Diversas vezes o audiovisual e a literatura retrataram o crime perfeito, de Agatha Christie a Alfred Hitchcock, e os finais dessas histórias sempre trazem as melhores resoluções, Um Contratempo bebe muito dessas fontes e se torna um dos melhores suspenses do ano passado, mas por conta da ambição e do exagero escorrega no terceiro ato e o crime perfeito acaba perdendo o seu peso.
O filme, que é dirigido e roteirizado pelo espanhol Oriol Paulo, acompanha um jovem empresário que tenta provar para uma advogada especialista em depoimentos que ele não assassinou a própria amante. O suspeito é interpretado por Mario Casas de forma bastante sutil, o ator passa por vários cenários de cunho interpretativo e dá conta do recado, mas as pedras preciosas do filme são Bárbara Lennie, responsável por dar vida a vítima, e Ana Wagener, a experiente advogada, as duas entregam trabalhos distintos mas recheados de camadas muito complexas e imprevisíveis, no sentido de que suas personagens carregam muito em entrelinhas.
Entrelinhas essas que vão dando a Um Contratempo uma variedade de perspectivas, como o próprio longa gosta de firmar, é nos detalhes que se escondem as coisas mais importantes, e por isso um detalhe na narrativa leva a outro até que uma rede de versões, histórias e fatos se constrói, sendo o maior acerto de Oriol. A forma com que a trama vai ficando mais complexa a cada diálogo e como as personagens de Mario e Ana jogam um jogo quase palpável para ver quem é mais esperto, provam o excelente roteirista que Oriol é nesse trabalho.
O cineasta também tem bastante controle de mise-en-scène, a boa ambientação é proporcionada por uma fotografia engenhosa e uma trilha musical levemente ameaçadora, bastante coerente com o caminho que o filme leva. O problema, porém, aparece no começo do terceiro ato, se os dois primeiros são bem construídos e entrega boas surpresas, o diretor parece ansiar grandes revelações finais e acaba levando uma rasteira da própria ambição, ao tentar surpreender com um “sub-plot twist” a cada minuto a narrativa acaba deixando essas tramas sem respirar e de repente o final de Um Contratempo vira uma bagunça anti-climática e, mesmo que em baixos níveis, acaba desrespeitando todo o caminho apreciado pelo espectador até ali.
O ponto alto de um bom suspense é a relação criada pelo filme com seu espectador, mas infelizmente o novo longa do cineasta perde um pouco disso em seus últimos minutos, mas de jeito nenhum tira todos os méritos conquistados até então, construindo um bom suspense de camadas e tendo em seus personagens ótimas interpretações. Oriol tem talento e criatividade, restou aqui apenas uma filtrada, então fiquemos de olho em seus próximos passos.
–
Texto de autoria de Felipe Freitas.