A estreia de Homero Olivetto como diretor é bastante curiosa. Seu background é como roteirista, e sua obra mais conhecida anteriormente era Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini. Reza A Lenda tem uma ligação extrema com o filme já citado, não em temática, mas em produção, já que Baldini é um dos produtores do longa-metragem. A comparação mais justa é com o recente Dois Coelhos, de Afonso Poyart, no sentido de tentar emular uma estética pouca vista no cinema nacional e utilizada sem restrições no cinemão comercial. O roteiro de Olivetto, Patrícia Andrade e Newton Canitto explora o estigma de uma terra sem lei, onde há uma temível luta por sobrevivência por parte de um grupo de jovens que busca trazer a chuva para as áridas paisagens do nordeste interiorano brasileiro. Segundo o mentor e líder Pai Nosso (Nanego Lira), baseado em profecias antigas, as torrentes de água só viriam por meio de um milagre, de uma santa localizada em um ponto desconhecido, sabido somente por um mago do deserto chamado Galego Lorde (Júlio Andrade). A missão de Ara (Cauã Reymond) e seu grupo de motoqueiros é intervir junto ao bruxo e seguir as estranhas instruções dele.
A gravidade está na posse do ídolo, uma vez que o artigo é um souvenir do poderoso coronel Tenório (Humberto Martins), um tradicional manda-chuva da região, violento e autoritário ao extremo. Durante o percurso da jornada, o grupo de motoqueiros que acompanha Ara se vê em posições complicadas, repletas de contravenções, raptos e atos de moral discutível. Nesse ínterim, eles tomam como refém a jovem e bela Laura, vivida por Luisa Arraes, o que causa ciúmes na personagem de Sophie Charlotte, Severina, mulher do líder do bando.
A ambientação no sertão nordestino e o figurino de maltrapilhos dos personagens fazem o longa ter algumas semelhanças imagéticas com a franquia Mad Max, comparação essa fortificada pelo clima apresentado no trailer. Já nas primeiras cenas de ação o estigma é contrariado, uma vez que a situação de caos não parece ser global, e sim localizada em um pequeno trecho daquela paragem, fazendo daquele lugar quase como uma pátria independente, esquecida por Deus, pelas autoridades e pelos forasteiros. A boa intenção de produzir tal isolamento esbarra num montante de sotaques mal construídos, forçados ao extremo, parecidos com a multiplicidade inexistente no repertório de ator de Tony Ramos, maximizado e distribuído por quase todo elenco. Poucas atuações passam impunes a isto, exceção, claro, a Nanego Lira e Jesuíta Barbosa.
O longa consegue driblar a possível imitação barata produzida pela expectativa pré-filme, mas se perde em um amontoado de clichês e ideias bobas de argumento. A base dos problemas locais é real e a discussão poderia se aprofundar, mas não há harmonia entre o curioso modo de contar a história e a real problemática da região nordestina, que há anos sofre com o estado de secura e dificuldade de irrigação de plantações e demais instalações rurais.
Somente fugir do fiasco é pouco para um produção que buscava ser um diferencial no circuito brasileiro mainstream, no entanto a qualidade da fotografia e a direção de arte fazem salvar um pouco o todo de Reza A Lenda, que evolui o conceito de filme de gênero tentado por Operações Especiais, principalmente por não conter um sub-texto tão risível e preconceituoso. A trilha sonora prejudica também a imersão na história e o acréscimo do fator fé é mostrado de modo bobo, causando risos ao invés de gerar empatia no drama dos personagens. A direção de Olivetto é competente, o que gera expectativas sobre seus futuros trabalhos, fazendo desse o aspecto mais positivo da produção, sem dúvida, além é claro da atuação de Martins, Andrade e de Lira.