A Noite dos Mortos-Vivos é um título que dispensa apresentações. O filme de 1968, o “Avô de Todos” os produtos culturais estrelando zumbis, influenciou o cinema de horror como um todo e gravou na História o nome do cineasta George Romero. Menos famoso, seu colega John Russo foi corroteirista do longa e também pautou sua carreira com este tema. Ele adaptou A Noite dos Mortos-Vivos em versão literária, em 1973, e posteriormente lançou A Volta dos Mortos-Vivos, continuação idealizada, mas nunca produzida, para a telona (sem nenhuma relação com o filme homônimo de 1985). Agora as duas histórias foram reunidas em publicação da editora Darkside, dando aos fãs brasileiros a chance de conhecerem um dos clássicos do gênero.
Retornar à fonte, no caso uma obra tão referenciada e cujos conceitos foram tão difundidos e reinterpretados ao longo dos anos, é uma experiência curiosa. Em A Noite dos Mortos-Vivos, é possível perceber o nascimento de ideias que se tornaram padrão: a incerteza sobre a origem do problema; o destaque às pessoas; a urgente e quase irracional luta pela sobrevivência; e, principalmente, a crítica social mediante a análise do comportamento humano em situações extremas. Sob esse prisma, certos elementos podem ter seu peso ignorado, caso a contextualização não seja considerada: o americano médio retratado como covarde; o negro sendo o protagonista e macho alfa; a jovem garota surtando e sendo um fardo para todos (item apontado, na época, como uma crítica ao feminismo). Tudo isso altamente transgressor nos anos 60. Atualmente, nem tanto.
Outros aspectos soam estranhos hoje em dia, quando a palavra “zumbi” está quase sempre atrelada ao “apocalipse”: aqui, a ideia não é o fim da civilização, mas sim uma crise momentânea que pode ser controlada pelas autoridades, com algum esforço, e que atinge principalmente isoladas áreas rurais. Uma provável explicação para esse direcionamento é bastante óbvia: a limitação técnica e de recursos para a produção do filme forçou o roteiro a percorrer caminhos mais simples. Corroborando essa teoria, apenas os mortos recentes e bem preservados se erguem – não complicando demais o trabalho da maquiagem. Além disso, a trama se concentra em um pequeno grupo de sobreviventes resistindo em uma casa, trabalhando mais a tensão de pessoas normais numa situação inimaginável (de maneira muito eficiente, aliás) do que a exploração gore dos cadáveres ambulantes.
Mais ambiciosa é a trama de A Volta dos Mortos-Vivos, situada dez anos depois do primeiro evento. A mesma região, o Meio-Oeste dos EUA, volta a sofrer com uma infestação dos desmortos canibais. Mais movimentada e pesada, a história acompanha famílias de caipiras, um perverso bando de saqueadores, além de heroicos, porém azarados, policiais. Aqui surgem elementos familiares, como perseguições e fugas desesperadas, o sentimento de desesperança diante da situação (o desapego a personagens é digno de George R. R. Martin) e a confirmação de que o verdadeiro problema são os vivos.
Com um texto seco e direto, condizente com o conteúdo e com o belo trabalho gráfico característico da editora, A Noite dos Mortos-Vivos e A Volta dos Mortos-Vivos é um livro instigante, com pouco mais de 300 páginas de rápida leitura. Já que a moda, ou modinha, de zumbis parece longe de acabar, é uma boa pedida deixar de ser bazingueiro e conhecer a origem de tudo.
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Texto de autoria de Jackson Good.