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  • Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 2/5

    Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 2/5

    (Leia a Parte 1/5).

    O Sol quente iluminava as florestas úmidas do litoral colombiano. As águas calmas do oceano pacífico foram subitamente perturbadas pela emersão de um corpo atlético e másculo, como um tritão viciado em anabolizantes e fitas VHS de aeróbica. Essa criatura era Jackson Good, o Guerreiro do Blockbuster!

    Chegou nadando vigorosamente até a praia, cuspiu um bocado de água e ajeitou seus óculos negros, olhando para o horizonte de uma maneira épica. Logo depois nosso bravo soldado do cinema de ação foi surpreendido por barulhos de tiro, porrada e bomba. Imediatamente se embrenhou na mata repleta de perigos empunhando seu Magnum 44 com confiança.

    Seguindo o odor familiar de plantas da família Erythroxylaceae, ele logo encontrou um acampamento de guerrilheiros das Forças Revolucionárias. Jackson percebeu que o acampamento estava sendo invadido por um grupo paramilitar estranho, com as iniciais CN no uniforme preto como a noite. As pacíficas forças das FARC não tinham chance contra a selvageria desse grupo desconhecido. Eles não poupavam ninguém em seu caminho: matavam mulheres, chutavam crianças e queimavam as inocentes plantações de coca.

    – Puta merda! – gritou Jackson, indo em direção à ação.

    O defensor do cinema de ação entrou na batalha sem temor contra o violento exército escuro, alternando golpes mortais de Karatê com disparos precisos (e infinitos) de sua pistola. O combate foi brutal. Logo centenas de corpos rodeavam a figura imponente de Jackson que continuava a golpear implacavelmente seus inimigos. Era como assistir a um tigre destroçando ratos.

    – Parado aí, filho da puta! – exclamou uma voz escrachada.

    Jackson se virou e percebeu que um dos poucos sobreviventes das forças CN estava segurando uma mulher refém, com uma pistola apontada para a cabeça dela.

    – Larga a arma, babaca! Ou a belezinha aqui uma vai ganhar uma cranioplastia instantânea! – disse o fanático da CN, com olhos vidrados e péssima higiene pessoal.

    Jackson largou a arma no chão, lentamente.

    – Tá bom amigão – disse o guerreiro – Você quer conversar? Vamos conversar.

    – Eu quero sair daqui! Quero um iate e… E uma real doll! Daquelas bem caras!

    – Não posso fazer isso – respondeu Jackson, olhando nos olhos do fanático.

    – Por que não?

    – Porque malandro é malandro e mané é mané – disse Jackson.

    – Eu sou um caçador! Um herói do Cinema Novo! – gritou o fanático.

    – Não… Você é só um hipster de merda que acha que manja de cinema. E eu sou o maior fã do Michael Bay.

    – Morra! – disse o soldado, apontando a arma para Jackson.

    Naquela fração de segundo Jackson jogou seu canivete, que ele havia escondido anteriormente em sua mão, no olho direito do pretenso sequestrador, matando-o imediatamente. Ele caiu no chão, sem nem sequer ter tempo de disparar um último tiro dramático. A mulher se desvencilhou de seu sequestrador e Jackson se aproximou dela.

    – Qual é seu nome, benzinho? – ele perguntou, em português.

    – Meu nome é Conchita Alonso Gonzalez – ela respondeu, em um inglês perfeito.

    Jackson a olhou de cima para baixo. Ela era uma mulher belíssima. Pele morena, alta, atlética, de cabelos negros esvoaçantes. Jackson flexionou seu bíceps direito com toda sua força na frente dela. Conchita ficou molhada e se apaixonou por ele no mesmo momento. Jackson colocou seu braço ao redor dos ombros dela e comtemplou o horizonte cheio de fumaça de explosões com um olhar perdido.

    – Ele disse Cinema Novo… Agora tudo faz sentido!

    – O que faz sentido? – indagou Conchita.

    – As Forças Fundamentais do Cinema de Ação me enviaram aqui para impedir que esse grupo destrua os campos de coca.

    – Mas porque eles fariam isso?

    – Você não percebe, coração? O cinema de ação é movido a cocaína! Quem quer que seja que esteja comandando o grupo CN quer destruir os blockbusters! – declarou Jackson, acompanhado por uma trilha sonora de suspense.

    CONTINUA…

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 1/5

    Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 1/5

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    Era uma noite chuvosa e patética. Jackson Good (igualmente patético), após mais uma gravação conturbada do Vortcast, perambulava pelos becos escuros da cidade, cheio de ódio por ter sido mais uma vez humilhado devido seu gosto duvidoso para filmes.

    – Mise-em-scène isso! Mise-em-scène aquilo! Aposto que eles nem sabem o que mise-em-scène significa! – ele resmungava.

    A caminho de seu moquifo ele chutava latas na rua e assustava cachorros com seu comportamento violento.

