Aqui estão copilados onze artigos rápidos e descritivos, fracionados em duas partes, acerca da grande jornada decorrida das proporções de Ulysses, provável magnum opus do escritor James Joyce. Digo provável devido à inconstância de vários críticos sobre qual é a maior contribuição à literatura de Joyce: Nosso objeto de estudo abaixo, ou seria Finnegans Wake, um livro que poucos se atrevem a ler pela dificuldade do exercício narrativo? Seja como for, abaixo é listada quase uma dezena de marcas que Ulysses deixa no leitor à mercê de sua composição, o que não deixa de ser um resumo honesto e um convite à leitura de quem nunca se aventurou nas entrelinhas de um dos maiores romances do século XX. Você não lê Ulysses, você estuda, e estudá-lo não é um dia no parque, é uma estadia de duas semanas em uma biblioteca. Vale pelo mesmo.
(12/06/2014) 1° DIA – 200 páginas: Os dois primeiros capítulos se provaram de uma precisão e dispersão de significados impressionantes, mesmo que haja, no inconsciente de quem lê, a certeza perspicaz de um enredo solene nas histórias geralmente narradas em terceira pessoa, seja por Joyce ou por um narrador que ainda é inviável de se identificar. Nestas primeiras 200 páginas os dois protagonistas são apresentados de forma prática e livre, sem quaisquer preceitos. Tanto no primeiro capítulo acerca de Stephen Dedalus e sua culpa e desespero existencial, tanto na segunda parte sobre Leopold Bloom e sua curiosidade tímida a respeito de quem faz o mundo, a obra já se mostra filosoficamente pulsante, socialmente sensível, moralmente alarmante e religiosamente audaciosa e corajosa. A seguir, a investigação continua páginas adentro. É uma aventura ler Ulysses.
(13/06/2014) 2° DIA – 300 páginas: Já é possível entender, agora, de onde vem a preocupação soberana de Joyce com a forma diversificada ao invés da responsabilidade principal com a história. A diferença entre os capítulos é gritante não através da numeração divisória, mas das diferentes narrativas recorrentes e sempre específicas. Daí a razão para o extenso tamanho da obra, pois é o meio encontrado para desenvolver, da melhor forma, os inúmeros tipos de tratamentos narrativos tecidos ao longo de contextos em constante construção, alinhados entre si, numa perfeita teia joyciana.
(14/06/2014) 3° DIA – 400 páginas: No decorrer argumentativo de noções de paladar e visões hipotéticas de Shakespeare e suas crias, Joyce estampa e escancara realidades cada vez mais particulares e psicológicas em nome da Irlanda. Essa visão expansiva, e um tanto marxista, se reflete na formosa citação da pág. 374: “Se Sócrates deixar sua casa hoje, ele encontrará o sábio sentado em seu limiar. Se Judas sair de sua casa nesta noite, é a Judas que seus passos tenderão”. Portanto, é de se esperar, – ou melhor, de se notar – como dimensões de temas como o preconceito social, o orgulho e o conservadorismo explícito do espírito irlandês retratado, começam então a brotar por essas páginas de maneiras cada vez mais fortes e aparentes. Vertentes que de tão subjetivas se tornam visíveis apenas a um (a) leitor (a) prudente.
“Eu temo aquelas palavras largas que nos fazem tão infelizes”
(15/06/2014) 4° DIA – 500 páginas: As primeiras cem páginas que se tornam o maior desafio de decodificação para mim, até agora. Joyce sabia muito bem que seu prazer de intimidar o leitor seria pleno e contínuo até metade do livro, devido à genial e ofegante dinâmica da qual se deriva todo o montante de manifestações e inquisições culturais intrínsecas e indivisíveis ao surrealismo de uma realidade nua e inquietante, como qualquer outra com conflitos de interesse. A verborragia nunca foi tão rica e enlouquecedora quanto nestas 500 páginas! Frase marcante: “Os amigos que nós amamos estão do nosso lado, e os inimigos que odiamos estão à nossa frente.”
(18/06/2014) 5° DIA – 600 páginas: Entre paralelos e associações internas, Joyce expande ainda mais seu mosaico de personas e cria um espelho dramático entre duas fantásticas personagens centrais, não como um estudo teórico, mas um estudo prático, irracional como o vento, daí a maravilhosa verborragia joyciana. Cem páginas românticas entre o masculino e o feminino da alma humana, onde a justaposição e a aglutinação de palavras e intenções lexicais transcendem e apontam a um “mix” megalomaníaco de diversas noções, todas nobres e atemporais enquanto notavelmente ambiciosas, à maneira metodológica de costume.
(19/06/2014) 6° DIA – 650 páginas: Joyce parece querer provar que há história de exímia qualidade edificante paralela à simetria da narrativa, no oásis verbal submetido às páginas a fio. O momento notoriamente mais sensível, “emocional-sem-ser-apologético” do livro. As intenções sexuais de Joyce já não são mais sugeridas com reles metáforas. Tudo agora é explícito e esquematizado para apenas aumentar o impacto das questões psicológicas e sexuais que emergem com uma força inédita, até agora. Frase marcante: “Um hábito repreensível na puberdade é vício e opróbrio na meia-idade”. Frase mais contextual ao momento, impossível. Ulysses se torna, então, finalmente, um complexo livro de confissões, e nós somos, obrigatoriamente, o padre.
Ah, Joyce… Pobre idiota. A carreira dele deveria servir de aviso a qualquer escritor aspirante: nunca se perca em seu próprio labirinto narrativo (ou em seu ego).
A egolatria em o “Retrato do Artista quando Jovem” causa vergonha alheia. A inutilidade narrativa de “Ulisses” é irritante. E “Finnegans Wake” é simplesmente… Estúpido.
Minha obra favorita dele, embora não seja um romance, continua sendo “Dubliners”. Histórias honestas e profundas, sem aquela prosa inútil que se tornaria sua marca registrada.
Olá, meu leitor. Obrigado por deixar sua perspectiva, a considero como todo o conteúdo acima. A propósito, Joyce era realmente um matemático em todo seu esquema narratológico forjado a partir de muita exclusividade, por isso há quem não engula suas conjecturas.
Mas, sim, Dubliners é fantástico, e merece outro exame categórico, coisa rara, sobretudo no vasto terreno dos não-romances!
Um sujeito que usa “narratológico” numa discussão, dificilmente a perderá.
“Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. [Joyce] fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver.” – Um viva para a leitura infinita de um texto infinito.