Na mitologia grega, Prometheu é o titã apaixonado pela espécie humana que roubou o fogo dos deuses e o entregou à nos. Devido a isso, foi severamente punido por Zeus (que tinha medo de a humanidade se tornar tão poderosa quanto os deuses). Acorrentado por toda eternidade no topo de uma rocha, uma águia comia seu fígado que se regenerava no dia seguinte, quando seu calvário recomeçava. O fogo desempenha papel fundamental na história humana, sendo a luz usada como símbolo da engenhosidade e poder. Relacionando-se com os pilares que trouxeram o desenvolvimento da sociedade pré e pós industrial, o fogo é a descoberta mais importante da nossa espécie ao lado da roda e origem de nossas maiores tecnologias. Durante boa parte da história do cinema, o cientista é muitas vezes colocado no papel de Prometeu, como aquele que trará o fogo do conhecimento à humanidade, a vida, a autonomia e roubar o papel que os deuses têm no dia a dia, estando fortemente inserido no clássico literário Frankenstein: ou o Moderno Prometheus de Mary Shelley.
Aqui, a ideia é subverter uma questão irônica disfarçada na obra de Shelley: a confusão sobre quem é Frankenstein. O nome muitas vezes atribuído ao monstro é na verdade de seu pai e criador, Victor Frankenstein, e com isso nasce a pergunta sobre quem seria o verdadeiro monstro da história. O filme Victor Frankstein é bem menos complexo do que o romance original, que envolvia uma trama de acusações, romances, assassinatos, bem como uma criatura inteligente e letrada capaz de fazer frente à humanidade.
Construída por Victor Frankenstein e considerada tão repugnante por seu criador que fora abandonada por ele, “A Criatura” tinha por objetivo encontrar seu próprio mundo, já que do mundo dos seres humanos só conheceu a rejeição. Assassinando o irmão de Victor e o coibindo à construir uma fêmea para viver com ele, a história se envolve em diversas reviravoltas e um grande número de personagens. Boa parte desses elementos aparecem desvirtuados no novo filme, alterando seus propósitos e a linha do tempo.
Esta nova roupagem conta a história de Victor de maneira bastante energética (James McAvoy, em um excelente trabalho de ator, essencial para dar alguma substância aos bobos diálogos entregues à ele) correndo zoológicos e circos atrás de partes de animais para assim completar sua criação secreta. É no circo que ele conhece Igor (Daniel Radcliffe também muito bem, mas destinado à atuar em situações quase constrangedoras), criatura corcunda e rejeitada, até então sem nome, e que apesar de ser visto como ser repugnante, é dotado de extrema inteligência e empatia. Ao perceber suas habilidades, Victor decide resgata-lo do circo para assim lhe servir de escudeiro em seus experimentos. A partir disso, eles são perseguidos pelo inteligentíssimo e religioso investigador Roderick Turpin (Andrew Scott).
O próprio título já estabelece um recorte bem específico sobre a ótica com a qual contará sua história, mas em nenhum momento a discussão sobre a ética científica, o medo da ciência e do avanço da tecnologia que permeia questões sobre a existência ou não de um regente superior; além amizade; amor e honra são elaborados em cena. Todas essas são colocadas de maneira à manter Victor como o grande filtro da humanidade e com isso acaba perdendo toda a tese ao longo da jornada do herói e sua dicotomia com a vilania e loucura genial. Há ainda um número grande de personagens secundários que buscam aproximar esta versão do romance de Mary Shelley enquanto apresentam uma nova abordagem à esses elementos, mas que têm como resultado final apenas inchar uma trama que já se satisfaz em caminhos para seguir, porém carentes de substância.
Novamente o trabalho de ator serve para melhorar o roteiro do instável Max Landis — o qual anunciou em seu Twitter que o roteiro original era incrível e surpreendente, mas que na verdade não é – já é terceiro filme em que usa essa afirmação. A direção de Paul McGuigan lembra muito o trabalho feito por Guy Ritchie para Sherlock Holmes. Inclusive, o diretor já é conhecido por emular o estilo de Ritchie em seus outros filmes. A dinâmica e estética são as mesmas, e ainda que aqui os assuntos sejam essencialmente mais profundos, parece uma versão pior de tudo aquilo que já foi visto com esses personagens.
O romance original foi concebido numa época de profundas transformações tecnológicas e éticas da ciência da década de 1820, com as experiências de Orsted, a invenção do motor elétrico por Michael Faraday e a posterior unificação do eletromagnetismo por James Clerk Maxwell. As inspirações dos cientistas e experimentos da época são claras, pois no início dos experimentos sobre eletricidade havia o conceito ainda primário de que haveria algum tipo de eletricidade nos objetos e uma eletricidade biológica, esta última contida apenas em espécies vivas e que poderia ser reproduzida de alguma maneira. Foi desta forma que foi realizada a experiência com uso de rãs mortas presas às lanças de cemitérios em dias de tempestades. Durante a queda de descargas elétricas, as pernas das rãs se mexiam devido a geração de uma pequena corrente elétrica que atingia os terminais nervosos do animal gerando espasmos. Para testar mais e melhor esse tipo de hipótese, alguns cientistas usaram pedaços de corpos humanos.
Com todo um arco improdutivo e baseado em ignorância, com falas artificialmente ateísta e outras artificialmente deístas que obviamente visavam apenas provar o seu contrário para chegar em algum tipo insosso de meio termo sobre o papel da nossa espécie na Terra e dos mitos que criamos, Victor Frankenstein erra ao pensar ser genial aquilo que todos já elaboraram e acaba entregando um material que parece ser apenas um apêndice de referências. Quando ameaça alguma conclusão ou amarração de seus conceitos, o faz olhando para trás numa espécie de gancho para futuras produções. Uma obra problemática, que reforça ideias obscurantistas mesmo sem aparentemente querer fazê-lo, e com tantas dificuldades de compreender e encontrar seu papel quanto seus pobres personagens.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.
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