Primeiro livro encomendado à Mario Puzo no final da década de 1960, em que o autor recebeu um valor adiantado para realizar uma obra sobre a máfia. Filho de imigrantes italianos, com o primeiro livro lançado em 1950, já com 30 anos, essa temática desde cedo ambientou seus romances. O Poderoso Chefão gerou dois filmes dirigidos por Francis Ford Coppola, em que o primeiro trata da história de Don Corleone já como capo di tutti capi, e da ascensão de Michael Corleone como novo Don. E a segunda produção apresenta a evolução de Vito com um extra sobre Michael. Puzo ajudou a escrever os dois roteiros, e também lançou sequências para a obra inicial: O Último Padrinho, O Siciliano e Omertá (sobre sequencias vale dar uma lida em nosso artigo).
Sobre o livro, Puzo não peca, na verdade. A questão é a cultura estadunidense que age nos escritores. Poucos escritores, talvez os que tiveram maior influência de outras culturas, como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald (existe uma enormidade de outros, apenas dois exemplos para entendimento), conseguem se desprender da literatura hambúrguer, ou seja, aquele livro que é bem escrito, tem uma história legal, mas carece de certa profundidade. São boas literaturas, com enredos interessantíssimos criados por eles, talvez o ponto diferencial pra literatura do restante do mundo. Contudo, falta um pouco mais daquela funcionalidade da arte que é a crítica social e, também importante, a densidade. Ressalto tudo isso em função dessa história não fugir à regra. Temos críticas sociais nas obras? Existem, contudo são, de certa forma, defasadas (não confundir com questões de posição ideológica), se debate a validade do poder instituído (Estado) , do funcionamento da Cosa Nostra, de questões éticas de honra. E a fala da densidade, de originalidade para a arte da escrita em si, transparece no livro.
Algumas questões sobre o enredo, o personagem Michael se vê obrigado à assumir as questões da família, mesmo tentando de todas as formas se adaptar ao mundo americano em que vive, até mesmo se alistando para lutar na segunda guerra. Contudo a família fala mais alto que o estado ou as leis, é uma questão, novamente, de honra e compromisso familiar.
Entrando na questão da honra vale destacar o conjunto de leis da Omertá. Podemos comparar essa lei antiga aos costumes do inicio do século XX no nordeste brasileiro (lei da vingança) assim como o Kanun albanês, praticado ainda hoje. Esse conjunto e regras oralizadas, que todos conhecem e transferem de geração em geração não se conciliam com a prática e o entendimento do estado moderno, baseado nos filósofos franceses como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. A tentativa de universalizar os direitos humanos e a democracia tenta penetrar nessas sociedades regidas por regras bem diferentes, e nem todas aceitam passivamente essa adaptação. A Cosa Nostra é um exemplo prático, hierárquica, patronal, machista e violento, regido pela Omertá. Mesmo inserida em um ambiente institucionalizado, com leis e valores diferentes, a máfia consegue se esgueirar e criar mecanismos para manter a sua própria lei paralelamente.
Talvez uma das poucas originalidades na apresentação da história seja a quebra do tempo linear. O livro inicia com o casamento da filha de Vito e transcorre até seu atentado, divide o livro uma pequena história do crescimento de Vito na América, a história de Michael na Sicília, de forma um pouco deslocada do tempo, em seguida, o retorno e ascensão do novo Don. Não que seja uma grande novidade, mas é um artificio que produz uma quebra na narrativa, tornando-a mais instigante.
Não se pode dizer que não seja um bom livro, a leitura desliza, por assim dizer, pelas páginas, e a história instiga bastante a continuidade, mas se está na vibe de uma literatura mais complexa, desafiadora, não é o livro para o momento.
Compre: O Poderoso Chefão – Mario Puzo.
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Texto de autoria de Róbison Santos.