Biografias de figuras ligadas ao cinema tem sido algo comum no mainstream. Hitchcock e The Girl falaram cada um de um aspecto do mestre do suspense Alfred Hitchcock, bem como Capote e Confidencial mostraram a intimidade do roteirista de Bonequinha de Luxo ao pesquisar para um novo livro. O Formidável tem uma pretensão que aglomera características de tais filmes, ao retratar a figura de Jean-Luc Godard (Louis Garrell), principal símbolo da Novelle Vague e do cinema francês de sua época.
O diretor Michel Hazanavicious (O Artista) se baseou no livro autobiográfico Un an après, da atriz e ex-esposa de Godard, Anne Wiazemsky. A história se passa logo após o diretor francês lançar o filme A Chinesa, protagonizado por Anne, interpretada por Stacy Martin. O começo de longa se dedica a remontar os pensamentos ideológicos caros ao diretor considerado unanimidade perante crítica e público cinéfilo. Tal pensamento se fundamenta em duas vertentes: a primeira, a teoria marxista, a segunda o desejo de morrer jovem, sem ter a oportunidade de se tornar velho. Tal junção de ideias é curiosa, por simplesmente não casar entre si. Essa confusão é bem exemplificada pelas piadas metalinguísticas ligadas a obediência dos atores, que se colocam na posição de se auto denegrir.
A figura pintada em torno de Godard é a de um sujeito bufão e o centro das risadas jocosas. Seu comportamento é estereotipado, como uma caricatura pintada por um autor que leva pouco em conta as qualidades do homenageado. Todos os comentários elogiosos estão nas bocas dos personagens periféricos, e não nas atitudes registradas pela câmera, fator que soa curioso, uma vez que a carreira e figura do diretor de Acossado é quase irrefutável para toda a atual geração de cineastas franceses, incluindo ai o condutor deste Formidável.
Como havia sido em Ninfomaniaca, a nudez de Stacy Martin acaba tendo um papel importante na dramaturgia do filme, ainda que o motivo para tal seja muito diferente da duologia de Lars Von Trier, sendo aqui um artigo metalinguístico, que brinca, principalmente, com as discussões que Jean-Luc propunha sobre o uso ideológico do nu, ao seu ver, fato desnecessário. Até essa pequena questão serve para se fazer comentários a respeito da moralidade do personagem principal, uma vez que Godard é mostrado normalmente como um sujeito egocêntrico, frustrado e controlador, inclusive em seu relacionamento. Seu ciúmes serve, basicamente, como desculpa para seu bloqueio criativo, uma vez que ele não consegue mais filmar nada.
Todas as tentativas de fazer um filme novo resultam em fracassos. Em alguns pontos, até o engajamento político do herói da jornada parecem justificar o fato de não conseguir entregar um produto novo. Ao ver suas obras meramente como produtos, o diretor se reconhece como um sujeito burguês, distante do proletariado que tanto defende.
Godard não sofre de academicismo, mas ao longo dos 107 minutos do filme em que é tema, há um desenrolar dramático que o mostra basicamente como um sujeito que tenta ser um revolucionário, mas que está o tempo inteiro solitário na causa, mesmo quando está cercado por conhecidos. Basicamente, o diretor não teria com quem dialogar de igual para igual, não por uma questão intelectual, mas sim por ser um sujeito quase inatingível. Mesmo sua esposa parece pouco íntima do indócil cineasta.
Próximo do final, distante de seu par, a personagem passa a ter hábitos mais simples, manobrando agora ele próprio a câmera que usa para registrar os protestos, diferente da frieza com que conduz as cenas de A Chinesa, no início do filme. O retorno as origens de um cinema mais simples é apenas um ensaio, já que claramente não há nem uma evolução espiritual e ou política de sua figura, tampouco uma reconstrução de um estado mais humilde de sua figura.
Em O Artista, Hazanavicious tencionava trazer um retrato do que era o cinema mudo, resgatando clichês para mostrar uma história trivial e barata, que tinha por interesse retomar os primórdios do cinema. Bem ou mal seu intuito foi atingido e a obra se tornou uma história reverencial, já O Formidável não alcança isso, mesmo porque o seu foco é na visão de Anne sobre seu antigo marido. A carga de ressentimento traduzido frente as câmeras é tanto que parece deturpar a humanidade e falibilidade do personagem. Ao espectador desavisado, a produção é quase um desserviço, uma vez que traça um perfil de Godard resumida a um sujeito temperamental, mimado e vitimado de gracejos e piadas do roteiro.