Criada por Garth Ennis e Steve Dillon, escrita pelo primeiro e desenhada pelo segundo, além das capas feitas por Gleen Fabry, Preacher se tornou rapidamente uma das publicações da Vertigo mais famosas dos anos 90 devido ao seu estilo cínico, cheio de ação e de críticas a religião e a sociedade ocidental como poucas da época.
Os 66 números se tornam uma leitura relativamente rápida, mesmo com pouco tempo disponível é possível ler sem maiores problemas uma média de 4 ou mais números por dia, ou a metade de um dos 9 arcos da história, e concluí-la em menos de 1 mês. A série tem as suas metáforas e reflexões interessantes, mas também tem muita ação, o que a faz ter um equilíbrio para quem busca algo a mais em uma HQ de leitura rápida.
Sinopse: o reverendo Jesse Custer foi possuído por uma entidade que lhe confere a voz de Deus, super poder este que faz com que qualquer um lhe obedeça. Juntam-se a ele sua ex-namorada Tulipa e o vampiro irlandês porra-louca Cassidy. Devido a explosão da igreja onde estava na hora em que recebeu o poder, os três são caçados pelo governo americano e pelo Santo dos Assassinos enquanto ajudam Jesse em sua busca pelo paradeiro de Deus no meio de duas grandes conspirações, uma envolvendo a política celeste e a outra o Santo Graal.
Os três protagonistas: Jesse Custer, Tulip O’ Hare e Cassidy
A história em si, apesar de regular, inova pouco dentro da narrativa de super-herói, todas as convenções do gênero estão lá. O que Garth Ennis faz é subvertê-la de forma interessante: o super poder do protagonista é pouco utilizado (ele é até esquecido às vezes, como no número 33), todos sabem a identidade secreta do (super-herói) pregador, ele tem uma namorada e um melhor amigo, sua galeria de vilões são todos regionais (específicos de locais por onde os protagonistas passam), com exceção do super vilão Herr Starr, que o persegue o tempo todo, além de que um importante personagem morre e retorna no número seguinte.
A premissa de Preacher é a crítica ferrenha aos valores cristãos-católicos, na figura do ex-pregador que vai acertar as contas com Deus. Sendo mostrado o tempo todo de forma patética por fugir do céu e evitar o confronto com Jesse, Deus e as criaturas celestiais na história tem tantas falhas quanto os humanos, sendo movido pelos seus interesses pessoais, acima do bem comum, conspirando e assassinando, ao invés de promover o amor e a tolerância entre os humanos, como também salvar a humanidade.
Jesse pergunta pelo todo poderoso…
…e finalmente o encontra em um dos melhores momentos da série.
Ao longo da trama, Garth Ennis trabalhou bastante os protagonistas da série da Vertigo. Jesse e Tulipa, no entanto, tiveram poucas mudanças de caráter e de personalidade. Jesse começa e termina a história com seu senso moral de fazer o que acha certo a sua maneira, querendo acertar as contas com Deus, e enquanto isso não acontece se mete em brigas com quem quer que cruze o seu caminho.
Tulipa como uma assassina de aluguel cheia de vida ainda é a namorada perdidamente apaixonada por Jesse e o segue até o fim. Ela tem dúvidas e incertezas quando posta de lado por ele algumas vezes, mas sempre são contornáveis no final das contas. Seu momento mais marcante de mudança de personalidade é quando fica de luto, e é aí que o autor lhe confere a qualidade mais interessante: ficar em depressão profunda.
O casal apaixonado
Cassidy, por outra vez, se torna de longe o personagem mais tridimensional e o mais interessante. O alter ego irlandês do autor é dúbio, tem falha de caráter e o seu passado é um dos mais ricos de todos. Talvez por ser a mais extensa (já que ele é um vampiro de quase 100 anos), é a que melhor detalha a mudança de personalidade de Cassidy com situações que mostram a sua essência: ele te seduz sendo um bom amigo que faz tudo por você até se tornar um filho da mãe que te esfaqueia pelas costas. Ele te usa, e quando você não tem mais serventia, te joga fora. Em suma, pode-se dizer que é um vampiro social.
