Mesmo no preâmbulo da história contida em Caixa de Pássaros, não há qualquer menção a tranquilidade. O romance de Josh Malerman utiliza seu ponto de partida como um lugar comum onde a tensão e sensação de tragédia coabitam harmoniosamente, interferindo nos desígnios e prospectivos de vida de Malorie e seus dois filhos. O senso de urgência faz a família fugitiva estar apta para sobreviver, mesmo os infantes sabem exatamente o que fazer, e não demoram a sair da letargia e partir para ação. Tal perspectiva rasga o coração da mãe, que enxergava no comportamento de seus filhos, o ideal de curiosidades com a vida, e não necessariamente o temor por ela.
O estado do mundo é calamitoso, e aos poucos revelados. O que se sabe no início do conto é que uma violência atroz acomete os humanos que cruzam as ruas sem vendas nos olhos, com atos de violências capazes de causar morte, tumulto e muitos atos de ódio. Após morar um tempo em uma casa abandonada, a beira do lago, Malorie deseja alcançar um lugar seguro, um refúgio, chamado de santuário, mas que está distante demais de sua localidade atual.
No convívio com outros homens é demonstrado que sua paranoia de Malorie não é algo isolado, ainda que o perigo que os cerca seja ainda não revelado, permanecendo na mente do leitor como um vulto, distante de ganhar contornos reais. O perigo prático deles incorre sobre a dificuldade em manter suprimentos, especialmente aos que sofrem de vícios com bebidas e cigarros, já que em estado de sítio, achar tais bens torna-se uma hercúlea tarefa. Quase tão assustador quando a ação das criaturas, é a condição de completo abandono das cidades e lugares antes habitados. A descrição que Malerman exibe, descreve um retrato semelhante a aridez que predomina em outros cenários póstumos ao fim da civilização, como Mad Max, Livro de Eli e Eu Sou A Lenda, piorado e muito pelo protagonismo materno, que teme por si e principalmente por seus herdeiros, lamentavelmente lançados em um ambiente hostil demais.
As tentativas de fuga deixam marcas nos personagens, mesmo quando são bem sucedidos. Os hematomas que causam dor nos membros inferiores servem como lembrete da mortandade que se aproxima. A catástrofe paira sobre a cabeça das personagens, usando a gravidez de Malorie como função narrativa para aumentar a urgência na tentativa de escapar daquele cenário hostil, piorando a situação quando um parto se vê prestes a acontecer.
Caixa de Pássaros se baseia em um terror evocando uma estranha criatura, que ajuda a tornar ainda mais ambíguo o sentimento materno, já que as intenções do “monstro” também são ligadas ao cuidado da cria. O conjunto de alegorias é muito grande, apesar de óbvias, especialmente no que tange o uso das vendas oculares para salientar a alienação do mundo, tanto o particular do livro de Josh Malerman, quanto com a sensação de que o perigo não mais habita a rotina dos personagens, mas que pode retornar a qualquer momento, paralelo fundamental com a realidade contemporânea, em especial a cenários reais que já tiveram em situações catastróficas.