Ele ainda não era arte – não aos olhos de quem o assistia, e o via não mais do que mero divertimento, fadado ao limiar do tempo. O Cinema não ganhava C maiúsculo e não era levado a sério em 1914, mas já tinha arrumado a mala e se posto na estrada para ser. Griffith e DeMille ainda engatinhavam, com Chaplin mamando sedento no seio de todo o experimentalismo que marcaria a ascensão além-mar da sétima das expressões, tecnológica e grande enquanto teatro filmado no começo do século XX, mas sob a confiança daqueles que floresceram aos lados de uma câmera de filmar. Eis a memória reunida do que de melhor foi captado há um século.
Primário e interessante exercício das dimensões de uma câmera, do ofício de suspense através do ângulo de uma imagem, e da importância do cenário e do uso da trilha sonora no produto final.
Primeiro curta-metragem com Charles Chaplin, onde nos foi apresentada a figura de Carlitos. Despretensiosa e bem-humorada introdução ao símbolo do mito.
O filme que eternizou a cena da donzela presa nos trilhos do trem, como metáfora implícita de todo o machismo que permeia o filme como tema que move a história, aqui mascarado de ambição. Aula de como equilibrar drama e comédia em uma trama de reviravoltas constantes, numa escola clássica de Cinema.
Teste de elenco incluso numa narrativa empolgante de gêneros paralelos (drama, comédia e aventura), que através da direção de Curtis já tentava provar o potencial da montagem cinematográfica. É Cinema cada vez menos como teatro filmado ao ar livre.
Documentário (literalmente) primitivo de temática religiosa e evolucionista, e principalmente transgressora, devido a enorme iniciativa de uma produção de mais de 400 minutos, acerca da criação da vida no planeta Terra. Conhecido como o primeiro documentário a incorporar som sincronizado a um slide colorido de imagens históricas, biblicamente ou não.
Filmado em 1913, mas tendo sua estreia um ano depois, por motivos de pós-produção, provavelmente, foi um dos ensaios profissionais do lendário Griffith para realizar sua maior contribuição ao cinema, em 1915, O Nascimento de uma Nação. Já é possível atestar em Judith, contudo, a visão técnica que vira arte nas mãos do diretor, mesmo pontuada pela emoção e leveza de uma história de amor à moda antiga.
O primeiro projeto do diretor de Os Dez Mandamentos no cinemão, e exemplo de um dos primeiros faroestes da América, numa conflituosa história política, e também pelo choque da cultura britânica com a americana, com uma pitada de romance, talvez apenas para satisfazer o inocente e impressionável público da época. A montagem de B. DeMille em Amor de Índio, característica do ponto de vista dos personagens, foi extremamente copiada e aprimorada ao longo do tempo.
A falta de responsabilidade lógica na narrativa e na história, e as “proezas” de Chaplin e elenco, remetem de forma notória à Meliès, cineasta francês já reconhecido nos Estados Unidos. Divertidíssimo!
O primeiro épico do cinema e o mais famoso filme de 1914, a obra de Pastrone segue, cem anos depois, como uma das mais inacreditáveis estilizações e reproduções de uma realidade babilônica em larga escala para um filme, com a liberdade criativa de desconstruir as palavras do roteiro e se apropriar do poder lúdico e expansivo da imagem em movimento, em prol de uma inédita mitologia de um mundo novo, nada menos que admirável. Para os moderninhos compreenderem tamanho impacto artístico, Cabíria foi O Senhor dos Anéis de 1914, ainda que incomparável, é claro, em diversos fatores.
No mesmo ano de Amor de Índio, é notável a naturalidade, o criticismo, a sagacidade e a elegância das duas direções iniciais de B. DeMille, agora com o estilo do diretor começando a emergir, ainda em processo de conduta estética e narrativa. O filme tem muito mais tensão e interesse derivado da continuidade dos planos e sequências, criando uma história nada frágil e segura de si, com várias referências de Griffith para ajudar a criar as facetas da natureza do faroeste norte-americano, muito antes de John Ford virar sinônimo do gênero e um dos inúmeros discípulos dessas criações esquecidas, ou quase esquecidas, do caldo primordial do Cinema.