Cassidy saboreando a carne depois de amaciá-la em uma briga
Um dos pontos altos na obra é o cinismo de Garth Ennis. Todas as grandes sacadas da narrativa envolvem mostrar situações onde algum personagem respeitável está fazendo algo condenável moralmente, ou quando sofre ou morre de forma esdrúxula. O mais curioso é que isso não se restringe somente aos protagonistas: todos os que fazem parte da história em algum momento caem nas armadilhas preparadas pelo autor, mostrando o quão patéticos eles são naqueles momentos. É aí que o leitor será surpreendido, quando o esquisito, o grotesco se apresenta.
O Grande pai D’Aronique golfando, já que sofre de bulimia
Senhorita Oatlash, a advogada de Odin Quincannon dando em cima de Jesse
Herr Starr escolhendo uma peruca
Pai da Tulipa morto por caçadores de forma patética: cagando no mato
Outro ponto alto são os diálogos, que são sempre mostrados de forma a fornecer ao leitor mais sobre as particularidades dos personagens, como também de dar mais informações a cerca do universo que os circunda. Bem escritos, soam críveis na maioria das vezes, tendo uma ou outra escorregada aceitável.
A série é muito violenta e a violência é apresentada de forma crua, sendo que a sugestão dela poucas vezes ocorre. O gore praticamente dá as caras o tempo todo quando pessoas são mortas por armas de diversas formas possíveis. Pode ser um incômodo para quem tem problemas com tamanha exposição, mas para quem gosta é um prato cheio.
O desenho de Steve Dillon no geral é interessante. Os personagens comuns são retratados de forma usual, mas o seu melhor se encontra nos personagens bizarros como Santo dos Assassinos, Cara-de-Cu, Herr Starr, Marie L’Angell, o grande pai D’Aronique, Odin Quincannon, entre outros. No traço de Dillon eles se tornam tão característicos e enigmáticos que são reconhecíveis facilmente inclusive quando mal aparecem em cena.
Odin Quincannon, um dos vilões mais bizarros
Sua caracterização de ambientes e cenários também é satisfatória, dando ao leitor a fácil capacidade de se ambientar no meio de tantas andanças que ocorrem ao longo da série.
Mas seu traço também tem um problema que incomoda: o rosto das personagens femininas são quase sempre iguais. Isso só não torna mais difícil a caracterização para o pelo leitor pois as cores bem usadas das roupas e cabelos diferentes permite a identificação, mas ainda assim deixa a história mais pobre.
As duas personagens femininas e seus traços muito parecidos
As capas de Gleen Fabry são um espetáculo a parte. De uma forma mais realista, as ilustrações tentam elevar os personagens desenhados por Dillon um patamar diferenciado.
Preacher vale a pena? Definitivamente pela relevância alcançada que tem no mundo dos quadrinhos alternativos dos anos 90. Ennis conseguiu atingir um nível superior de qualidade entre o auge das histórias com heróis super fortes e cor digital da Image e as fracas tramas de quedas de heróis da DC/Marvel. Junto com Grant Morrison, Neil Gaiman liderou a vanguarda alternativa do selo Vertigo, e se tornando uma alternativa interessante para uma época que o tempo mostrou ser relevante até hoje.
–
Texto de autoria de Pablo Grilo.
Excelente resenha. Li Preacher e fiquei estupefato ao final. Merecia até mesmo uma dramatização, uma podcast-novela, ou algo parecido. 🙂
Parabéns pelo artigo!
Obrigado Lucas. Parece que ia virar série da HBO, mas desistiram.
estou com essa hg aqui ta com um tempinho,ainda não li quando terminar Hell boy eu começo a ler. excelente resenha! me deu mais vontade de ler a hq.
Não acredito que acabei de ler uma resenha de PREACHER que ignora completamente a influência dos Westerns no desenvolvimento da HQ… Mas que, de alguma maneira, conseguiu comparar erroneamente a história com uma trama de super-heróis.
O que vai ser da próxima vez? Uma resenha de “Maus” onde Vladek Spiegelman é um super-herói e Adolf Hitler é o super-vilão? Mal posso esperar!
