“Os demônios não precisam de motivos, Peter.”
E tudo o que o Homem-Aranha não precisa, realmente, é de um Venom mais poderoso à solta, em Nova York. Mas como se tragédia pouca fosse bobagem, nem Mary Jane aguenta mais as aventuras do maridão Peter Parker, que nunca tem tempo pra ela, sempre sozinha. É curioso como, na década de 90 que a Marvel quase faliu, muitas histórias memoráveis surgiram para (tentar) salvar a editora, e melhorar a mitologia dos seus heróis – e vilões! Homem-Aranha – Carnificina Total é um desses arcos pouco lembrados, e que certamente merecem ser resgatados pelos fãs do Cabeça de Teia, ainda mais agora com Venom 2 prestes a ser lançado nos cinemas do mundo, se a Covid-19 permitir.
A minissérie, lançada em 14 partes em 1996, reuniu quatro roteiristas de peso na época (Tom DeFalco, J.M. DeMatteis, Terry Kavanagh e David Michelinie), e uma arte de Mark Bagley e companhia bem típica dos anos 90: nada realista e bem expressiva, com cores chapadas e sem relevo de photoshop, nas quais o mundo dos super-heróis ficou tão reconhecido. O resultado não poderia ser mais épico e irreverente: quando o maníaco Cletus Kasady volta a ter consciência do seu monstro interior, o Carnificina (um simbionte feito do resto de Venom), ele escapa do cativeiro hospitalar em que estava preso, mais furioso e feroz do que nunca, e vira Nova York de ponta cabeça, a ponto de subjugar outros vilões e formar um grupo que deixa o Sexteto Sinistro comendo poeira.
Nada parece interromper o rastro de sangue do vilão, uma ameaça vermelha e histérica à altura de Superman ou Thor. A destruição então é gigante, e o vilão insano se torna, rapidamente, o rei do pedaço. O Aranha falha miseravelmente em combatê-los, e a realidade é uma só: sem Venom (e até o vampiro Morbius, entre outras grandes surpresas) para lhe ajudar, em ótimas cenas de batalha, não há vitória possível contra a barbárie que o Carnificina faz, unicamente por fazer – uma loucura sem razão, mais ou menos igual o Coringa de Batman, muito mais selvagem que o palhaço. É admirável como Carnificina Total consegue mostrar várias vezes os massacres em Nova York, sendo um gibi para crianças, ao sugerir algumas mortes sem nunca mostrá-las de uma maneira chocante, a seu público alvo, nem deixar de explorar a crueldade sem limites do antagonista.
Nota-se, sobretudo, o inebriante gosto da era de ouro dos quadrinhos que há, aqui, sem muita seriedade, e mais a fantasia que os gibis dos anos 40 e 50 tinham, no auge de Stan Lee e Jack Kirby. Entregando-se para a ação e o terror juvenil, com um drama integrado a urgência do momento, essa clássica HQ surpreende quem estava acostumado com o tom leve e descontraído de outras histórias clássicas da Marvel, já que a pegada é tão sombria quanto possível para uma publicação infantil. Nas duas partes publicadas no Brasil pela saudosa Editora Abril, agora publicado em edição encadernada pela Panini Comics, está armado portanto um dos maiores confrontos do símbolo supremo da Marvel, o seu maior ícone, imortalizado em todas as mídias, porque quando o Venom apanha de um oponente, e pede para sair, é porque a coisa está feia! Difícil acreditar que maníacos podem ser detidos, enquanto estão no poder.