Se Hollywood hoje aposta tudo e mais um pouco em caríssimos derivados de sagas consolidadas, os quadrinhos já fazem isso desde o início dos tempos, e talvez o super carismático Peninha seja um dos exemplos mais bem sucedidos. Para quem não sabe, um derivado (ou spin-off, no termo original) é aproveitar um personagem que deu certo em uma franquia, como Star Wars e Harry Potter, e colocá-lo em arcos próprios de histórias em que finalmente pode ser o protagonista. Para as icônicas criações de Carl Barks, todas dentro do universo do Pato Donald na sua bela cidade de Patópolis, a Disney sempre tentou expandir a família, dando prioridade para o Tio Patinhas, o professor Pardal, Gastão e cia., sempre sob o ponto de vista de uma família divertida, e mais ou menos tradicional. Não havia nenhum elemento estranho na mesa. Não havia nenhum, digamos, subversivo na mais famosa árvore genealógica dos gibis.
Mas o mundo muda, e encontrar uma fórmula para agradar a todos os tipos de públicos sempre foi prioridade nos quadrinhos que, nas suas historinhas irreverentes, conseguiam dialogar entre gregos e troianos nessa tão ampla linguagem universal da diversão. Confiantes disso nos anos 1960, o roteirista Dick Kinney e o desenhista Al Hubbard ajudaram a Disney a criar personagens para o mercado internacional, com atenção especial para a Europa e América Latina. É claro que o amalucado Peninha foi o primeiro a cair no gosto de todos, pois era o símbolo catártico do anticonvencional que já começava a surgir com força nas sociedades dos anos 60. Aquele parente típico que chega para fazer tudo virar de perna para os ares, revolucionar, revirar, e ir embora após servir a seu motivo de desestabilizar a normalidade. Peninha vestia esse manto junto dos seus inconfundíveis suéter e gorrinho vermelhos, e através de suas invenções doidas que faziam o pobre pato Donald e seu gatinho Ronrom querer escapar de Patópolis – sem olhar para trás.
Ninguém está seguro com o primo Peninha por perto, ele e suas “geniais” ideias mirabolantes. Tal qual um Professor Pardal imaturo e inconsequente, quando ele não chega para fazer magia e apavorar geral no mais banal dos dias, Peninha se mete na carreira de costureiro, de taxista, de advogado, e bota tudo a perder – ou a explodir. O engraçado é que ele sempre convence Donald a participar de suas loucuras, pois como bom malandro, Peninha é um manipulador nato. Assim, ele faz seu reservado primo mergulhar em mil confusões na cidade, na praia e no campo, sendo que sua primeira aventura publicada no Brasil em 1965 foi justamente um corre-corre danado no velho-oeste americano, com direito a chapéu de cowboy e uma inesperada perseguição cheia de perigos. E Donald achou que aquele seria um passeio calmo e tranquilo. Seria mais fácil esperar isso junto de Huguinho, Zezinho e Luisinho. Afinal de contas, Peninha não é para amadores, e mesmo assim o amamos como qualquer outro parente da família dos patos.
De qualquer forma, em uma visão mais aprofundada às histórias coloridas e eletrizantes de Kinney e Hubbard, nota-se o quanto Peninha representa o futuro caótico que é sempre especulado pelo público mais saudosista e conservador, de cada época. A dupla de artistas criou um personagem que é a causa da insegurança das pessoas, uma vez que o amanhã é imprevisível e causa desconforto para quem não gosta nem de pensar em mudanças. Em outra análise deste compilado de histórias do Peninha, publicadas entre 1964 e 1965 em um belíssimo trabalho gráfico da editora Abril, evidencia-se que, mesmo visando (e talvez exatamente por isso) o público fora dos Estados Unidos, em um período pré-globalização na indústria do entretenimento, a glorificação da cultura dos EUA se intensificou em seus processos de exportação, em algo que pode ser chamado de “imperialismo cultural”, um conceito que o país do Capitão América sabe reproduzir como nenhum outro. E Peninha foi um dos veículos perfeitos para isso já que todo mundo tem um parente maluquinho desses para amar, mesmo após tantas ciladas homéricas. Família é família.
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