Realmente eu não foquei na influência western porque não achei tão relevante assim. Agora me diz onde que erroneamente eu comparei a trama com a de super-herói?
Ainda não li Maus, mas pretendo fazer resenha sobre.
“Realmente eu não foquei na influência western porque não achei tão relevante assim.”
Esse não é o caso. Você nem sequer CITOU a influência dos westerns na sua resenha. Você ignorou completamente um dos elementos-chave de PREACHER. Está tudo ali: John Wayne, o Pistoleiro Imperdoável, a cultura sulista, o deserto (praticamente toda a história se passa em um deserto), Salvation, o Álamo, etc.
“Agora me diz onde que erroneamente eu comparei a trama com a de super-herói?”
PREACHER não é uma HQ do gênero super-herói. Comparar PREACHER com uma HQ de super-heróis faz tanto sentido quanto comparar “Django Livre” com “The Dark Knight”. Ou laranjas com peras.
Não confunda as coisas, não é porque tem John Wayne, cultura sulista e deserto que necessariamente é western.
Se eu tivesse achado estes elementos importantes para a HQ, eu teria focado, é normal, cada resenha escolhe abordar os temas que o resenhista achou mais relevante.
Preacher segue exatamente a estrutura de uma HQ de superherói, como citei acima.
“Não confunda as coisas, não é porque tem John Wayne, cultura sulista e deserto que necessariamente é western.
Se eu tivesse achado estes elementos importantes para a HQ, eu teria focado, é normal, cada resenha escolhe abordar os temas que o resenhista achou mais relevante.”
Você está errado, Pablo.
“Preacher draws on movies, particularly Westerns, for many of its stylistic elements. For example: an apparition of John Wayne is a recurring character and serves as a sort of spiritual guide or conscience for Custer; Monument Valley and The Alamo serve as backdrops to various legs of the journey; for a time, Jesse acts as the sheriff of a small town in Texas, and must protect the inhabitants from harm; the image of the Saint of Killers, a reformed bounty hunter-turned-killer-once-more in the tradition of Clint Eastwood’s Unforgiven character, William Munny, is a nod to the classic Western notion of nemesis, straight and true and terrible.” [FONTE: http://en.wikipedia.org/wiki/Preacher_(comics)%5D
“Three or four years ago I was getting ready to begin writing my own take on the western. It would be called PREACHER, I’d decided, and though set in modern-day Texas it would have all the hallmarks of the stories I grew up on. The hero would stand four-square for what was right and just, the girl would be beautiful, the sidekick a rogue, the villains a bunch of shits, the comic relief an annoying little bastard” – Garth Ennis.
E acho interessante que você leia esse trabalho: http://skemman.is/stream/get/1946/4224/12250/1/Fossberg_fixed.pdf
Ele indica claramente os elementos de Western em PREACHER que você, de alguma maneira, não percebeu.
Acho que agora você entende como nem sequer citar (ou perceber) a influência dos westerns na sua resenha foi um erro.
“Preacher segue exatamente a estrutura de uma HQ de superherói, como citei acima.”
Não, não segue. Primeiro: PREACHER não é uma HQ do gênero super-herói. Ser avaliada como tal não tem sentido; Segundo: a HQ tem um começo, meio e fim, coisa que HQs de super-heróis desconhecem; Terceiro: diferente do que você imagina, Garth Ennis não estava tentando inovar no gênero super-herói. Ele sequer está escrevendo o gênero com PREACHER; Quarto: a HQ não é politicamente correta, diferente do mainstream americano (por isso PREACHER é da Vertigo); Quinto: só porque uma trama possui arquétipos e mecanismos narrativos reconhecíveis, não significa que ela segue uma estrutura de HQs de super-heróis. Só significa que Joseph Campbell estava certo; Sexto: PREACHER não é maniqueísta (Jesse Custer não é um santo e Cassidy não é o Diabo, por exemplo); Sétimo: não é porque é uma revista em quadrinhos que deve ser comparada às HQs do Superman.
