Um “filme de terror” requer novos critérios para acompanhar esses novos tempos, em especial critérios de comparação com outros do gênero. Na tradição mais básica do movimento, o medo se manifesta em saltos quânticos de terror e compaixão, seja pela arte do susto ou de um gênero fadado ao fascínio de uma plateia que paga, que devota tempo (e fé na arte) para sentir na pele uma experiência amedrontadora que pode – ou não – ser a exceção em relação a quantidade de filmes ruins de terror lançados nos últimos anos. Hoje em dia, em tempos que um curta-metragem como Lights Out de 2014 é a tal da exceção, assustando mais que boa parte dos longas.
Tal forma de avaliação vem sendo o terror de críticos ao redor do mundo, com medo de se distanciar do material e acabar incorporando simetrias perigosas não ao pensar, mas ao sentir: Ora, se o critério principal de uma comédia é se ela nos faz rir ou não, um filme de terror tampouco cumpre seu papel se não nos perturbar, chegando ao ponto de fazer nossa criança interior dormir com as luzes acesas. A comparação ganha pontos na crítica neste sentido, pois se os outros ‘monstros’ de Hellraiser já tiraram o sono de muita gente, e é também isso que o torna um bom filme, o que as criaturas de A Maldição da Floresta conseguem fazer conosco?
Apologia a violência e vulgarização dos seus mitos já era algo esperado, enquanto o filme de Corin Hardy chega à beira da banalização como tantos outros exemplos recentes no Cinema ao se distanciar, cada vez mais, do horror expressivo e contido que o Nosferatu de F. W. Murnau carrega, neste exemplo bem básico, cuja omissão de elementos antes da hora do showtime só aumenta o nosso horror presenciando o fúnebre vampiro! Num filme bem mais explícito, sangrento e cheio de vísceras como A Maldição da Floresta, mais é sempre mais, pois o exercício do olhar é reinante e o contrário apenas afasta a história de seu propósito original: Chocar! Impressionar!, e é apenas isso que os monstros aqui nos produzem: Zero empatia e muita exclamação!
Nota-se, porém, antes de exibir seus monstros (um bando de zumbis cor-pastel que parecem uma massa de pão derretida) a obra produz muito mais calafrios do que quando, de fato, os expõe: Sinta como o cenário e a luz opaca, na cena das fotos no jardim, nos faz sentir que algo pode pular a qualquer momento, de qualquer lugar, brincando com o lado horripilante da construção audiovisual da expectativa num filme que não trai seu gênero, respeita (de forma barata) seus elementos e nos impõe receio pela escuridão. Tudo isso, pelo menos, antes do mais banal dos finais.
Contudo, sabotamos a necessidade de comparação com outros filmes, a partir de agora, com uma ótima frase do mestre Eduardo Coutinho que sempre vem a calhar, em especial num filme de horror/terror/suspense: O que é invisível não deve ser mostrado (uma paráfrase do mestre brasileiro, na verdade, com a frase de outro pensador europeu). O que vale, então, na arte do escancarar? Do tudo ao nada, o trash e o terrir sempre acharam berço e acolhimento no exagero do sangue jorrado, na marginalidade sem medo de rasgar esse medo e tocar sua fonte. O escancarar, aqui, é preciso e valorizado, mesmo se pensarmos brevemente. Porém, nota-se como o desenvolvimento da história, nesse filme, é traído em partes pela enorme responsabilidade de assustar livremente, e duma forma como só um filme não-comercial consegue assustar (vide Encarnação do Demônio), o que não é o caso aqui.
É claro que o relacionamento de uma família que se muda para uma floresta e começa a ser atormentada por demônios que vivem no local poderia ser mostrado de forma mais sofisticada se o tempo na tela, da relação entre eles, enriquecesse a trama, e não o contrário – apenas nos importamos com a família quando começam a ser submetidos à influência maligna dos monstros, o que jamais deixa de ser um tiro no pé da dramaticidade almejada. Pai, mãe e bebê entram numa espiral de carma, correria e gritaria que só nos assusta porque nos importamos mais com o bebê que com a ameaça dos ‘zumbis’. Uma forma mais que garantida de manipular as nossas fundações éticas e nossos níveis de tolerância com o drama alheio, tudo em torno de uma recepção artística.
E mesmo quando, no caso, os artistas não reconheçam o poder do gatilho que têm em mãos. Hardy dirige sem dificuldades mais uma página do terror e torna-a despretensiosa, entendendo em partes o que a história precisa, e fazendo um filme que agrada os fãs menos exigentes do gênero, já que boas cenas aqui e ali dão conta do recado. A concepção de medo nos é apresentada de forma regular, até certo ponto, quando o filme tenta entender seus demônios, e assim, perto do fim, tira seu mistério, seu fascínio; desmitifica-os, e isso, A Maldição da Floresta nunca poderia fazer. O que a obra representa na sua arte? Mais uma página, um tanto dispensável, é verdade, de um livro com outras páginas (e capítulos!) bem mais saudáveis a quem se importa com o que consome.