No meio dos anos 2000, o jornalista e sociólogo Frédéric Martel começou um projeto ambicioso, o de percorrer os principais países exportadores de conteúdo audiovisual para tentar entender como é feita esta troca de cultura no mundo atual. No entendimento de Martel, a dominação de um país pelo outro não ocorre somente através de forças militar, econômica e industrial, o hard power, mas também do soft power, ou seja, a música, os filmes, os programas de TV, assim como a exportação do formato cultural, seja ele qual for.
De Hollywood a Bollywood, das novelas da Televisa e Rede Globo aos talk-shows informativos da Al-Jazeera, passando pelas músicas j-pop e k-pop, durante cinco anos o autor entrevistou mais de 1000 pessoas em 30 países, e o resultado é um livro que tenta desvendar como se dá a estratégia de circulação geopolítica do conteúdo audiovisual, de que forma, em quais meios e a qual preço.
O livro se divide em duas partes; na primeira, ele se propõe a refletir primeiramente os Estados Unidos, pois é justamente o país onde a cultura mainstream prevalece e é exportada para o mundo inteiro. Na análise do país, Martel percebe que Hollywood mudou: ela não é a mesma do passado. Hoje em dia, todo mundo é independente, e os grandes estúdios funcionam muito mais como bancos que aplicam o seu dinheiro em projetos, com variáveis de risco, do que geradores de conteúdo em si.
Além disso, o autor problematiza uma questão curiosa de nacionalidade: apesar da exportação de filmes norte-americanos pasteurizados para o mundo todo, os grandes estúdios hoje em dia são controlados por grandes corporações internacionais. A Sony, dona da Columbia Pictures, que produziu Homem-Aranha, não se envolveu com o conteúdo da película. Qual o interesse, então, da corporação japonesa como dona de um estúdio, fora o lucro?
Outro ponto interessante do livro é quando Martel disserta sobre o passado dos multiplexes e a sua história. Nos cinemas com 20 salas, a ideia é prender o consumidor que está de passagem por ali, com sessões a cada 15 minutos, fazendo com que ele tenha pouco tempo para se decidir e não fazer mais nada.
Na segunda parte, o autor começa a viajar o mundo, indo à China para tentar entender como os filmes norte-americanos têm pouca entrada no país devido à censura, apesar de uma tela de multiplex ser construída todos os dias pelos chineses (dados de 2009 que o autor usou no livro).
Já em Bollywood, Martel se depara com empresários que pretendem exportar cada vez mais o cinema indiano para o mundo, mas que esbarram com as características que tornam os filmes tão famosos na região: a duração, as danças típicas e etc. Aqui, também, o cinema americano tem pouca penetração, devido justamente a essas características dos blockbusters locais, apesar do aumento considerável de salas no país nos últimos anos, com os novos multiplexes indianos.
No Japão e na Coreia, o autor investiga o j-pop e o k-pop respectivamente, os processos pasteurizados que transformam em fenômeno musical, pelo sudeste asiático, jovens de nacionalidades diversas, que cantam em certas línguas e agem de acordo com costumes culturais que alguns países compartilham. Ao voltar-se para a América Latina, a discussão passa a ser sobre a exportação de novelas pela brasileira Rede Globo e pela mexicana Televisa, em detrimento da Globovision venezuelana devido à economia e ao governo chavista, e da argentina Telefe, como consequência de sua economia. Apesar de serem exportadas, entre si e para alguns países europeus e africanos, as novelas não têm o alcance global que seus produtores gostariam. No Catar, a Al-Jazeera torna-se o tema para tentar entender o fenômeno de comunicação. No entanto, apesar do sucesso com telespectadores árabes de diversos países da região, a grande dificuldade é atingir o grande público a despeito da diferença cultural.
O autor termina o giro na Europa com a cultura anti-mainstream, mas não sem antes passar por Paris e Londres, que, como Miami, são mais importantes para os seus imigrantes mais numerosos do que aos países de origem destes. Um artista local, seja de qualquer país africano ou latino-americano, não consegue sucesso mundial sem antes passar por estas capitais musicais e ser modelado pela indústria, caso do senegalês Youssou N’Dour ou do cubano-americano Pitbull. Outra característica da Europa são os países orientais; se antes eram unidos à força pela União Soviética, hoje cada um se fecha para a cultura do outro, e todos acabam abraçando os filmes, músicas e programas da televisão norte-americana. O que também acontece na África e na América Latina, de acordo com o autor.
Na conclusão do livro, Frédéric Martel joga as mesmas questões que havia abordado anteriormente: se existe o desejo de produtores locais de conquistarem o mundo, como é o caso das TVs árabes, da música nipo-coreana ou das novelas latino-americanas, o mesmo não se pode dizer das grandes corporações internacionais donas de estúdio, caso da japonesa Sony, dona da Columbia; da australiana News Corp, dona da 20th Century Fox; ou até a francesa Vivendi, dona da Universal Music e da produtora de jogos Blizzard (até 2013).
O livro tem um problema que pode incomodar o leitor. O autor não consegue chegar à conclusão que os capítulos pedem; ele apenas apresenta os dados da sua importante pesquisa junto a sua experiência local em cada país. A impressão que fica é que faltou perguntas a serem feitas ao leitor, questões relacionadas aos dados específicos. Em suma, uma maior atuação retórica por parte do escritor e pesquisador. Além disso, Mainstream é muito prolixo. A obra deveria ser menor do que é, pois há nela muitas informações repetidas e desnecessárias.
Mainstream – A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas vale a pena, pois a proposta de Frédéric Martel de analisar a geopolítica mundial através do soft power é inovadora. Assim, conseguimos ter alguma compreensão da estratégia dos países através do jogo global de conteúdo. Passamos a olhá-lo de forma diferente quando vemos o sucesso de um blockbuster norte-americano em um país onde, alguns anos atrás, ele não tinha sequer público.
A boa tradução de Clóvis Marques faz a leitura fluir bem e rápida, apesar do tamanho do livro.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.