O Último Reino inicia mais uma saga do romancista histórico Bernard Cornwell. Uma série repleta de elementos que deliciam os fãs do gênero. Uma história crua, violenta, cheia de conquistas impressionantes e traumas ainda maiores.
Para quem já leu a série mais famosa autor, logo perceberá algumas semelhanças entre as Cronicas Saxônicas e Crônicas de Arthur. Principalmente no que se refere ao personagem principal de cada série. Quero logo ressaltar que essa impressão inicial não compromete em nada a apreciação do livro. Por se tratarem ambos de crônicas, é justificável o formato adotado de o personagem estar contando uma história já vivenciada por ele há algum tempo, fica aos leitores notarem as outras semelhanças… Ou não.
Cornwell nos apresenta dessa vez sua visão histórica/ficcional sobre o século IX. Focando-se nas contínuas invasões que a Inglaterra sofria na época principalmente pelos povos nórdicos.
Seguimos a linha de vida de Uthred, filho de um nobre senhor do norte da Inglaterra, herdeiro de uma fortaleza considerada inexpugnável. Uthred logo tem sua aparente segurança comprometida quando dinamarqueses surgem no litoral inglês, com seus barcos com cabeças de feras nas proas, trazendo morte, destruição e saque por onde quer que passem.
Cabe ao pai de Uthred, juntamente com outros nobres da região tentar expulsar os nórdicos de suas terras.
Isto é apenas o inicio de uma série de reviravoltas que iremos vivenciar neste primeiro volume, e deixo para o leitor descobrir as surpresas seguintes no decorrer da história.
Se nas cronicas arthurianas aprendemos um pouco mais sobre a religião druida, neste, devido à grande presença nórdica na história, entramos em contato com o culto das terras geladas aos deuses antigos. Estou falando de Tor, Odin, Frigg, entre outros. O cristianismo já está na época bem arraigado entre os saxões, mas ainda há alguns resquícios das chamadas religiões pagãs entre alguns deles. Lembrando que os saxões são os donos da terra agora. Sim, é triste, mas Arthur não conseguiu manter a Bretanha livre deles e serão eles que formarão o que hoje chamamos de Inglaterra.
Cornwell mantém nesta série as duras criticas ao cristianismo comparada a simplicidade e até praticidade de alguns ritos antigos. Com o cristianismo mais forte, conseguimos vislumbrar o início de uma estrutura cristã a qual estamos habituados hoje, com padres, bispos, monges e também santos. Com essa estrutura, fica mais fácil para Cornwell demonstrar as diversas inconsistências e hipocrisias latentes entre o que os sacerdotes pregam versus o que eles praticavam.
Historicamente é interessante notar o interesse que a Inglaterra atraía para os povos nórdicos em busca de uma terra melhor para se viver. Dinamarqueses, noruegueses, entre outros migram, guerreiam e fazem de tudo para conquistar um pedaço dessa terra onde deuses antigos enfrentam o crescimento do deus cristão.
Cornwell constrói um ambiente histórico bastante verossímil. Uthred não é apenas mais um clichê do ideal herói medieval normalmente concebido pelo século atual. Ele é cheio de falhas, comportamentos imprevisíveis e arrogantes. Por tudo isso ele é uma personagem muito crível, principalmente quando se compreende o pano de fundo da época.
Cornwell mantém sua precisão na narração das diversas batalhas que Uthred enfrentará e realmente nos transporta para o campo de guerra onde praticamente conseguimos sentir o hálito azedo de cerveja do inimigo quando uma parede de escudos se entrechoca. Muito sangue e mutilação, detalhes das táticas adotadas na batalha, além de todo o júbilo por ela proporcionado acompanham o resto da descrição.
Meu único pesar referente à escrita dele com relação a esta série pode ser um tanto quanto subjetivo, mas creio que pode sim ser notado por outras pessoas. Refiro-me a uma certa ausência na construção de um clímax para alguns acontecimentos no decorrer da história. Cornwell opta (diferentemente de outros livros seus) por ser mais direto ao narrar acontecimentos de grande impacto emocional para o nosso personagem principal. Talvez com o objetivo de ser mais marcante e talvez tocar ainda mais o leitor, mas pelo menos no meu caso, essa escolha resulta em uma falta de emoção que ao meu ver poderia ter sido mais bem construída, resultando sim em um impacto emocional maior.
Alguns outros detalhes interessantes a se notar. A fortaleza de posse do nosso Uthred (Bebbanburg, atual castelo de Banburgh na Nortúmbria) originou a família da qual Bernard Cornwell é descendente. Inclusive ele mesmo relata que deliberadamente gosta de escrever sobre Uthred por esse motivo. Outra curiosidade é sobre os chamados vikings. O termo para definir os nórdicos como vikings era utilizado para descrever os assaltos que eles cometiam no litoral inglês. Ou seja, o ato de chegar com o navio, saquear, matar e ir embora. Nesse momentos eles eram considerados vikings. No momento que eles adentravam o interior da Inglaterra para considera-la sua terra, eles eram simplesmente nórdicos.
As Crônicas Saxônicas não irá decepcionar os fãs do gênero e pode até mesmo atrair novos. Vale sim a pena embarcar nos navios vikings e acompanhar a história de vida de Uthred, filho de Uthred… senhor de Bebbanburg.
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Texto de autoria de Amilton Brandão.
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