    – Quem esse Carlos Brito pensa que é? Malditos sejam todos os críticos de cinema! Será que eles não entendem que cinema também é paixão? É explosão?

    Jackson finalmente chegou no prédio abandonado que chamava de casa. Tirou suas roupas molhadas e tomou um banho na bacia de água fria que ficava no canto do cômodo bolorento. Depois se vestiu e se entupiu de macarrão instantâneo e guaraná falsificado, fingindo que aquilo era uma refeição decente. Para terminar a noite com menos dignidade ainda, ele passou algumas horas na Internet, criando perfis falsos e comentando em seus próprios posts no Vortex Cultural.

    O pretenso defensor dos filmes descerebrados logo se entediou e decidiu passar algumas horas no Xvideos. Ele abaixou suas calças e começou sua atividade favorita.

    – Oh, Sasha! Sasha, eu te amo! Se eu pudesse fazer ***** com você! AAAAAHHH! – ele gritou, desmaiando logo após o clímax.

    Ele acordou minutos depois, um pouco desorientado. Quase deu um pulo quando percebeu que havia mais pessoas no seu quarto nojento. Eram dois homens. O primeiro era um sujeito de cabelos e bigodes grisalhos, com traços lituanos, vestido como um coveiro e carregando duas pistolas. O segundo era um asiático, sem camisa, exibindo uma musculatura que parecia ter sido talhada em mármore. De ambos emanava uma aura mística de violência sem limites.

    – Quem…. Quem são vocês? – perguntou Jackson, cagando nas cuecas.

    – NÓS SOMOS AS FORÇAS FUNDAMENTAIS DO CINEMA DE AÇÃO. – responderam os dois em uníssono.

    – O que querem comigo?

    – VOCÊ FOI ESCOLHIDO, FILHO DO JACK BOM, PARA LUTAR COMO O NOVO DEFENSOR DO BLOCKBUSTER! VOCÊ ESTÁ PRONTO?

    – Sim! Eu esperei por isso toda a minha vida! – respondeu Jackson.

    A transformação começou imediatamente. Raios laser e neon envolveram Jackson, despindo-o de suas vestes mundanas e limpando-o. Até mesmo as fezes na sua bunda desapareceram. Em meio a explosões incríveis (ao fundo), ele recebeu um novo vestuário: uma calça jeans surrada, botas de cowboy pretas, uma jaqueta de couro com “Blockbuster Warrior” escrito em vermelho nas costas, um óculos ray-ban, luvas esportivas e, para completar, um coldre carregando um Magnum 44 cano longo. Sua musculatura também se transfigurou: de um patético arremedo de gente, ele se tornou um halterofilista que exalava testosterona pelos poros.

    – A TRANSFORMAÇÃO ESTÁ COMPLETA. AGORA VOCÊ POSSUI HABILIDADES SOBRE-HUMANAS NA ARTE DE METER A PORRADA. ESTÁ PREPARADO PARA SUA PRIMEIRA MISSÃO, GUERREIRO DO BLOCKBUSTER?

    – É claro. Para onde eu tenho que ir? – perguntou Jackson, com uma voz grave.

    – SUA MISSÃO COMEÇARÁ NA COLÔMBIA, NOS CAMPOS DE COCA DAS FARC!

    – Deixa comigo – respondeu Jackson, enquanto acendia um cigarro.

    Leia a Parte 2/5.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Resenha | Mainstream: A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas – Frédéric Martel

    Resenha | Mainstream: A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas – Frédéric Martel

    No meio dos anos 2000, o jornalista e sociólogo Frédéric Martel começou um projeto ambicioso, o de percorrer os principais países exportadores de conteúdo audiovisual para tentar entender como é feita esta troca de cultura no mundo atual. No entendimento de Martel, a dominação de um país pelo outro não ocorre somente através de forças militar, econômica e industrial, o hard power, mas também do soft power, ou seja, a música, os filmes, os programas de TV, assim como a exportação do formato cultural, seja ele qual for.

    De Hollywood a Bollywood, das novelas da Televisa e Rede Globo aos talk-shows informativos da Al-Jazeera, passando pelas músicas j-pop e k-pop, durante cinco anos o autor entrevistou mais de 1000 pessoas em 30 países, e o resultado é um livro que tenta desvendar como se dá a estratégia de circulação geopolítica do conteúdo audiovisual, de que forma, em quais meios e a qual preço.

    O livro se divide em duas partes; na primeira, ele se propõe a refletir primeiramente os Estados Unidos, pois é justamente o país onde a cultura mainstream prevalece e é exportada para o mundo inteiro. Na análise do país, Martel percebe que Hollywood mudou: ela não é a mesma do passado. Hoje em dia, todo mundo é independente, e os grandes estúdios funcionam muito mais como bancos que aplicam o seu dinheiro em projetos, com variáveis de risco, do que geradores de conteúdo em si.