Acho um pouco demais falar que houve um erro na resenha. Como disse, cada resenhista escolhe abordar os temas que considera mais relevantes na obra. Lembre-se, esta não é uma crítica e eu não sou especialista em quadrinho nem pretendo ser, só dei a minha opinião sobre a série.
Para ser justo, a única parte que é basicamente westerm puro é no arco Salvação onde ele confronta Odin Quincannon. De resto, não vou me repetir aqui.
Preacher segue a estrutura e convenções do gênero de super herói. Me refiro aos pilares que formam a obra: Jesse tem um super poder, mas não o usa, todos sabem da sua “identidade secreta”, ele tem uma galeria de vilões, mas a galeria é totalmente regional e não alocada em uma única cidade. A tulipa morre e volta no outro número. Viu? Todas as convenções se encontram na obra.
“Sétimo: não é porque é uma revista em quadrinhos que deve ser comparada às HQs do Superman”
Por último, eu ia responder essa sua frase, mas estou sem paciência. Se o caminho do debate for esse, pode esquecer.
“Acho um pouco demais falar que houve um erro na resenha. Como disse, cada resenhista escolhe abordar os temas que considera mais relevantes na obra.”
E mesmo assim você conseguiu ignorar um dos pontos mais relevantes de PREACHER. Parabéns pela falta de percepção.
“Lembre-se, esta não é uma crítica e eu não sou especialista em quadrinho nem pretendo ser, só dei a minha opinião sobre a série.”
Eu sei. Já ficou bem óbvio na sua resenha que você não sabe muito sobre quadrinhos.
“Para ser justo, a única parte que é basicamente westerm puro é no arco Salvação onde ele confronta Odin Quincannon. De resto, não vou me repetir aqui.”
Não, para ser justo você deveria admitir que dizer que westerns não são relevantes em PREACHER foi besteira. E você não vai se repetir porque sabe que está errado. O próprio Garth Ennis disse que PREACHER foi uma experiência western nos quadrinhos.
“Preacher segue a estrutura e convenções do gênero de super herói. Me refiro aos pilares que formam a obra: Jesse tem um super poder, mas não o usa, todos sabem da sua “identidade secreta”, ele tem uma galeria de vilões, mas a galeria é totalmente regional e não alocada em uma única cidade. A tulipa morre e volta no outro número. Viu? Todas as convenções se encontram na obra.”
Falou o especialista em quadrinhos…?
Pela sua lógica eu poderia dizer que os livros de Sherlock Holmes também seguem a mesma estrutura e convenções do gênero super-herói. Ele tem um super-poder (capacidade dedutiva sobre-humana), uma galeria de vilões (sendo Moriarty o grande nêmesis), um sidekick (Watson) e ele também morreu e voltou.
Então, faz sentido comparar Sherlock Holmes com uma revista de super-heróis? Não, não faz.
Na verdade, se aplicarmos esses critérios, poucos personagens da ficção não seriam classificados dessa maneira.
“Por último, eu ia responder essa sua frase, mas estou sem paciência. Se o caminho do debate for esse, pode esquecer.”
É, eu também me cansei disso. Até jogar pérolas tem seus limites… Continue escrevendo resenhas tão boas quanto você imagina que elas são, Pablo.
Pelo visto não cansou, não, seu objetivo é querer ter razão e dar a última palavra, ao invés de debater. Vai fundo, só que eu definitivamente cansei.
Ah, e vou continuar a fazer as resenhas a minha maneira, THE NINDJA, inclusive as de quadrinho, não gostou, só lamento.
Uma dúvida, Preacher foi lançado pela Devir nos volumes 1 a 3. E a Panini lançou os volumes 7 a 9.
O que aconteceu com os volumes 4 a 6 ?
Depois dos três primeiros volumes da Devir, a Pixel lançou alguns encadernados após esses, dois ou três, não lembro. Assim a Panini decidiu por lançar primeiro o material que nunca tinha sido lançado aqui e depois relançar os anteriores. O primeiro e o segundo já foram relançados. Imagino que se tudo ocorrer bem em breve vamos ter o Preacher todo pela Panini.
Preacher 3/5 é triste, ein…
Comentando 3 anos depois , somente pra dizer, sua bunda!
Huahahaha
Nunca é tarde…