como a irmã, pois engoliu toda educação de lady que lhe foi passada. A cortesia é, então, sua única arma pra sobreviver naquele ninho de cobras.

    Falando na Arya, ela é uma das personagens que chamo de “pé na estrada”. Em todos os livros, sempre tem alguém viajando pelo reino, a utilidade é mostrar os efeitos da guerra por todos os cantos. Mas esta storyline sofreu bastante com os cortes e aceleradas. Já de início, a batalha em que Yoren morre (que no livro é um mini-cerco a um castelo) teve sua grandiosidade apagada pra um simples ataque noturno na floresta. Depois, em Harrenhall, também pouco se trabalhou na crueldade com que as tropas Lannister agiram contra as aldeias da região dos rios, e menos ainda se mencionou Beric Dondarrion e a Irmandade. As várias interações entre a menina e Tywin (inexistentes no livro), mesmo que tenham rendido cenas interessantes, geraram muita expectativa que inevitavelmente resultou em nada de nada. Por outro lado, tudo relacionado a Jaqen H’ghar atendeu as expectativas, sendo a melhor coisa desta subtrama.

    Ainda nos Stark, Bran pouco apareceu, como era previsto. Entre ser o lordezinho de Winterfell e uma leve introdução aos Sonhos de Lobo, aspecto mais interessante desse personagem, não havia muito pra onde ir com ele ainda. Sua participação será mais ativa na próxima temporada. Catelyn, outra da categoria “pé na estrada”, no início serviu pra vermos a corte de Renly Baratheon, um cara que honra o símbolo da sua Casa. Mas como ele acaba morrendo logo de cara (única morte relevante da temporada, e eu avisei que tinha spoiler), essa parte serve mesmo pra apresentar/situar personagens que serão explorados mais a frente, como Margaery e Loras Tyrell, além de Brienne de Tarth.

    Esta última, aliás, vai protagonizar uma das partes mais surpreendentemente legais da próxima temporada, ao lado de Jaime Lannister. Pois Catelyn, na sua dor mãe, acaba libertando o Regicida pra tentar reaver as filhas. Esse plot acabou sendo antecipado, o que foi uma boa, pois assim vimos mais de Jaime. Quem pensava (como eu) que ele era só um vilãozinho vazio e unidimensional, já começou e ainda vai se surpreender muito. Na  minha opinião, é com ele que Martin mais se revela MESTRE (ou meistre, hehehe) no quesito desenvolvimento de personagens.

    Voltando a Catelyn, no livro é somente através dela que vemos Robb, e na série sabiamente o Rei do Norte assume o centro das atenções em seu próprio núcleo. Não pra reclamar das batalhas não serem mostrada, pois no livro é do mesmo jeito. Porém, pecou-se em não explorar praticamente nada dos conflitos internos das tropas nortenhas, dedicando este plot quase que exclusivamente ao romance. Com uma personagem, que nos livros, é OUTRA. Mas o objetivo disso permaneceu o mesmo, fazer o Jovem Lobo trair a promessa feita aos Frey, o que trará conseqüências terríveis.

    Um personagem que teve muito mais destaque do que o esperado foi Theon Greyjoy. E isso acabou sendo ótimo, pois todo o núcleo das Ilhas de Ferro ficou muito bem caracterizado. Os caras são os vikings de Westeros, pô! Theon foi mais humanizado, sim, mas o que muitos encararam como uma descaracterização, prefiro enxergar como um enriquecimento da história. E o ator esteve muito bem ao retratar um merdinha que se acha o Senhor Fodão.

    Por outro lado, Davos, um de meus personagens preferidos, teve sua importância diminuída. Se no livro ele é a única visão que temos da corte de Stannis, a série resolveu simplificar, focando em Stannis e Melisandre (em cenas que Davos não estava presente) e explicitando de vez coisas que o Cavaleiro das Cebolas só podia suspeitar. A Mulher Vermelha ficou muito bem caracterizada, méritos inclusive pra atriz, mas foi uma pena ver pouco da interessante relação de respeito mútuo entre Davos e seu Senhor.

    Além da Muralha, Jon Snow teve sua subtrama retratada com bastante fidelidade. Sem muito a discutir aqui, pois foi tudo uma grande preparação pra próxima temporada, quando o bicho vai pegar gloriosamente nesse núcleo. Jon é sem dúvida um dos personagens mais cativantes nos livros, pois sua jornada (do herói) é bastante movimentada e épica. Pena que na série, a cara de bunda do ator acabe comprometendo um pouco. Há que se destacar aqui, a fotografia fantástica de todas as cenas, filmadas na Islândia.

    Por fim, Daenerys e seus mini-dragões. Uma coisa que me divertia muito na temporada passada era ver as pessoas comentando e se preocupando com detalhes da cultura dothraki. Agora acho que ficou claro pra todo mundo que nada daquilo importava de PORRA NENHUMA, pois o foco sempre foi na Mãe dos Dragões. Ela continua sua evolução, percebendo que não é por ser a legítima herdeira do Trono de Ferro que alguém vai dar mínima pra ela. Principalmente do outro lado do Mar Estreito, na rica cidade de Qarth. Seu grande momento, o final na Casa dos Imortais, foi um tanto decepcionante. Tudo bem que essa passagem do livro era inadaptável (pra quem não sabe, é uma série de visões, uma mais doida dorgas mano do que a outra), mas creio que simplificaram DEMAIS as coisas nessa parte. Enfim, a storyline de Dany é outra que vai ser incrível na próxima temporada.

    As expectativas pro ano 3 da série são enormes. A saga chega ao seu melhor momento, o fodaralhaço A Tormenta de Espadas. Os produtores já declararam que nem todo o livro será mostrado na terceira temporada, decisão mais do que acertada, afinas são quase 900 páginas de pura epicidade, onde tudo é importante e não há enrolação. A adaptação fica mais difícil do que nunca, mas a HBO já provou estar à altura do desafio. Só nos resta aguardar e confiar.

    PS: George R. R. Martin, seu velho maldito, faça o favor de parar de ficar roteirizando episódios pra série e vai logo terminar os dois livros que faltam, por gentileza.

    Texto de autoria de Jackson Good.