    Além disso, o autor problematiza uma questão curiosa de nacionalidade: apesar da exportação de filmes norte-americanos pasteurizados para o mundo todo, os grandes estúdios hoje em dia são controlados por grandes corporações internacionais. A Sony, dona da Columbia Pictures, que produziu Homem-Aranha, não se envolveu com o conteúdo da película. Qual o interesse, então, da corporação japonesa como dona de um estúdio, fora o lucro?

    Outro ponto interessante do livro é quando Martel disserta sobre o passado dos multiplexes e a sua história. Nos cinemas com 20 salas, a ideia é prender o consumidor que está de passagem por ali, com sessões a cada 15 minutos, fazendo com que ele tenha pouco tempo para se decidir e não fazer mais nada.

    Na segunda parte, o autor começa a viajar o mundo, indo à China para tentar entender como os filmes norte-americanos têm pouca entrada no país devido à censura, apesar de uma tela de multiplex ser construída todos os dias pelos chineses (dados de 2009 que o autor usou no livro).

    Já em Bollywood, Martel se depara com empresários que pretendem exportar cada vez mais o cinema indiano para o mundo, mas que esbarram com as características que tornam os filmes tão famosos na região: a duração, as danças típicas e etc. Aqui, também, o cinema americano tem pouca penetração, devido justamente a essas características dos blockbusters locais, apesar do aumento considerável de salas no país nos últimos anos, com os novos multiplexes indianos.

    No Japão e na Coreia, o autor investiga o j-pop e o k-pop respectivamente, os processos pasteurizados que transformam em fenômeno musical, pelo sudeste asiático, jovens de nacionalidades diversas, que cantam em certas línguas e agem de acordo com costumes culturais que alguns países compartilham. Ao voltar-se para a América Latina, a discussão passa a ser sobre a exportação de novelas pela brasileira Rede Globo e pela mexicana Televisa, em detrimento da Globovision venezuelana devido à economia e ao governo chavista, e da argentina Telefe, como consequência de sua economia. Apesar de serem exportadas, entre si e para alguns países europeus e africanos, as novelas não têm o alcance global que seus produtores gostariam. No Catar, a Al-Jazeera torna-se o tema para tentar entender o fenômeno de comunicação. No entanto, apesar do sucesso com telespectadores árabes de diversos países da região, a grande dificuldade é atingir o grande público a despeito da diferença cultural.

    O autor termina o giro na Europa com a cultura anti-mainstream, mas não sem antes passar por Paris e Londres, que, como Miami, são mais importantes para os seus imigrantes mais numerosos do que aos países de origem destes. Um artista local, seja de qualquer país africano ou latino-americano, não consegue sucesso mundial sem antes passar por estas capitais musicais e ser modelado pela indústria, caso do senegalês Youssou N’Dour ou do cubano-americano Pitbull. Outra característica da Europa são os países orientais; se antes eram unidos à força pela União Soviética, hoje cada um se fecha para a cultura do outro, e todos acabam abraçando os filmes, músicas e programas da televisão norte-americana. O que também acontece na África e na América Latina, de acordo com o autor.

    Na conclusão do livro, Frédéric Martel joga as mesmas questões que havia abordado anteriormente: se existe o desejo de produtores locais de conquistarem o mundo, como é o caso das TVs árabes, da música nipo-coreana ou das novelas latino-americanas, o mesmo não se pode dizer das grandes corporações internacionais donas de estúdio, caso da japonesa Sony, dona da Columbia; da australiana News Corp, dona da 20th Century Fox; ou até a francesa Vivendi, dona da Universal Music e da produtora de jogos Blizzard (até 2013).

    O livro tem um problema que pode incomodar o leitor. O autor não consegue chegar à conclusão que os capítulos pedem; ele apenas apresenta os dados da sua importante pesquisa junto a sua experiência local em cada país. A impressão que fica é que faltou perguntas a serem feitas ao leitor, questões relacionadas aos dados específicos. Em suma, uma maior atuação retórica por parte do escritor e pesquisador. Além disso, Mainstream é muito prolixo. A obra deveria ser menor do que é, pois há nela muitas informações repetidas e desnecessárias.

    Mainstream – A Guerra Global Das Mídias e Das Culturas vale a pena, pois a proposta de Frédéric Martel de analisar a geopolítica mundial através do soft power é inovadora. Assim, conseguimos ter alguma compreensão da estratégia dos países através do jogo global de conteúdo. Passamos a olhá-lo de forma diferente quando vemos o sucesso de um blockbuster norte-americano em um país onde, alguns anos atrás, ele não tinha sequer público.

    A boa tradução de Clóvis Marques faz a leitura fluir bem e rápida, apesar do tamanho do livro.

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    Texto de autoria de Pablo Grilo.