Marcar presença no maior número de mídias possíveis é praticamente lei para qualquer produto cultural hoje em dia. The Walking Dead surgiu e se consolidou nos quadrinhos, explodiu em popularidade com o seriado televisivo e apareceu em adaptações para games. A franquia ganhou também uma série de livros, co-escrita por Robert Kirkman e Joe Bonansinga. O primeiro é o criador e roteirista das hqs, além de produtor executivo da série de TV, enquanto o segundo é um experiente escritor de livros de terror. Juntos eles se dedicaram a detalhar a origem do Governador, o mais icônico vilão da saga.
Publicado no Brasil pela Galera Record, A Ascensão do Governador é o primeiro capítulo da série literária, e serve como prequel e história paralela aos eventos mostrados na televisão. A trama situa-se nos dias e semanas iniciais da epidemia zumbi, e acompanha principalmente os irmãos Philip e Brian Blake. Junto dos amigos Nick e Bobby e da pequena Penny, filha de Philip, eles seguem a tradicional jornada dos sobreviventes em histórias do gênero. Fuga, correria e tensão constantes, em meio a uma desesperada e eterna busca por suprimentos e abrigo. Como não poderia deixar de ser, a construção dos personagens é fortemente baseada no conceito de que, em situações extremas, o verdadeiro caráter de cada um vem à tona.
Parte da diversão – e o próprio livro brinca com isso – é tentar decifrar qual dos irmãos vai se tornar o Governador. No seriado, o personagem usou os dois nomes, Philip e Brian, em diferentes momentos. E a descrição física de Philip (pele morena, cabelos e bigodes pretos e longos) ironicamente se encaixa com a versão do vilão dos quadrinhos, uma espécie de Danny Trejo psicopata. Mas no fim das contas, é preciso apenas um pouquinho de perspicácia para desviar das pistas falsas e obviedades, e enxergar o que está sendo desenvolvido. O determinante são as personalidades dos dois irmãos, que não poderiam ser mais diferentes.
Philip é o macho alfa, líder incontestável do grupo. Viúvo endurecido por uma vida dedicada ao sustento da filha, ele é o homem que parte para a ação e faz o que é preciso, sem perder um segundo com questionamentos. Conforme a pressão sobre ele vai aumentando, seu lado negro começa a aparecer. Entre descontrole e explosões de violência, seu objetivo é proteger Penny a qualquer custo. Já Brian é o popular bunda mole. Apesar de ser o mais velho, ele sempre foi fraco e dependente do irmão. No caótico cenário pós-apocalíptico, ele se torna um incômodo peso morto, medroso e que só serve para cuidar da sobrinha enquanto os homens de verdade salvam o dia. Brian sofre, e muito, para entender as regras desse nada admirável mundo novo.
O livro chega até a surpreender por conseguir aliar uma profunda análise psicológica dos protagonistas a uma narrativa muito ágil e repleta de situações diferentes. As descrições das matanças de zumbis são ótimas, detalhadas a ponto de se visualizar com perfeição todo o gore das cenas. Também vale destacar que, conforme a história avança, o tom fica cada vez mais pesado – tanto que a obra não é recomendada para menores. Outro conceito marcante do gênero aparece aqui de forma perturbadora: a verdadeira ameaça, os verdadeiros monstros, não são os mortos.
Com um final impactante e que começa a jogar essa história na direção daquilo que foi visto antes, A Ascensão do Governador mantém o alto nível dos quadrinhos e dos melhores momentos do seriado. Além de mostrar a força da franquia The Walking Dead, o livro serve até para quem não acompanha esse universo, pois analisado isoladamente ele continua sendo uma boa pedida em termos de literatura de terror e suspense.
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Texto de autoria de Jackson Good.