André Diniz é um quadrinista com quase 20 anos no mercado, e talvez por conta da experiência, sua adaptação de O Idiota, o clássico de Fiódor Dostoiévski, para quadrinhos,é realmente muito bem feito. Publicado pelo selo Quadrinhos na Cia, da Companhia das Letras, a adaptação de Diniz é dessas obras que funcionam por si só, explorando o tema visual em oposição à escrita excessivamente psicológica e interna do gênio russo.
Em 2018, o romance clássico completou 150 anos de publicação. O livro foi impresso como novela de folhetim e os leitores acompanhavam diariamente o príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin (ou apenas Príncipe Míchkin). Nao me cabe aqui explicar todo o enredo do livro dostoievskiano, primeiramente, por não ser tarefa fácil resumi-lo, já que o romance contém fortes reviravoltas, dezenas de personagens e uma sequência de altos e baixos que se perderiam frente à explicação do todo; segundo porque é um livro de domínio público com dezenas de versões por todos os cantos; terceiro porque é Dostoiévski e se você não leu nada dele ainda, desejo mesmo que você o leia e O Idiota é um bom começo.
Mas voltando ao trabalho de Diniz. O quadrinista foi brilhante em enxugar o discurso interior, detalhista e psicológico que permeia a enredo de Dostoiévski e ilustrá-lo por meio de desenhos áridos, em preto e branco, que muito lembra o estilo dos cordéis nordestinos, uma de suas tantas características como artista. Há um contraste evidente e esperado entre as duas formas, contudo, o silêncio impresso no quadrinho, os poucos balões de textos, as grandes formas em alguns enquadramentos, despertam a curiosidade do leitor durante a leitura.
Ao cortar o diálogo dos quadrinhos, conseguimos emergir mais profundamente no mundo silencioso daquela tragédia. Silêncio exterior, visto que a eloquência é feita de forma mental, em Dostoiévski. A ausência de linhas de diálogo pode até supor uma certa rapidez de leitura ou aproximação falsa do drama, mas atente aos detalhes. André Diniz usa apenas o preto, o branco e escalas de cinza, mas são essas nuances entre as tonalidades que darão o tom pesado da narrativa. As sombras são os detalhes.
O quadrinista também opta por diversos closes nos personagens que devem fazer com que leiamos mais atentamente aqueles desenhos e a narrativa que está se formando. Aliás, talvez o problema do leitor mais apressado é que ele acabe apenas observando, mas não enxergando os acontecimentos da história. Há uma diferença. Apesar de não haver tantos diálogos, é preciso ler os quadrinhos com atenção para mergulhar de vez no drama do príncipe idiota.
Leitura muito bem recomendada. É uma obra que presta grande serviço a todos os tipos de leitores e funciona complementando o trabalho genial do russo. De fato, adaptar não é seguir à risca o cânone, mas implementar um ponto-de-vista original sobre outro trabalho. Assim as histórias são recontadas entre elas mesmas e o fluxo infinito de suas terminações logo frutificará outras ideias e novas histórias.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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