Quatro romances, um de contos, uma história em quadrinhos, além de antologias. Com o saldo, ainda pequeno para uma um futuro longo, Daniel Galera demonstra seu talento como escritor e sua popularidade pode ser medida pela quantidade de leitores ávidos que esperavam sua chegada na Tenda dos Autógrafos para autografar, muitas vezes, mais do que um exemplar de seus livros.
O francês Jeromi Ferrari tem na bagagem o mesmo número de livros que o brasileiro. O mais recente, O Sermão da Queda de Roma, traduzido no país e publicado pela Editora 34, foi lançado ano passado e tem dado sequência aos elogios sobre sua prosa.
Ambos são jovens, ainda mais se levarmos em conta uma carreira que, normalmente, amadurece em torno dos quarenta anos. Além da idade e do talento ativo, tem em comum o fato de que seus últimos romances aproximam-se por temas em comum. Motivo que os uniu as 13h, no sábado, na mesa Tragédia no microscópio.
Barba Ensopada de Sangue, de Galera, e o Sermão, de Jerome, apresentam personagens inseridos no mundo contemporâneo dentro de um microcosmos peculiar. No primeiro, em Garopaba, em Santa Catarina. No segundo, Córsega, na França.
A trama dos romances gira em torno de um universo limitado e específico – bem definido pelo título da mesa – que retira os contornos óbvios das personagens dando lhes certo senso de perdição que, mesmo que evitem, acabará por abalá-los.
São prosas densas, claustrofóbicas, bem ritmadas de maneira lenta que, quando menos se percebe, angustia o leitor. Duas tramas em potencial que, bem dialogadas, transformaria este encontro em um dos melhores da FLIP. Transformaria.
Se é necessário uma primeira ação para desencadear outras, a mediação de Noemi Jaffe pode ter sido o primeiro ponto de desencontro para uma mesa morna. Houve certa preocupação inicial em apresentar cada escritor em seu próprio espaço, talvez temerosa de que Galera se destacasse além de Jerome. As perguntas eram feitas direcionadas primeiro para um, depois para outro. Sem uma temática que conseguisse percorrer ambas narrativas, mesmo quando tudo inclinasse para isso.
Quando surgiram perguntas para aproximá-los era impossível ultrapassar um incômodo que permaneceu. Autores respondiam as perguntas sobre a própria obra, tentavam dialogar um sobre a obra do outro mas, em seguida, faltava um fio condutor que ponderasse os assuntos e prosseguisse.
As perguntas de Noemi eram diversas vezes muito específicas. Retirando a unidade da mesa e buscando respostas que mais se aproximavam de curiosidades do que de informações capazes de sustentar um diálogo.
Enquanto isso, chegavam também as perguntas da platéia. E quando a mediadora começou a utiliza-las o descompasso pareceu maior. Obrigavam o pouco diálogo a mudar de tom para perguntas nulas e rasas demais que desmanchavam o começo de uma possível boa conversa.
Nada tenho contra perguntas da platéia, mas é necessário adequá-las ao o que se dialoga para não se transformar apenas em um mero sistema de perguntas e respostas.
No centro do palco, entre a mediadora e Daniel Galera, Jerome Ferrari parecia incomodado. Pediu desculpas no final da sessão por não parecer tão simpático, culpando certa emoção momentânea.
Fiquei com a sensação de que o francês queria mais. Uma oportunidade maior de abertura de diálogo para que de fato discutisse com profundidade o assunto. Com uma das mãos apoiadas no rosto, o escritor parecia pensar que sua vinda ao Brasil, até então, deveria ter rendido mais.
E ironicamente a tragédia no microscópio refletiu-se além das narrativas, pairando também sobre a mesa quase desperdiçada de dois grandes escritores.