Após a mega mini-saga A Noite das Corujas, Scott Snyder prosseguiu no título principal do Homem-Morcego e consequentemente fez o esboço da saga posterior, que envolveria o arquirrival e gênese oficial do Cruzado Encapuzado além dos títulos acessórios de Batman. O Coringa, que estava um pouco apagado após a estreia de Detective Comics, voltaria em grande estilo ao crime e à vilania de Gotham.
A obra foi lançada após a edição número zero de Batman, cujas edições lançadas pela editora mostram histórias anteriores às apresentadas nos primeiros arcos do reboot, narrando os primeiros acontecimentos do retorno de Bruce Wayne à sua cidade natal quando infiltrado em meio à gangue do Capuz Vermelho. Ao final da edição, há uma reimaginação interessante da inspiração dos Robins Dick Grayson, Jason Todd e Tim Drake, mostrando um pouco a admiração que cada um teve pelo líder do Bat-Squad.
A ausência do Coringa é sentida por praticamente doze meses em todo o primeiro ano após o reboot, exceto pela já citada história de Tony Salvador Daniels. Não à toa, a retomada viria por meio da revista do personagem que ele aleijou anos antes. Morte da Família tem seu primeiro episódio em Batgirl 13 – com o lápis do brasileiro Ed Benes (especialista em desenhar mulheres de corpos esculturais) -, uma história curiosa por mexer com os brios da moça, já que Barbara Gordon sofreu o diabo com o Palhaço Infernal. O período em que Coringa estava em hiato era obviamente ligado à sua possível morte, uma vez que um vilão estava com o seu rosto, uma face dilacerada que depois é roubada por seu antigo dono.
O retorno triunfal do Bobo seria infectando toda a cidade, aterrorizando o Comissário Gordon, que, graças a esse fato, igualaria o seu comportamento ao de uma garotinha indefesa diante do maior apuro de sua vida inocente. A manipulação que o vilão exerce não influi somente nos cidadãos, mas também em alguns dos vilões de Gotham, especialmente nos estreitamente ligados ao bandido.
A tática consiste em atacar o Morcego em nível pessoal, com uma das primeiras ações consistindo no rapto de Alfred Pennyworth para desestabilizar Bruce Wayne e irritar “você sabe quem“. É curioso como Coringa mostra saber a identidade secreta de Batman, mas não se importa com isso, não de um modo expositivo que demonstre uma vontade de contar a novidade ao mundo. É como se o cargo estivesse vazio, sem a mesma importância que qualquer outro membro da galeria de vilões daria ao descobrir, de fato, a identidade do Cruzado Encapuzado. Mas a circunstância não o impede de atacar seu rival. O golpe é baixo: exibir qual a contraparte do herói é irrelevante; a volúpia é por humilhar o paladino.
Os ataques prosseguem. James Gordon cai, vítima de uma hemorragia causada pela intoxicação do Gás do Riso. O plano de minar as emoções do herói esbarram no sangue frio e na decisão de atacar o Coringa de modo planejado, mas ainda assim o bombardeio prossegue, e de modo sério. Dois momentos mostram o quão sério e assertivo é o modus operandi do insano palhaço. Primeiro, quando ele e o Pinguim são comparados, demonstrando a diferença do pensamento anárquico, em cometer delitos, e o do crime organizado, mostrando que o primeiro é muito mais exitoso do que o outro; o segundo momento é a disposição do vilão em atacar um a um dos membros da família do Morcego, já que, para ele, não são segredos as suas identidades e as suas rotinas pessoais.
É uma pena que não haja uma unicidade de traços entre os desenhistas das revistas, que têm no visual do Coringa o avatar da incompetência. Alguns artistas dão um maior foco ao rosto disforme do personagem, enquanto outros tratam a sua face como algo semelhante a uma máscara de látex, o que diminui, e muito, o impacto que teriam as atitudes loucas do idealizador daquele estratagema. Mas tal defeito não consegue encobrir a principal qualidade de Coringa enquanto vilão, que é a imprevisibilidade. O palhaço, que mostra uma nova loucura sempre que aparece, relembra os bons momentos de Grant Morrison à frente do número – mais uma vez Snyder bebe da fonte deixada pelo roteirista escocês.
