Tag: Thiago Souto

  • Resenha | Por Muito Tempo Tentei me Convencer de Que Te Amava

    Resenha | Por Muito Tempo Tentei me Convencer de Que Te Amava

    Em 2015, o então prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, determinou que a Avenida Paulista deveria ser fechada para veículos motorizados e liberada para pedestres e ciclistas, durante os domingos e feriados nacionais, entre as 10h e as 18h.

    Tal medida teve como objetivo trazer a população para esses espaços, propiciando um ambiente de lazer tranquilo e seguro para as famílias que por lá poderiam passar. A medida foi bem sucedida e continua em vigor ainda nos dias atuais.

    Sob esse pano de fundo, Thiago Souto concebeu Por Muito Tempo Tentei me Convencer de Que Te Amava, história que narra o passeio dominical de um paulistano (ele mesmo, no caso) pela Avenida Paulista.

    Com uma narrativa sinestésica e polifônica, Souto leva o leitor a acompanhar sua sensação diante do que a cidade pode oferecer. Em fluxo de pensamento ele divaga e apresenta fragmentos da realidade entrecortados entre si, criando assim uma colcha de retalhos que evoca a experiência pessoal em detrimento do relato fidedigno.

    Desse modo, a narrativa se dispõe a construir toda uma ambientação que ressoa aos detalhes mais ordinários que englobam o contato humano, ao mesmo tempo em que personaliza a cidade de São Paulo, tratando-a quase como alguém com vida e vontade próprias.

    Nesse intuito, Souto abre mão de elementos basilares da narrativa gráfica, deixa de lado requadros e sarjetas, fazendo com que a página como um todo funcione tanto enquanto unidade de sentido quanto a partir de toda uma multiplicidade de cenas que se acumulam e se atropelam na explosão multissensorial pela qual o autor passa ao se pegar desbravando São Paulo por um ângulo que até então não havia imaginado.

    A diversidade é a todo tempo evocada através dos pedaços de vida que o olhar de Thiago capta em seu entorno, conjugando visualidades e pontos de convergência através de uma narrativa visual caótica e que se estabelece em dupla camada, através do preto, do branco e do magenta, que dão volumetria para as cenas ao mesmo tempo em que possibilitam a simultaneidade dos eventos que se entrepõem aos planos narrativos.

    A dissonância resultante do traço dinâmico e camaleônico de Souto torna um passeio de domingo em uma experiência transcendental, que discute a relação de amor do autor com a capital paulista, sua cidade natal, mas que traz consigo particularidades tão grandes e vastas que ele mesmo por vezes precisa parar e contemplar aquele todo múltiplo e diverso que compõe a cidade.

    Publicado pela Balão Editorial, Por Muito Tempo Tentei me Convencer de Que Te Amava possui quarenta e oito páginas em papel pólen e capa cartonada com orelhas. Breve, mas impactante, a história entrega uma carta de amor a São Paulo e desnuda o imenso potencial de Souto enquanto quadrinista, com seu roteiro fragmentário e arte fluida.

  • Resenha | Mikrokosmos

    Resenha | Mikrokosmos

    “Todos temos uma música silenciosa, e que só percebemos no silêncio absoluto.”

    Astronautas perdidos no espaço dão ótimas histórias, e é muito difícil estragar alguma trama que envolva, por quaisquer razões, um profissional de astronomia vagando a esmo entre as estrelas, lá em cima, envolto numa escuridão e aquietação sem fim. Disso, surge a inquietação: De onde vim, e para onde vou? Adicione a isso dilemas existenciais que vem à tona seja pela reclusão, seja pelo o que a figura deixou pra trás na Terra, e a fórmula para um bom conto desabrocha, feito lírio na primavera. O cinema sempre fez isso, a literatura também, mas Mikrokosmos, a curta e poética publicação de Thiago Souto, tenta ir muito além em um aspecto: investigar o limite da linguagem da mídia a qual pertence, e faz vibrar.

    Logo de cara, o prefácio do psicanalista e escritor Diego A. Penha já nos remete a lógica das histórias em quadrinhos, meros quadros empilhados que buscam a sensação rítmica de continuidade entre suas imagens; planos estáticos em que, numa comparação sistemática com o vácuo espacial, seria realmente impossível transmitir o som? Ao narrar a história de um astronauta, já em idade avançada e assombrado por suas raízes, e a influência musical que sua mãe lhe passou desde a infância, Souto utiliza dessa trama para literalmente explorar se a continuidade visual pode levar, consigo, a sensação de ritmo musical que uma sinfonia preserva em todo o seu andamento.

    Pois ele nunca esqueceu o piano da mãe, chegando até mesmo a imaginá-lo, peça icônica e sugestiva como só, dentro de sua espaçonave – o rústico e o futurístico juntos, um grande fetiche visual. Agora, preso nos confins do espaço numa missão exploratória para a ciência do seu país, o indivíduo solitário de capacete se pega embriagado em nostalgia – e não é pra menos. Afinal, como alguém poderia ir tão longe e não retornar ao ponto inicial? Mikrokosmos expõe a pequena realidade antiga do homem em conflito perturbador com a sua pequena realidade de hoje, numa relação ambígua vista muito menos como fantasmagórica e mais onipresente, mesmo, tal a influência inevitável do que nos faz chegar aonde chegamos.

    Assim, Souto tem como missão emprestar a harmonia de uma obra sinfônica, a uma mídia fadada ao silêncio de suas imagens que necessitam de uma expressão mais afiada que o Cinema, por exemplo. Seus quadrinhos então, falam e por vezes exclamam impressões que só os melhores trabalhos da nona-arte conseguem transmitir, com gráficos abstratos que garantem uma poesia inerente a poucas páginas, de grande apreciação. E mesmo que seu final seja previsível, e coerente aos impulsos de nosso astronauta a boiar nas veredas celestiais próximas a constelação de Sirius, eis um trabalho que existe, acima de tudo, para insinuar e nos mostrar outras oportunidades de se ler, sentir, experimentar (e quase ouvir) uma história em quadrinhos.

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