“Todos temos uma música silenciosa, e que só percebemos no silêncio absoluto.”
Astronautas perdidos no espaço dão ótimas histórias, e é muito difícil estragar alguma trama que envolva, por quaisquer razões, um profissional de astronomia vagando a esmo entre as estrelas, lá em cima, envolto numa escuridão e aquietação sem fim. Disso, surge a inquietação: De onde vim, e para onde vou? Adicione a isso dilemas existenciais que vem à tona seja pela reclusão, seja pelo o que a figura deixou pra trás na Terra, e a fórmula para um bom conto desabrocha, feito lírio na primavera. O cinema sempre fez isso, a literatura também, mas Mikrokosmos, a curta e poética publicação de Thiago Souto, tenta ir muito além em um aspecto: investigar o limite da linguagem da mídia a qual pertence, e faz vibrar.
Logo de cara, o prefácio do psicanalista e escritor Diego A. Penha já nos remete a lógica das histórias em quadrinhos, meros quadros empilhados que buscam a sensação rítmica de continuidade entre suas imagens; planos estáticos em que, numa comparação sistemática com o vácuo espacial, seria realmente impossível transmitir o som? Ao narrar a história de um astronauta, já em idade avançada e assombrado por suas raízes, e a influência musical que sua mãe lhe passou desde a infância, Souto utiliza dessa trama para literalmente explorar se a continuidade visual pode levar, consigo, a sensação de ritmo musical que uma sinfonia preserva em todo o seu andamento.
Pois ele nunca esqueceu o piano da mãe, chegando até mesmo a imaginá-lo, peça icônica e sugestiva como só, dentro de sua espaçonave – o rústico e o futurístico juntos, um grande fetiche visual. Agora, preso nos confins do espaço numa missão exploratória para a ciência do seu país, o indivíduo solitário de capacete se pega embriagado em nostalgia – e não é pra menos. Afinal, como alguém poderia ir tão longe e não retornar ao ponto inicial? Mikrokosmos expõe a pequena realidade antiga do homem em conflito perturbador com a sua pequena realidade de hoje, numa relação ambígua vista muito menos como fantasmagórica e mais onipresente, mesmo, tal a influência inevitável do que nos faz chegar aonde chegamos.
Assim, Souto tem como missão emprestar a harmonia de uma obra sinfônica, a uma mídia fadada ao silêncio de suas imagens que necessitam de uma expressão mais afiada que o Cinema, por exemplo. Seus quadrinhos então, falam e por vezes exclamam impressões que só os melhores trabalhos da nona-arte conseguem transmitir, com gráficos abstratos que garantem uma poesia inerente a poucas páginas, de grande apreciação. E mesmo que seu final seja previsível, e coerente aos impulsos de nosso astronauta a boiar nas veredas celestiais próximas a constelação de Sirius, eis um trabalho que existe, acima de tudo, para insinuar e nos mostrar outras oportunidades de se ler, sentir, experimentar (e quase ouvir) uma história em quadrinhos.