O início do filme dirigido por Leon Gast é simbólico em percorrer localidades africanas, analisando através da câmera sua população majoritariamente negra: o reinado dos negros para os negros. Esses primeiros momentos resumem todo o cunho do documentário, que faria da luta entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, seu evento principal. Porém, a intenção é traçar a identidade do boxeador, antes conhecido como Cassius Clay, através de entrevistas antigas, imagens de arquivos de lutas anteriores, e, claro, falas do próprio Ali, que sabia definir a si mesmo de maneira poética, soando bastante lírico em cada conversa que tinha com a imprensa.
Quando Éramos Reis analisa a postura do nada discreto lutador, que costumava agir como uma máquina de lutar reunindo beleza e verborragia dentro e fora dos ringues, ao menos aos olhos do entrevistado Spike Lee. A investigação do filme envolve o caráter dúbio do boxeador, mergulhando tanto na idolatria dedicada a ele, por seu um esportista negro bem-sucedido, quanto na antipatia recém adquirida por parte do público após o esportista ter professado a religião islâmica.
Na viagem em direção ao país africano, Ali destaca a péssima abordagem que o cinema em geral faz dos africanos, mostrando-os como selvagens ou servos de Tarzan, e outros tantos heróis brancos. Seu argumento é de que o seu povo é inteligente o suficiente para conseguir falar inglês, francês e suas línguas nativas, enquanto parte dos americanos mal fala seu idioma local de maneira correta. Apesar da fala ser anedótica, faz bastante sentido e se torna ainda mais flagrante quando ainda há discursos inflamados de ativistas lutando pela igualdade de direitos entre as raças.
Foreman não entendia a rejeição que sofria por parte dos africanos, e argumentava que sua pele era até mais escura do que a de seu adversário. O pugilista não tinha a consciência da diferença de postura que ambos tinham, nem associava o fato óbvio de que a empatia se dava muito mais por ideal do que por técnica de luta ou cor de pele. A luta entre os dois foi emocionante e seria ainda mais grandiosa, não por motivos de desporto, mas sim por todo o ideal que ela trazia nas entrelinhas e contexto de soberania de um povo comumente massacrado e relegado à posição subalterna.
Quando Éramos Reis não peca em informação, mas é muito mais um registro emocional do que documental, uma ode à vida e à carreira de ícones como Martin Luther King Jr., Malcolm X, Muhammad Ali e demais personalidades provindas das camadas mais carentes dos Estados Unidos, mostrando o apogeu de um ídolo que alcançava o estrelato não só na área em que era especialista, mas também no campo ideológico.