Na lembrança afetiva de boa parte da população, principalmente dos habitantes da grande São Paulo, está guardado o bordão: “Espreme que sai sangue”. Os jovens adultos podem até não associar de primeira o termo à sua origem, mas basta falar do famoso Notícias Populares que tudo ganha sentido.
O jornal popularesco, infame e ousado – que juntava as pessoas em frente a banca para espiarem suas capas que transbordavam cadáveres, lado a lado com musas em ensaios apimentados e com manchetes garrafais absurdas – ganha uma biografia rica em detalhes, que resgata os fatos e lendas que rondaram a redação por mais de 30 anos.
A história do Notícias Populares é inseparável dos profissionais que se dedicaram a confeccionar diariamente o conteúdo diferenciado a que se propunha. Desde o começo, em 1963, posto em prática para espantar a “ameaça comunista” na sociedade, dedicou-se a dialogar com camadas desfavorecidas da sociedade. Sua fórmula era simples e objetiva: Policial, Sensual e Inusitado. Desta trinca como base, inseria nas suas diversas colunas (e bota diversas nisso) desde notas sobre política até ensaios filosóficos bem-humorados, passando por terapias sexuais até odes do RAP ao Heavy Metal.
O livro narra os bastidores do jornal, mostrando como foi o dia a dia do vasto quadro de funcionários, década a década, manchete a manchete. Claro que é um trabalho impossível trazer à luz os milhares de casos lá expostos, mas a seletiva é de puro bom gosto, como o caso do Vampiro de Osasco; o Bebê Diabo que nasceu em São Paulo; o famoso mendigo Pelezão que foi violentado por uma psicóloga da alta sociedade e virou subcelebridade; a mulher que deu luz a uma tartaruga, e muitas outras manchetes desafiadoras.
É interessante conhecer como funciona o pensamento da máquina midiática brasileira na sua faceta mais antiga, que é o jornal impresso, e suas mudanças repentinas para acompanhar as necessidades nem sempre facilmente detectáveis do povo. Dentro do prédio do NP vamos, junto com os repórteres, aos bairros mais perigosos, seguindo as diretrizes dos editores, às vezes surpresos com o eco de seu próprio produto.
O Notícias Populares ora serviu como válvula de escape para o trabalhador, ora como arma social e política, num jogo de interesses que tentou até o fim padronizar o jornal. Gerações diferentes deram sua contribuição e essa jornada nos faz entender um pouco sobre como é tênue a linha que separa a verdade da mentira. E trabalhando como equilibrista nessa linha, o Notícias Populares, de braços dados com seus leitores, caminhou a trancos e barrancos até a irremediável extinção, em janeiro de 2001.
Leitura curiosa, divertida e obrigatória! Pra quem gosta de comunicação, pra quem gosta de um divertido realismo fantástico e pra quem gostaria de tomar uma pinga com o Bebê Atômico. Pra saber do que estou falando, vai ter que acompanhar o caso por entre as 254 páginas deste resgate, em edição revista e ampliada. Difícil de encontrar o livro, mas a busca vale muito.
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Texto de autoria de Sergio Ferrari.