Retornamos à aridez das terras mongóis e além. Uma nova geração expande ainda mais o poder da recém-nascida nação mongol e os seus inimigos compreendem a verdade nas seguintes palavras: Deus tem misericórdia, os mongóis não.
O Império da Prata é o quarto livro da saga de Genghis Khan trazida a nós por Conn Iggulden. As resenhas anteriores também podem ser lidas aqui no Vortex (Lobo das Planícies, Senhores do Arco, Ossos das Colinas) e quem não quiser saber de nenhum spoiler histórico, sugiro não prosseguir com a leitura caso não tenha lido o livro anterior.
Império da Prata retoma a história anos depois da morte de Genghis, seu filho Ogedai está prestes a ser nomeado Khan da nação, conforme escolha do próprio Genghis em vida. Ogedai por si só é muito diferente de seu pai e pretende obter o juramento de toda a nação dentro de sua suntuosa e recém construída cidade, Karakorum, idealizada para ser um marco e a capital dos mongóis. A própria ideia de uma construção da magnitude de Karakorum iria de total encontro com o pensamento de Genghis, que sempre cuspiu, destruiu, pilhou e massacrou diversas cidades do Império Chin, mostrando a todos o quão frágil são muros e os homens que se acostumam ao seu conforto e ‘segurança’.
A tensão dentro da nação é enorme pois um dos outros filhos do Grande Khan, Chagatai, está sedento por se tornar o novo Khan, e não um homem (fraco, na sua visão) como Ogedai.
Dentro deste contexto somos introduzidos a terceira geração desde o nascimento da nação, os netos de Genghis nos são apresentados, conhecemos suas ambições e legados, eles que serão o fio condutor do destino de todo um povo que se originou de tribos minguadas para se tornar em algumas décadas no que o mundo ocidental apelidou de ‘’a praga mongol’’.
O conflito de gerações é o grande foco deste quarto livro. A esta altura já conhecemos os principais heróis que lutaram tão bravamente para formar esta unidade mongol, acompanhamos suas maiores batalhas, quase mortes, aprendizado e uma inquestionável qualidade militar como exército. Conn foi muito feliz ao chocar esses generais dos primórdios da história (Khasar, Kachiun e o maior general da nação, Tsubodai) com os netos de Genghis, que na sua arrogância juvenil, questionam os que vieram antes, suas ordens e suas decisões. Alguns por terem sim uma já grande habilidade (Batu, por exemplo), mas outros apenas por serem netos do grande pai da nação. Isso gera um desconforto bastante interessante e prende o leitor ao romance. Algo que se faz necessário já que este deixa devendo um pouco na questão ‘batalhas épicas’, algo bastante comum principalmente no romance anterior.
E no quesito pelo qual os mongóis são mais conhecidos, expansão territorial e batalhas taticamente impressionantes, aqui temos o deleite da narrativa das batalhas contra os poderosíssimos russos e sua cavalaria pesada. A tomada de Kiev e St. Petersburgo em pleno inverno é um dos pontos altos do livro. Quando questionado ao planejar uma campanha no inverno, Tsubodai explica aos seus homens que o inverno pertence aos mongóis, eles são os homens de ferro que ano a ano sobrevivem e se acostumaram a ele. Os nobres russos se escondem em suntuosos castelos no inverno, eis aí o fator do ataque surpresa mongol que sempre foi uma constante em suas campanhas. Isso somada a já conhecida velocidade de sua cavalaria eram vantagens sobre qualquer exército, mesmo os numericamente superiores. Nenhum exército na época conseguia transpor a mesma quantidade de quilômetros em tão pouco tempo.
Enquanto a expansão para o Oeste prosseguia, algo acontece que mudaria o destino dos mongóis e consequentemente do mundo na época. Fato este que pode ter sido responsável pela salvação da tomada do Oeste por estes guerreiros insaciáveis. Sim, os mongóis poderiam ter tomado várias das grandes nações ocidentais e caso ainda existíssemos, possivelmente este texto seria escrito em mandarim ou uma variante do idioma mongol.
É bastante curioso notar e poder analisar (a posteriori é claro), como um acontecimento local pode ter tamanho impacto no mundo, principalmente em eras onde o contato exterior entre os povos era muito mais restrito e incomum.
Império da Prata têm um ritmo diferente dos livros anteriores, mais calcado nos seus personagens e menos em suas ações, menos pretensioso e épico, mais intimista e sutil. Pode-se dizer que a falta da chama de Genghis caracteriza esse tom mais ameno do romance, ele com certeza faz falta, mas sabíamos que a saga contada por Conn iria além do tempo de vida do grande Khan.
Agora nos resta ver como terminará a saga da grande nação de Genghis Khan e sua horda impiedosa.
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Texto de autoria de Amilton Brandão.