Aos 46 anos de idade, com mais de 30 filmes no currículo, além de peças teatrais, a notícia devastadora da morte de Philip Seymour Hoffman deixa a sensação de que o prolífico ator poderia muito mais. Nas telas desde a década de 90, Hoffman estrelou inúmeros papéis, a maioria coadjuvantes. Foi um dos alunos que prejudicou a carreira acadêmica de Charlie Simms, em Perfume de Mulher; caçou tornados em Twister; contemplou o talento imenso de Dick Diggler em Boogie Nights; foi um inusitado fonoaudiólogo para Robert De Niro em Ninguém é Perfeito; e, magistralmente, em um de seus pontos altos, interpretou o também magistral Truman Capote, papel que lhe valeu a estatueta dourada.
Personagens tão diversas que tinham em comum o talento do ator. Mesmo em papéis com pouco espaço em cena, Hoffman foi capaz de se destacar. Não há dúvida de que era escalado, mesmo para interpretações secundárias, por conta de sua solidez cênica.
Com sua morte, rondam as notícias sobre o vício do homem. Em demasia, repetem o legado brilhante. E, à procura de vender notícias, repetem mais uma vez a reportagem sobre vícios e drogas. Não importa. Philip Seymour Hoffman começou e terminou sua carreira da mesma maneira: um azarão sortudo em Hollywood.
Gordo, feio, de rosto macilento, Hoffman construiu sua imagem a tapas, longe do rostinho bonito e do corpo bem definido de muitos novos atores que perecem anos depois, mastigados pela falta de talento. Produção após produção, realizou uma linha constante de interpretações incríveis que, mesmo de personagens menores, impressionavam. Poucas vezes o astro teve a chance de vir a público como estrela central de seus longas, embora, em cena, parecesse sempre preparado para qualquer tipo de papel.
Há poucos atores contemporâneos que conseguiriam dividir uma produção com Meryl Streep sem sentir-se intimado. E Hoffman embate, de igual para igual, com a irmã Aloysius Beauvier em Dúvida. Em uma interpretação carregada de dualidade, abrilhanta a história centrada na fé e na credulidade.
Três anos antes, Hoffman alcançaria um novo patamar em sua carreira ao ser o alicerce de Capote. Interpretação que ultrapassa a construção de um personagem. Hoffman foi Truman Capote. Cedeu a voz de barítono para a prosódia preguiçosa e aguda do escritor. Penteou os cabelos para o lado e, a cada movimento do cabelo, expandia o ego do baixinho que, antes de escrever o livro que definiria novos estilos literários, afirmava para amigos sua potência como grande escritor.
O ator desaparecia em suas personagens. Como um azarão, que passa despercebido do público que assiste eventualmente a um filme, utilizava seu anonimato a seu favor. Afundando-se em interpretações que destacavam seu talento.
A marginalidade de Hoffman era tamanha que, ao buscar suas imagens pela internet, o que aparecem são fotos de premiações, tapetes vermelhos, além de imagens tiradas durante as produções em que interpretou. Poucas produções artísticas de revistas especializadas. Poucas fotografias encenadas mostrando o loiro barbudo e os óculos que o faziam observar o mundo. Philip Seymour Hoffman não era um ator com apelo para vender revistas.
A solidez de Hoffman se fazia nas telas. A cada papel, a cada investida cênica tão poderosa quanto bons golpes de direta de algum boxeador famoso. Foi em cada filme que o artista construiu sua imagem e ergueu a trajetória de talento que, aos quarenta e seis anos, desaparece graças à desistência do corpo em luta com as drogas. Fechando as cortinas da vida de um ator que sempre correu pelas beiradas e ainda tinha fôlego para alcançar distâncias maiores. Sempre pelo lado marginal.
Hoffman representou a antítese da indústria cinematográfica americana. O homem capaz de vencer pelo talento, não pelo rostinho bonito. Ao sair de cena, a despedida antecipada gera resistência. Como um vagabundo iluminado, Philip Seymour Hoffman viveu sua vida e, se na morte não encontrou a paz, cravou na história do cinema uma carreira sólida de personagens díspares, às vezes breves, vividos com a intensidade de um homem indomável.
Outro nível!
Excelente texto!!!
Realmente, o cara era muito foda mesmo no segundo plano dos roteiros…
Uma homenagem maravilhosa a este talentosíssimo rapaz que esteve pouquíssimas vezes na mira dos holofotes hollywoodianos de maneira muito injusta, diga-se de passagem.
Parabéns, Thiago.
Valeu, Aoshi!
. Desconhecido da grande maioria do público, exatamente por não ser um símbolo de beleza, mas um talento raro para interpretar qualquer tipo de personagem. Genial Hoffmann!