A cinebiografia da atriz Linda Lovelace começa como uma reconstituição de Deep Throat – o clássico Garganta Profunda. A narrativa é lotada de flashbacks e mostra o começo dos anos 70, com a protagonista posando de puritana e pudica, avessa a práticas sexuais bastante comuns como o sexo oral.
Para quem não conhece a história por trás de Linda Boreman – nome civil da estrela – mergulhar na intimidade desta é interessante, ainda que essa imersão seja superficial. A temática é adulta e até tenta ludibriar o espectador apresentando algumas cenas de nudez, mas sem sensualidade ou apelo erótico algum, mesmo tendo em Amanda Seyfried sua protagonista – que está bem mais sexualizada em Garota Infernal de Diablo Cody. A cena em que ela prova o seu “talento único” pela primeira vez deveria ser épica, mas passa batida, o que não condiz com a filmografia anterior de seus realizadores, Rob Epstein e Jeffrey Friedman, que em outros tempos, documentaram grandes avanços no que tange a exploração de sexualidade.
A questão de optar-se por pouca sensualidade é claramente proposital, afinal esta é a versão de uma Linda Lovelace aposentada e atormentada, mas a abordagem peca nesse aspecto também. O erro do longa começa pela premissa, que é forçada e chapa-branca.
Sobre as caracterizações, há também um sem número de problemas, e pouco vale destacar. Chuck Traynor, esposo de Linda, é retratado num primeiro momento como um sujeito preocupado com a integridade de sua parceira, já na segunda parte, onde ocorre uma virada no roteiro, ele é mostrado como uma pessoa violenta e interesseira, que maltrata a pobre mulher, como o próprio diabo, para no final encarnar o cão arrependido, sem maiores justificativas no roteiro ou apelo dramático, por parte de Peter Saarsgaard, seu intérprete, é tudo muito jogado na tela. Seyfried não é uma atriz ruim, é bonita, tem belos seios, mas não passa a canastrice de Lovelace em frente às câmeras, ela não consegue usar a máscara de atriz sem o mínimo de talento, e tampouco sensibiliza o receptor nas cenas mais fortes.
A narrativa não-linear parece ter sido escolhida mais por estilo do que por necessidade. As atrocidades a que a protagonista é submetida só são explicitadas após a mudança radical pela qual ela passa. O moralismo materno a empurra de volta ao seu agressor. Talvez esse seja um dos poucos pontos fortes do filme, a relação com os pais. Sua mãe é o autêntico avatar do conservadorismo, enquanto o pai protagoniza a única cena que passa perto de emocionar, onde Bob Patrick espreme o pouco talento que tem a fim de tentar resgatar sua filha daquela “vida bandida”.
O roteiro é completamente parcial – a favor da atriz. Friedman e Epstein passam longe de causar comoção no público, falta sinceridade, intensidade e visceralidade, especialmente nas cenas picantes. Toda vez que o filme parece engrenar tira-se o pé do acelerador, a câmera parece correr o tempo todo com o freio de mão puxado. Mesmo próximo ao final quando a editora aceita a biografia de Linda, o fato não provoca nenhuma sensação, quando deveria ser um ponto de empatia instantânea.
As últimas cenas contêm um caráter redentor e cor de rosa, que não poderia estar mais longe da realidade vivida pela “vítima”. A história omite inclusive o retorno decadente da personagem principal a indústria de produtos adultos, e como dito acima, não vale sequer pelas cenas de nudez – que são de uma beatice ímpar – Lovelace poderia ser excelente, e não é mal filmado, mas carece de alma, substância e conteúdo relevante.