A sensibilidade de Gus Van Sant já rodou o globo e faz tempo, mais de dez anos. O cara toca projetos com mãos de fada e satura o lado racional de cada um até não sobrar nada, senão o suprassumo de uma carga emocional plena e linear, território que conhece como poucos na tarefa de traduzir vibrações em narrativas. O âmbito da matemática, ciência exata, todavia, não é frio nem quente, mas indiferente a todo um mundo relativo e cheio de fatores que não podem ser expressos por números, e é justamente no abismo entre o exato e as reviravoltas da vida – que não podem ser pré-calculadas – que o diretor de Elefante encontrou um grande desafio para ser o que é. No caso, um coração forçado a usar uma régua para medir o que sente. Não é justo.
Will Hunting é um geniosinho arrogante e irritante (“Smartass”, em inglês) na pele de Matt Damon, um Damon inspirado como nunca mais viria a ser, sob o manto, que incorpora com prazer, de um cara de 21 anos perdido na vida, nos desejos e no entorno do próprio umbigo. É quase um Mark Zuckerberg que curte falar besteira e dançar em balada, de postura descolada enquanto analítica na onisciência que presume ter. Mas Will é o corpo divisível de Gênio Indomável, uma estrutura que se move na direção de diálogos bem construídos e de situações insubstituíveis, na tentativa de criar uma realidade que Gênio ao menos consegue nos convencer sobre, mas jamais nos preencher com ela.
Na odisseia de um escravo do próprio intelecto acima da média, feito Ozymandias em seu habitat natural na gélida Antártida, Gus transmite-nos ideias através do amor de quem inventa uma nova teoria física, e nos incentiva a prestar atenção no que ocorre nos corredores de Harvard com esta mesma emoção. Van Sant faz até parecer que foi fácil, e isso é tão admirável quanto a implicância do bater de asas de um canário e uma tempestade, a léguas de distância.
E é por isso que a amizade de Will com o analista Sean Maguire é peça-chave na trama, espécie de A Rede Social sem a visão técnica, mas com metade do raciocínio lógico de um David Fincher – o resto é inteligência emocional. Robin Williams, sendo em pessoa tudo o que o filme poderia ser, numa alusão aqui à composição de Milton Nascimento, faz o coração que completa o amigo, o qual só calcula perdas e danos, sendo a figura do analista a mais interessante e rica de reflexões, num filme de ótimas intenções e que se apega a nenhuma delas para decolar em suas verdades. Gus Van Sant esqueceu de levar seu filme a sério, pois este habita o campo minado da batalha particular de um artista, onde Lolita habitou em Stanley Kubrick um dia.
Contradição: se Gênio Indomável consegue ser laçado apenas pela maturidade de um cineasta ainda em ascensão, na época, mesmo pontuado pelo veterano Williams, por onde então entra ar nesse pastel? Vencedor do Oscar de roteiro original, o filme perde claramente seu rumo na segunda metade, quando corações e mentes são subestimados no poder de integração, e a história perde grande parcela de seu fascínio na perda de suas harmonias. Se filmes são equações, a força do Cinema, então, não é proporcional aos efeitos que reproduz.