Uma das histórias paralelas que mais atraem a atenção do leitor é o tie-in presente em Asa Noturna (Nightwing), com roteiro de Kyle Higgins e desenhos do brasileiro Eddie Barrows. Dick Grayson começa a namorar uma moça que mais tarde revela ser filha de Tony Zucco, o que reabre algumas feridas internas, escondidas após anos de vigilantismo, mas que ainda marcam a vida do primeiro parceiro-mirim do Morcego. O ataque do Coringa a ele é talvez o mais catastrófico das atitudes do vilão, pois ceifa as esperanças do ex-acrobata e prenuncia a sua mudança de atitude num futuro próximo.
Batman se sente acuado. O vilão conseguiu tocar a psiquê do Cruzado. O megalomaníaco plano visa desmoralizar o guardião de Gotham. A tensão presente nas histórias contém muito mais elementos interessantes que os momentos pregressos, talvez por Snyder estar um pouco mais à vontade à frente do título. Por incrível que pareça, seus méritos não são todos fundamentados no gigantesco carisma do Coringa. As ações registradas são justificadas pela óbvia loucura e fazem sentido dentro do microuniverso da Bat-família.
É notório que as decisões em relação ao Palhaço do Crime passem muito pelo estilo diferente do personagem, primeiro com a decisão da retirada do seu rosto, pondo-o numa posição mais grotesca de sua história, mas também exagerando nas características da loucura. O que não pode ser associado à repetição da fórmula é o modo como o vilão trata os personagens acessórios, tocando de modo pessoal na rotina dos aliados do Morcego, especialmente em relação a Bartgirl (Barbara Gordon) e Asa Noturna, abalando, direta e indiretamente, a confiança dos dois em Batman.
A conclusão da saga, presente em Batman 17, mostra toda a Bat-família capturada pelo Coringa, todos diante de uma mesa, em uma referência obscura à família de canibais de Massacre da Serra Elétrica, de Tobe Hooper. Todo o plano arquitetado e posto em prática vai bem, até esbarrar na decisão final, no modo como o Morcego resolve os mistérios e vence seu adversário, jogando com ele em um campo onde jamais gostaria de entrar.
O Batman blefa, usa as mesmas artimanhas que seu inimigo, e isto até poderia ser uma boa saída, mas o modo como ela é construída é bastante preguiçosa, tendo muitos casos semelhantes em toda a trajetória do personagem. Durante setenta e cinco anos, o Morcego já usou artifícios semelhantes de enganação. Até mesmo no final de Batman Eternamente o modo como o Bat-Val Kilmer vence o Duas Caras de Tommy Lee Jones é muito semelhante ao caderno que contém a malfadada “identidade real” do Palhaço. A questão poderia ter sido melhor pensada, até pela pompa que a saga ganhou com o passar do tempo. A explicação que Bruce dá por não ter assassinado seu nêmese chega a ser plausível, e, aliada à separação do Bat-Squad, quase fez com que as soluções fáceis de Snyder fossem toleráveis. Contudo, elas não apagam o gosto ruim que fica após saborear o desfecho de Morte da Família, apesar dessa história ser muito mais bem urdida que as sagas anteriores.
Compre: Batman – A Morte da Família.
Defeinitivamente Filipe não é muito fã do Batman do Snyder. Hahaha…
totalmente não fã. Tu curte ele Will?
Cara, eu li a das Corujas lá, achei bacaninha. Ele não inventa muito e trabalha bem essa questão da origem da cidade e o herói de forma orgânica. A trama principal é bem lugar comum, mas pelo contexto geral eu curti – e se tratando de uma mensal, essa do Batman e aquela fase do Superman do Morrison são as que mais se destacam, em minha opinião. Gosto também da arte do Capullo desde Spawn, aqui ele tá mais contido.
Pra mim, quem ferrou com essa trama foi o Grant Morrison na conclusão de Batman Inc. A “morte” da família perdeu o sentido original, de perda de confiança dos membros do Bat-Squad em seu mentor, quando o destino de Damian foi selado por Morrison.
vale a pena comprar sim ou nãooooooooo
Se estiver em promoção, vale. Pelo preço que estão cobrando, não.