Resenha | Astral Project: Sob a Luz da Lua

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O mercado brasileiro de mangás encontra-se há muito estagnado. Seja pelo pouco interesse das editoras em sair de sua rentável zona de conforto ou pela mudez do consumidor, é inegável que a situação atual pouco diverge de dez, onze, doze anos atrás, nos primórdios desse mercado. É triste constatar que, passado tanto tempo, ainda não se estabeleceu dialogo entre publico e corpo editorial. O colecionador vê-se preso a um segmentado catalogo de títulos, podendo pouco ou nada fazer para expandi-lo.  Por essas e outras, é raro ver algo que fuja dos padrões do mercado chegar às bancas. Qualquer obra pouco conhecida ou de proposta atípica é uma aposta que, vez ou outra, as editoras dão-se ao luxo de fazer. Astral Project – Tsuki no Hikari, lançado pela editora Panini no primeiro semestre de 2011 com o título Astral Project: Sob a Luz da Lua, é uma dessas apostas sazonais.  E, para deleite dos leitores ávidos por bons títulos, a aposta mostrou-se acertadíssima.

Um jovem que sobrevive em Tóquio prestando serviços para a Yakuza, atuando principalmente como motorista e segurança de prostitutas de luxo, repentinamente descobre que sua irmã foi encontrada morta no interior do Japão. De volta às origens, o protagonista, Masahiko, evitando contato com a família a qual odeia, apanha no quarto da falecida, como lembrança, um misterioso CD. Este disco, provavelmente o ultimo por ela apreciado, consiste numa coletânea de faixas de jazz.  Ao ouvi-lo pela primeira vez, Masahiko é tragado para fora de seu corpo, e, através desse estranho fenômeno de projeção astral, uma nova e perturbadora realidade surge diante de seus olhos.

Suspeitando que sua irmã não tenha morrido, mas deixado o corpo por meio do obscuro CD e não retornado, o protagonista parte em busca da verdade. Adentrando mais e mais no meio underground da área urbana mais populosa do mundo, permeado por mentiras e enigmas, Masahiko descobre, ao longo dos quatro volumes em que narra sua jornada, que esse mistério está ligado a um projeto bélico de proporções inimagináveis, intitulado Astral Project. Porém, mais importantes que a conspiração global desenvolvida, é a introspecção por ela ocasionada, que leva o protagonista a redescobrir sua natureza.

A preparação de terreno para a agradável surpresa que é ler esse título começa já na capa, onde nomes que compõem uma dupla completamente desconhecida encontram-se registrados.  O traço estilizado de Syuji Takeya, artista que tem no curriculum apenas essa obra, pode incomodar alguns; abusando do uso de sombras e feições obscuras, o ilustrador novato constrói habilmente o soturno cenário contemporâneo em que a trama se desenrola. No entanto, o instigante roteiro formulado por marginal, que prende o leitor da primeira a ultima página, é o grande trunfo de Astral Project. Tão surpreendente quanto as boas arte e história é descobrir que por trás do incomum pseudônimo do roteirista encontra-se Garon Tsuchiya, renomado autor de quadrinhos adultos responsável por Oldboy, que originou o cultuado filme homônimo do sul-coreano Park Chan-Wooke venceu o Eisner Award na categoria “Melhor Edição Americana de Material Internacional” no ano de 2007.

O trabalho reflete a atração e inegável habilidade de Tsuchiya com histórias detetivescas, tal qual seu gosto musical – representado pelo genial e incógnito saxofonista Albert Ayler, o “espirito santo” do free jazz, figura de suma importância para o desenrolar dos fatos. Em uma trama intrincada, beirando o confuso em certos pontos, Astral Project: Sob a Luz da Lua é um suspense competente, que, embora deixe algumas dúvidas, revela-se, ao lado do arrebatador Homunculus, de Hideo Yamamoto, como uma das mais acuradas escolhas já feitas pela editora Panini em sua trajetória pelo mundo dos mangás.

Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

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