Na década de 70 a televisão chegava aos lares nordestinos. Casas de famílias abastadas eram cobiçadas pelo fato de possuírem o aparelho que, assim como em escala global, modificou o entretenimento no interior do Ceará. A mudança vinda com a chegada da televisão parecia tão definidora que políticos utilizavam o aparelho em suas campanhas como forma de conquistar o povo. Diante desta novidade, o cinema parecia ameaçado por esta revolução.
Reverenciando a sétima arte, Cine Holliúdy narra a saga de Francisgleydisson, um brasileiro resiliente, casado, pai de um menino, e que viaja de povoado a povoado Ceará adentro exibindo diversos filmes para um público variado. A história é considerada a primeira a ser falada no dialeto local, o cearês, o que justifica a exibição de legendas no longa-metragem para o público que desconhece o sotaque. Ao utilizar uma linguagem local, a produção demonstra a pluralidade de pronúncias regionais do país, enriquecendo uma trama que se torna universal por meio da paixão ao cinema, dando ao público maior imersão nesta realidade.
Como um projetista itinerante, o personagem central e sua família carregam consigo parte da representação da sétima arte. São os fornecedores do momento em que a realidade entra em suspensão e a atenção e foco estão centrados num espaço em branco capaz de contar qualquer estilo de história. Dentro de um estado ainda rudimentar em relação à urbana região sudeste, o cinema representa a quebra da rotina, uma fuga que abre outra janela diferente da observada dia a dia. Mesmo sentindo-se uma relíquia em tempos do surgimento televisivo, o personagem prossegue em sua profissão, como uma sina, uma luz que leva ao povo o divertimento e uma pílula de cultura.
Ao mesmo tempo em que dialoga com muito carinho sobre a experiência cinematográfica, a narrativa demonstra o quão transformadora é esta jornada para o público. Mesmo que momentaneamente, as cidades se modificam após as sessões de exibição de aventuras variadas: chineses que desejam vingança, lutadores melhores que Bruce Lee e, quando calha do velho projetor falhar, surge em cena o próprio Francisglaydisson para acalmar os ânimos e, como um contador de histórias orais, prosseguir a narrativa.
A cena em que o ator Edmilson Filho relata as futuras cenas do filme que era exibido, não fosse um problema no projetor, é talentosa e demonstra o amor do personagem pelo cinema, ao mesmo tempo em que traz comicidade pelas imitações exageradas. Como se a produção rompesse a barreira entre o público e se transformasse em um diálogo entre amigos cinéfilos que repassam as melhores cenas assistidas. Tentando salvar a noite do fiasco, o próprio projetista se transforma na ação central e sintetiza a força da arte e do cinema como comunicação.
Ao demonstrar o conflito entre a televisão e o cinema e a força da arte, a produção conseguiu destaque também fora das telas. Mesmo com poucas cópias em exibição, conseguiu uma excelente média de bilheteria, ultrapassando números de blockbusters em relação à quantidade de público x cópias em circuito. A obra comprova o bom momento vivido pelo cinema brasileiro e evidencia – como muitos outros veículos destacaram – que é possível contar histórias sem o uso da nudez de atores, um onipresente background político-militar ou a utilização da estética da pobreza para contá-las. Uma bonita narrativa cinematográfica made in Ceará.
Nossa mano, pára. Acabei de ver isso e mais parece uma mistura novela da globo com zorra total. Os estereótipos estão todos ali, e a nostalgia do cinema de rua é muito bobinha, não traz nenhuma reflexão além. Só salva a atuação do principal mesmo. Nordestino ser caricato pelo sotaque já deu né.
Parte da reflexão da nostalgia de um cinema itinerante o Thiago acabou de trazer, Fábio. Essa parte do filme está longe do patamar de bobo, pelo contrário, dá margem a outras interpretações diversas.
O caricato e o sotaque é que são o grande diferencial do filme em uma produção de cinema cada vez mais industrializada e pausterizada pelas comédias da Globo Filmes. É totalmente diferente.
A nostalgia do cinema feita em formato televisivo? Colocar atriz carioca pra fazer nordestina? Abusar dos estereótipos do gay afrescalhado, do gordo comilão, do político ladrão, da mina safadinha? Se estivesse no Zorra Total, ninguém falaria nada.
Eu achei interessante a princípio pela linguística das falas, mostrar um dos sotaques do país explicitamente sem parecer um estrangeiro. Isso dá uma imersão no universo. Em relação aos esteriótipos, tem razão. Mas esteriótipo está presente em quase tudo no humor. Acho que o que diferencia o uso aqui de outros como o Zorra é a maneira com que se faz isso. No filme vejo os esteriótipos / tipos para representar pessoas de uma mesma cidade. Pra mostrar em parodia que não importa a cidade vai ter um certo tipo de gente parecida. Dai que vem o humor deste esteriótipo que já considero agressivo em alguns quadros do Zorra que tu citou.
Claro que o estereótipo está no humor, a questão é como se usa isso. Vai dizer que o personagem gay do filme não foi minimamente ofensivo e exatamente do mesmo jeito que é retratado nas novelas ou outros programas da Globo? E o filme até poderia ter traçado outro caminho. o fato de ele homenagear o teatro dentro do cinema com a atuação final até foi interessante, mas aqueles cortes em close para cada personagem falar uma frase/piada/bordão é muito Zorra. Não desce.