O subtítulo do volume um de Era Uma Vez na França faz justiça a todo o estudo fenomenal de personagem revelado em 56 páginas, mais velozes do que deveriam ser – o que nos convida a releitura. Atuando como um grande flashback dividido em várias épocas, conhecemos a fundo a ascensão d’O Império do Senhor Joseph, que junto de sua esposa Eva e sua fiel assistente Luci, alcançaram grande influência na máfia francesa e na área de mineração do país, ainda na primeira metade do século 20. A biografia de Joseph Joanovici desvenda a figura de um genuíno homem de negócios, uma raposa refugiada da Romênia (após ter seu pai judeu decapitado), cuja paternidade e fidelidade com a esposa Eva não eram seu forte, e que o culpariam para sempre.
Remetendo em vários momentos, e de uma forma inevitável, a sequência de O Poderoso Chefão, na qual o jovem imigrante Vito Corleone galga seu caminho na América entre muitos crimes e ameaças de morte até o topo da máfia italiana, aqui Joseph e Eva chegam a França sob um total desamparo. Contando apenas com o tio de Eva, logo Joseph se apodera da sua pobre oficina cheia de sucatas, e expande os negócios a níveis inimagináveis, até então. Aos poucos, e fazendo alianças e inimigos por onde passava, Joseph virou de dono de ferro velho a mercador bilateral de armas, aliado tanto a resistência da França que ele falsamente amava, por gratidão, quanto a Alemanha nazista. Assim, não tardou a atrair a atenção das autoridades do governo local, e em especial, a do juiz Fayon.
Numa narrativa típica de caça ao rato, os agentes de segurança nacional tentavam sempre andar nos calcanhares de Joseph, mas nunca alcançavam o mercador, cada vez mais poderoso. Mesmo apanhando seus contatos e obrigando-os a cooperar, as pistas não ajudavam os homens da lei, e muito menos o pobre Jacques Fayon. Homem de família e até então intocável, assistiu o submundo do crime começar a se enraizar nos níveis mais altos da administração pública da França nos anos 40, com o sobrenome Joanovici impondo-se como um pesadelo a todos aqueles que prezavam e garantiam o bem-estar da nação, principalmente durante a Segunda Guerra. Eis o conto biográfico do mais famoso “leve e trás” europeu que, através do seu império de ferro, não via diferença entre o dinheiro de amigos e inimigos nacionais, em uma vida de privilégios e segredos que, bem no fim, sofreu as cobranças do destino.
Como documento histórico no melhor estilo investigativo de O Dossiê Pelicano e outras obras inesquecíveis, os talentosos autores Fabien Nury e Sylvain Vallée fazem deste primeiro Era Uma Vez na França um forte e verídico registro ilustrado, orgulhosamente realista, de um tempo conturbado pelos homens que o moldaram. Ao fragmentar os diversos períodos da história de Joseph e sua doce Eva, temos o retrato nada idílico mas cru, ainda que hipnótico, de uma figura imoral e vilanesca, afinal, tanto a si mesmo quanto a todos os seus contatos mais próximos. A editora Record caprichou na edição em português de 2013, com uma estética grandiloquente e uma capa dura que na verdade são a cereja do bolo, graças a maravilhosa tradução de Gilson Dimenstein Koatz a universalizar os diálogos e o ritmo literário da graphic novel.
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